Os prós e contras da nova Lei de Migração
A nova Lei de Migração recém-aprovada no último dia 25, pelo presidente Michel Temer (PMDB), apresenta pontos favoráveis e outros restritivos ao direito internacional de ir e vir. A nova lei substitui o Estatuto do Estrangeiro, colocando novos conceitos e atualizando garantias e princípios constitucionais antes só concedidos a brasileiros.
As propostas de mudanças versavam principalmente sobre combater a criminalização do imigrante e contribuir para a desburocratização de processos documentais. Mas nem tudo foi aprovado conforme os movimentos sociais e organizações civis desejavam e esperavam.
Dentre os vinte vetos, é possível destacar alguns que infelizmente representam um retrocesso nos Direitos Humanos e as garantias fundamentais. O primeiro deles, muito criticado pelos imigrantes e sociedade civil, foi a não concessão de anistia para aqueles que apresentavam situação irregular – um pedido apresentado em 2013 pela Associação Nacional dos Estrangeiros (ANEIB) e que havia sido aprovado pelo Senado.
Houve também o veto para não isentar da expulsão o imigrante que mora há mais de 4 anos no Brasil e que cometeu crime nesse período, também não sendo considerado como integrante de um grupo vulnerável. Foi também vetada a possibilidade de revogação de expulsões decretadas antes de 1988 (ano da Constituição Federal).
Outra proposta vetada é a possibilidade do imigrante ser aprovado em concurso público e ter sua residência concedida em razão da aprovação. O projeto considerou ainda como migrante vulnerável o indígena que circula entre fronteiras de seu território. No entanto, essa proposta foi vetada.
Apesar dos vetos, há muitos pontos positivos que representam avanços e que estão em consonância com normas internacionais. Um destaque para o princípio do contraditório e ampla defesa e garantia de acesso a assistência judiciária gratuita, com a atuação obrigatória da Defensoria Pública em casos de detenção de migrantes nas fronteiras, inviabilizando a deportação imediata realizada pela Polícia Federal.
Também em consonância com normas internacionais, são vedadas as expulsões, deportações e repatriações em caráter coletivo.
Houve ainda a implementação em Lei do que antes eram apenas matérias de regulamentações e normas esparsas, como vistos humanitários, e ampliação de vistos temporários e de reunião familiar.
Um ponto não menos importante é a garantia à participação e manifestação política, antes reprimida pelo Estatuto do Estrangeiro.
O artigo 113, § 4º, apesar de desconsiderar como vulnerável o migrante que responde a processo criminal, abarca nesse critério de vulnerabilidade os solicitantes de refúgio, as vítimas de tráfico de pessoas, vítimas de trabalho escravo e menores desacompanhados.
Essa nova lei foi fruto de um trabalho árduo da sociedade civil que não somente representou os interesses dos não-nacionais, mas também cobrou agilidade e transparência durante todo o trâmite para aprovação, acompanhando passo a passo das votações. Infelizmente os vetos acima foram incompatíveis com a democracia participativa, uma vez que o documento foi aprovado sem que ninguém soubesse.
Diante do exposto, mesmo com pontos positivos e negativos, há muito que mudar. A Lei não está totalmente de acordo com a realidade e necessidades dos imigrantes, o Poder Público ainda se mostra ineficiente para atuar nessas questões, e a sociedade ainda está alheia a tudo isso com informações equivocadas a respeito de migrações.
Refugiado e imigranteA separação de conceitos entre imigração e refúgio é necessária para que o Estado e a sociedade proporcionem o acolhimento e documentação de acordo com cada caso.
O refugiado necessita de uma assistência não só social, mas política, pois normalmente veio ao Brasil fugido de guerras e perseguições em seu país de origem. O refugiado corre riscos sérios a sua integridade física e psíquica se retornar ao país de origem sem que a situação deste esteja apaziguada. Portanto, ele busca não só a assistência social, mas a proteção de um Estado que lhe garanta direitos fundamentais de sobrevivência.
O imigrante pode adentrar o Brasil por diversos motivos, como trabalho, família e estudos. Normalmente são razões voluntárias, exceto por conta de tráfico de drogas ou de pessoas, por exemplo.
Em todos os aspectos, embora haja diferenciação de conceitos e de documentação, tanto o imigrante quanto o refugiado são pessoas que migram e, na prática, a igualdade perante os brasileiros deve prevalecer no que tange a acesso a serviços básicos, como saúde e educação.
XenofobiaA falta de conhecimento sobre o que ocorre no mundo da migração é uma das causas de xenofobia. As informações equivocadas que circulam principalmente nas redes sociais podem ser devastadoras numa construção de políticas públicas e mudanças legislativas, por exemplo. A noção de cidadania ainda é pequena para essa parcela da população que desconhece a gravidade de seus atos verbais e físicos, contribuindo para uma criminalização do imigrante.
O Poder Público também deve se firmar contra esses acontecimentos, informando e fomentando um debate saudável e acolhedor com a população, de forma a integrar todos aqueles que vivem em território brasileiro.
A sociedade civil fez e está fazendo um ótimo trabalho na promoção e defesa dos Direitos Humanos sem distinção de nacionalidades, pois migrar é um direito e quem o faz não pode ser visto como ilegal, mas como cidadão do mundo.
Adriane Secco é advogada especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP. Atua com direitos humanos, especificamente com imigração desde 2013, passando por diversas ONGs, centros acadêmicos, e órgãos governamentais, como a Defensoria Pública da União e juizados especiais.
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