Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
17 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    Os juízes hoje são mais liberais do que eram antes

    Publicado por OAB - Seccional Bahia
    há 16 anos

    por Fernando Porfírio

    O desembargador Alceu Penteado Navarro, do Tribunal de Justiça de São Paulo, é apontado como um teimoso legalista, apegado à interpretação literal das normas penais. Ele reconhece seu traço conservador e mostra-se orgulhoso desse perfil, mas diz que sua obediência à pureza da lei tem limites e que, quando se debruça sobre um caso, seu objetivo não é apenas resolver o processo, mas acabar com o conflito.

    A função do julgador é adaptar a legislação ao caso concreto, buscando a resolução de um problema, afirma Navarro, que percorreu um longo caminho da vida a serviço da Justiça. São mais de 40 anos de carreira no Judiciário de escrevente a presidente do extinto Tribunal de Alçada Criminal. Dali, passou a desembargador do Tribunal de Justiça com a reforma do Judiciário e depois foi eleito, por duas vezes, como o desembargador mais votado para uma vaga no Órgão Especial, colegiado de cúpula do Judiciário paulista.

    O desembargador é um homem aplicado. Se algum mérito me pode ser atribuído, é unicamente o do trabalhar com tenacidade, jamais decidindo sem estar seguro da questão em exame, define Navarro. Como não sou dos mais dotados de conhecimento jurídico, tive e tenho que estudar muito para dar vazão ao enorme serviço judicante, completa o desembargador. Ele conta que, quando foi promovido ao Tacrim, precisou fazer uma reciclagem profissional para superar a lacuna no conhecimento criminal.

    Homem prático, tem experiência dentro e fora do balcão advogou no escritório do professor Sílvio Rodrigues e do depois ministro José Carlos Moreira Alves, que ocupou o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal. De um juiz que trabalhava quase como um artesão, sem delegar poderes, o hoje desembargador divide o trabalho com três assessoras. A produção, reconhece ele, quase quintuplicou.

    Alceu Penteado Navarro nasceu em Jaú, no interior de São Paulo, em agosto de 1944. Filho do juiz Bolívar Ferraz Navarro e de Marília Penteado Navarro, estudou na Universidade Mackenzie. Foi vice-presidente e depois presidente do extinto Tacrim. Ao ocupar o cargo, mostrou que o bom juiz pode ser também bom administrador. Alceu, como é chamado pelos amigos, é um contador de causos e, pela convivência com o pai, um acervo vivo do Judiciário. Longe do tribunal, conserva a paixão de enólogo e de iatista.

    Leia a entrevista que ele concedeu à revista Consultor Jurídico.

    ConJur A criminalidade organizada está levando os juízes a serem mais punitivos?

    Penteado Navarro Isso é um engano. Os juízes hoje são mais liberais do que eram antes, pelo menos na Justiça paulista. Mas não sei dizer o porquê dessa mudança. Quando meu pai era juiz, quase não havia roubo. Só furto. Hoje, o delinqüente prefere roubar porque furtar dá muito trabalho. Ele tem que fazer campana na casa, descobrir como entrar e sair. O roubo a mão armada é muito mais célere. Na minha vida de juiz, vejo casos de delinqüentes que praticam até três roubos por dia. A prisão de uma pessoa como essa tem como resultado um sossego muito grande para a sociedade.

    ConJur Há lugar no sistema penitenciário para tanta gente?

    Penteado Navarro A impressão que tenho é a de que, quando pessoas com esse perfil de delinqüência estão soltas, trazem um prejuízo muito maior do que quando estão presas. É mais barato um sujeito desses ficar na cadeia. A sociedade está muito mais protegida e uma quantidade menor de recursos deixa de ser gasto com a segurança pública. Sei que os defensores do direito penal mínimo vão ficar horrorizados com essa minha afirmação.

    ConJur O STF diz que prisão cautelar não pode ser usada para antecipar a punição do acusado. O senhor, que tem fama de durão entre seus colegas, segue essa orientação?

    Penteado Navarro Tecnicamente, sim, mas há diferenças entre antecipação de pena e necessidade de prender alguém. A prisão preventiva cabe em qualquer fase do processo ou da instrução criminal para garantir a ordem pública e econômica, a conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Esses conceitos são elásticos e dependem da interpretação do juiz. Por exemplo: garantir a ordem pública é tentar evitar que o delinqüente cometa novos crimes. O sujeito que pratica o crime de roubo a mão armada me parece que não deve ser deixado em liberdade porque ele não vai parar de cometer esses crimes e, por isso, provoca um risco enorme à sociedade. Costumo seguir essa interpretação, que está em sintonia com a lei.

    ConJur O acusado de crimes graves não pode responder o processo em liberdade?

    Penteado Navarro Quando o crime é grave, eu tendo a ter esse raciocínio que expliquei para evitar que ele pratique crimes em seqüencia e coloque em risco a sociedade e a ordem pública. Isso vale para os crimes como roubo a mão armada, estupro, formação de quadrilha e receptação qualificada, entre outros. O receptador, que tem por hábito comercializar o produto do crime, é uma pessoa que é melhor para a sociedade que fique presa, já que é um grande incentivador da prática de crimes contra o patrimônio, em especial furto e roubo. Se não tivesse quem comprasse o fruto do crime, ninguém ia roubar, por exemplo. É preciso, no entanto, sentir qual a melhor decisão em cada processo.

    ConJur Muitos juízes pensam como o senhor?

    Penteado Navarro Não. Eu remo contra a maré. A tese do juiz liberal tem mais ressonância hoje dentro do tribunal e em todo o Judiciário. Quero esclarecer, no entanto, que o chamado juiz conservador é aquele que aplica a lei. O liberal é aquele que encontra brechas na lei para favorecer o réu. Não existe o juiz rigoroso que dê uma interpretação mais severa para a lei. O liberal, no entanto, entende que o Estado é um opressor.

    ConJur Falta política de trabalho nos presídios?

    Penteado Navarro Sim. O Estado monta prisões com maquinário e os presos destroem. As colônias agrícolas também não deram certo. O sujeito fica solto numa extensão de terra muito grande e é preciso gastar muito dinheiro com vigilância. Há muito preso por praticar crime contra o patrimônio. Este tipo de criminoso não gosta de trabalhar. Só quem gosta de trabalhar é o chamado criminoso de sangue. Esse não fica ocioso nunca.

    ConJur E o traficante de drogas?

    Penteado Navarro Este é um tipo de criminoso diferenciado. Está acostumado a lidar com grande soma de dinheiro e comandar muita gente. É difícil diferenciar traficante de usuário porque os grandes traficantes não ficam com toda a droga em seu poder. Nunca são surpreendidos com grande quantidade. Para prendê-los, é preciso um trabalho e uma diligência policial muito bem feita.

    ConJur Onde está o limite entre traficante e usuário?

    Penteado Navarro Basicamente, na quantidade de dose letal. Mas o juiz precisa observar outras circunstâncias, como a forma como a droga foi embalada. Se a cocaína está toda separada em papelote, se o réu tem muito dinheiro em seu poder, tem balança de precisão. Todas são características de quem comercializa drogas. Não temos um padrão definido para diferenciar entre posse para consumo e tráfico, mas o juiz precisa cuidar para não pegar um usuário e aplicar uma pena injusta. O problema é que há juízes liberais que entendem como usuário pessoas que têm em seu poder quantidade de droga que não se enquadra como consumo próprio.

    ConJur Os criminosos assustam os juízes?

    Penteado Navarro Não o juiz do processo de conhecimento. O mesmo não se pode falar dos magistrados que atuam na execução criminal. O crime organizado tem sido cruel com esses juízes, que são responsáveis pelos benefícios de progressão de regime e de livramento condicional e têm mais contato com os presos, visitam os presídios, acompanham e negociam rebeliões. O exemplo mais extremo aconteceu com nosso colega Machado [Antonio José Machado Dias, juiz da Vara das Execuções Criminais e corregedor dos Presídios de Presidente Prudente, morto numa emboscada em 14 de março de 2003, quando voltava do fórum local para sua casa]. Ele era conhecido como um juiz duro. Hoje, com a descentralização das varas de execuções, há juízes mais rigorosos e outros bem menos. Os criminosos sabem disso e querem ser transferidos para um presídio que esteja sob a jurisdição de um juiz mais flexível, onde o detento tem mais chances de conseguir benefício. Fala-se até de uma espécie de compra de vagas entre os detentos.

    ConJur Esse temor chega aos desembargadores?

    Penteado Navarro Sempre há risco. Tivemos exemplos na Colômbia, na Espanha e na Itália de perseguição a juízes. Eu mesmo já sofri ameaças por causa de um processo do qual fui relator. Mandaram para mim uma foto do meu neto com ameaças. No entanto, é muito complicado dar proteção para juiz porque são muitos magistrados e a proteção para cada um pode desfalcar a segurança pública.

    ConJur Vivemos num Estado Policial?

    Penteado Navarro Dizer isso é um exagero. O que está acontecendo é que, com a sofisticação dos meios eletrônicos, as escutas telefônicas passaram a ser usadas pela Polícia de forma exagerada e tem muita gente fazendo escuta sem ser polícia.

    ConJur Para o senhor, conversa entre advogado e cliente pode ser gravada?

    Penteado Navarro Quando o advogado sai da condição de defensor e começa a participar do grupo criminoso, sim. Mas, em geral, não, pois esbarra no direito de defesa. O mesmo vale para os juízes. Não é por causa do cargo que o indivíduo está vacinado.

    • Publicações18645
    • Seguidores134
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações12
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/os-juizes-hoje-sao-mais-liberais-do-que-eram-antes/153405

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)