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17 de Junho de 2024
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    Os direitos das pessoas com deficiência - Geraldo Nogueira e Nara Saraiva

    Publicado por OAB - Rio de Janeiro
    há 11 anos

    A base normativa internacional dos direitos humanos surgiu após os perversos acometimentos da Segunda Guerra Mundial, quando na noite de 10 de dezembro de 1948, adotou-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como primeira manifestação internacional da recém criada Organização das Nações Unidas (ONU), objetivando estabelecer um consenso acerca de uma "ética universal", através da qual, todos os países pudessem compartilhar valores básicos do bem comum e de garantia da dignidade humana.

    Estes procedimentos levaram a uma perspectiva que confirmou a indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos, presentemente incorporando três dimensões fundamentais: os direitos civis e políticos, tidos como de primeira geração; os direitos econômicos, sociais e culturais, de segunda geração e os direitos ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, os de terceira geração. Desde então, estas três dimensões dos direitos humanos foram desdobradas e alguns dos temas regulamentados a partir da promulgação de documentos internacionais, como a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados (1951); Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1969); Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979); Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres (1979); Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989); e mais recentemente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006).

    Este último documento, em seu artigo primeiro, define de plano que seu objetivo é proteger e assegurar às pessoas com deficiência condições de igualdade para o exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, além de promover o respeito por sua dignidade.

    Artigo 1 - Propósito

    O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

    Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelec tual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

    Observa-se que o legislador internacional preocupou-se mais com a garantia de que a pessoa com deficiência possa gozar dos direitos humanos e de sua liberdade fundamental do que propriamente em criar novos direitos. Adotou-se como medidor, as condições de igualdade, tanto que ao desdobrar o artigo primeiro, num segundo parágrafo, define deficiências e reforça a idéia de que numa sociedade são diversas as barreiras que podem impedir a participação do segmento em condições de igualdade. Esta igualdade pressupõe o respeito às diferenças pessoais, não significando o nivelamento de personalidades individuais, ao contrário, pois não se alcança efetividade de igualdade sem que se tenha em conta as distintas condições das pessoas. A igualdade absoluta1 leva a despersonalização e a massificação e é injusta porque trata os seres humanos como unidades equivalentes, sem atentar para as desigualdades que os diferenciam.

    Outro aspecto importante a ser observado é que a Convenção ao adotar em seu artigo primeiro a expressão "impedimentos de natureza mental e intelectual", quis determinar que o primeiro impedimento faz parte do quadro da saúde mental, ou seja, pessoas com deficiência psicossocial (deficiência mental), terminologia esta que vem sendo usada por estudiosos da área; enquanto que o segundo se refere tão somente ao déficit cognitivo, principal gerador da deficiência intelectual, querendo a norma internacional estender sua proteção a ambos os segmentos.

    O reconhecimento da abrangência da norma à deficiência psicossocial permitirá desenhar políticas públicas para possibilitar a inclusão deste segmento, que há muito sofre com o preconceito por falta de uma identidade social, pois quando um indivíduo é estigmatizado pela sociedade, a sua autodeclaração de identidade constitui um processo de resgate. A afirmação "sou deficiente" (surdo, cego, autista, tenho deficiência mental, dentre outras) constitui uma autocategorização, um processo de formação da identidade pessoal. Esta afirmação permite o deslocamento do discurso dominante da dependência e da anormalidade para a celebração da diferença e do orgulho de ter uma identidade.

    Considerando a máxima de que, direitos humanos são direitos de todos, e observadas as nuances específicas de cada grupo vulnerável, a norma internacional veio construir amplo consenso, via ONU, trazido à luz nesta primeira Convenção do milênio. O Brasil participou do pro cesso de construção da Convenção desde 2002, contribuindo em todas as etapas de elaboração do tratado. A tal ponto foi o compromisso de nosso País com esse processo que, em 30 de março de 2007 foram assinados, sem reservas, tanto a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, quanto seu Protocolo Facultativo que garante monitoramento e cumprimento das obrigações do Estado Parte.

    Portanto, o Brasil reconhece o desejo de seus cidadãos por mudanças, representado no compromisso brasileiro com essa vitória social de alcance mundial e, particularmente, com o desafio vencido pelos mais de 24,5 milhões de brasileiras e brasileiros com deficiência. Assim, como Estado Parte, o País está obrigado a promover a inclusão das pessoas com deficiência, inserida aqui a deficiência psicossocial, em bases de igualdade com as demais pessoas.

    Em uma visão geral, a importância da adoção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo Brasil, bem como sua inserção no ordenamento jurídico Nacional com força de emenda constitucional, reside no fato de criar obrigações de respeito à diversidade. E, particularmente, para as pessoas com deficiência psicossocial abriu-se a necessidade da criação de meios legais e operacionais práticos que assegurem sua inclusão na vida social e, primordialmente, no mercado de trabalho formal.

    A criação de cotas, a aplicação da acessibilidade para cada tipo de deficiência, as ações no meio educacional, o acesso à saúde e à melhoria das condições de vida das famílias compõem parte fundamental do quadro das condicionantes de referência para que as mudanças necessárias aumentem a possibilidade de emancipação das pessoas com deficiência psicossocial. Trata-se, portanto, de um compromisso coletivo e político de protesto contra as barreiras sociais que colocam cidadãos em desvantagem, para a transformação da identidade pessoal vivenciada com orgulho pelos indivíduos com alguma diferença. Assim, a Convenção alcança mais um segmento da deficiência colocado à margem social, procurando incorporá-lo no contexto macro dos direitos das pessoas com deficiência, para depois serem tratados individualmente na legislação infraconstitucional que terá função regulamentadora da norma internacional, aliás, como acontecerá com todos os outros setores da deficiência.

    Por fim, concluindo a analise do artigo primeiro, observamos que o propósito da Convenção é ser mais do que um texto de definição de direitos, mas antes de tudo ser instrumento legal determinante dos elementos essenciais para a construção de uma sociedade inclusiva e livre de barreiras, onde a pessoa com deficiência possa usufruir dos seus direitos em condições de igualdade com as outras pessoas. Valendo dizer que somente com a compreensão e o esforço coletivo público e privado de todos os setores da sociedade brasileira, será possível alcançar a mudança de paradigmas que persistem em condenar, pelo preconceito, àqueles que são simplesmente "diferentes".

    Geraldo Nogueira é presidente da Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência.

    Nara Saraiva é conselheira da OAB/RJ.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia-geraldo-nogueira-e-nara-saraiva/100518433

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