Por que criminalizam a advocacia em um Estado de Exceção?
Em junho de 2017, o ilustre professor Lênio Streck, com precisão cirúrgica, apresentou checklist com 21 razões pela qual nos encontrávamos em Estado de Exceção [1], e inaugurou a lista com o seguinte sintoma:
De lá pra cá, passado pouco mais de um ano, a insistente tentativa de criminalização da atividade advocatícia só cresce, e os ataques são cada vez mais escancarados, vindos do Poder Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
E para que não seja dito que há uma tentativa infundada de “vitimização” da classe, trazemos aqui alguns exemplos bem pontuais:
Em 2016, foi proposto pelo Ministério Público Federal, em decorrência da Força-Tarefa da Lava Jato, um projeto de lei chamado de “Dez Medidas contra a Corrupção” (PL 4850/2016). Dentre as medidas propostas, constam algumas supressões de recursos do processo penal e diversas limitações ao Habeas Corpus, e trazem como justificativa a uma de suas propostas que:
“criminosos de colarinho branco, como regra, podem contratar advogados com elevada qualidade técnica e poderão arcar com os custos envolvidos para que sejam manejados todos os recursos possíveis e imagináveis”.
No mesmo documento, quando apresentam medidas para combater a prescrição, ainda afirmam: “a busca da prescrição e consequente impunidade é uma estratégia de defesa paralela às teses jurídicas, implicando o abuso de expedientes protelatórios”.
E esse é só um começo dos ataques à defesa no processo penal e tentativa de diminuição da importância das prerrogativas dos advogados na salvaguarda dos direitos difusos, individuais e coletivos.
Mas, como já dito, aparentemente, setores dos três poderes da República estão engajados na criminalização da advocacia, e prova disso é a atuação da Procuradoria Geral da República. Vejamos:
Pelo visto, embora necessária, a aprovação da referida lei contará com imensos esforços para a sua rejeição.
E mais para o final do ano pretérito, no mês de outubro, o então ministro da defesa Raul Jungmann ligou para consultar o juiz federal da 13ª vara de Curitiba Sérgio Moro a respeito de sua opinião sobre a proposta de monitoramento de conversas entre advogados e presos.
Pois bem. Os exemplos trazidos consubstanciam tentativas de caracterizar a advocacia criminal como uma relação extensiva e de cumplicidade com a atividade criminosa, bem como com as tentativas de impedir a criminalização da violação aos direitos e prerrogativas dos advogados. Tudo isso, aliadas às dificuldades ainda existentes de comunicação entre advogados e clientes nas unidades policiais, à hostilidade que os advogados enfrentam na defesa dos seus clientes e da marginalização da atividade advocatícia junto à opinião pública reforçam ainda mais esse cenário nefasto e antidemocrático de humilhação cotidiana na labuta dos advogados, notadamente (embora não de forma exclusiva) os criminalistas.
Todas essas medidas ignoram solenemente o dispositivo constitucional, que deixa bem claro o papel do advogado no Estado Democrático de Direito:
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Além do dispositivo legal previsto na lei federal nº 8.906/94 (estatuto da advocacia da OAB):
Art. 7º São direitos do advogado:
III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
Sem surpresas, embora a contragosto, percebe-se que é fruto do atual estado de exceção a nova carga, dessa vez por parte de Juízes Corregedores de presídios federais, o pleito de gravação das conversas entre os presos e os advogados, através de proposta de lei apresentada ao Ministério de Segurança Pública, que está sob a titularidade do ministro Raul Jungmann, que inclusive já se manifestou favoravelmente a esta medida (reforçando seu posicionamento de quando ainda era Ministro da Defesa)[5].
Ora, juízes sendo consultados e apresentando projetos de lei com fulcro de violar garantias constitucionais é claro movimento, com caráter bastante nocivo, de ativismo judicial, que é um mau comportamento do Poder Judiciário acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no sistema de separação dos poderes do Estado Constitucional de Direito.
Ademais, intrometer-se na conversa entre o cliente e o advogado é retirar o direito de defesa do indivíduo. Prática muito afim com os regimes ditatoriais, vez que o direito à ampla defesa é uma garantia fundamental integrante do rol de Direitos Humanos Internacionais.
Como resposta a esse ataque a ordem democrática, embora com certa ausência de veemência, mas com razão, se manifestou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil:
“Nós precisamos enfrentar a criminalidade, mas não se combate o crime cometendo um outro crime. Qual o outro crime? Desrespeitar a lei. A conversa entre o advogado e o cliente é inviolável por lei e pela Constituição Federal. Isso não é uma garantia só dos advogados, mas da própria sociedade, do cidadão. É algo inerente a um estado democrático de direito”.
Diante de todo o exposto até então, é imprescindível que questionemos: Qual a finalidade da criminalização da advocacia privada? A quem interessa esse estado de coisas inconstitucional? Quem é beneficiado pelo vilipêndio à ordem jurídico-constitucional e a fragilização da segurança jurídica?
Resume-se, então, que é necessário o restabelecimento da ordem, conclamamos o respeito aos preceitos legais e constitucionais e aos valores do Estado Democrático de Direito, visto que criar obstáculos ao exercício da advocacia é empurrar a democracia às trevas do fascismo. O ativismo judicial ostensivo e a politização do Poder Judiciário deve ser coibido, pois a atuação “justiceira”, lastreada em conceitos como “opinião pública”, “sentimento social” e congêneres são atitudes a serem rechaçadas e não aplaudidas, afinal, só o cumprimento à Constituição Federal e aos valores do nosso Estado Democrático de Direito podem nos dar esperança de nos reerguermos como nação.
Marcos Luiz Alves de Melo é Especialista em Docência Universitária pela Universidade Católica do Salvador/BA, Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Professor em Penal e Processo Penal na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador/BA. Advogado Criminalista.
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