Por que é preciso rebater a tese do marco temporal?
O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá retomar, na próxima quinta-feira (8), o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que trata do direito a terra e território das comunidades quilombolas. O julgamento foi interrompido em novembro do ano passado, quando o ministro Edson Fachin pediu vistas após o voto do ministro Dias Toffoli.
Se o julgamento não for reiniciado amanhã – uma vez que outras duas relevantes e complexas ações estão à frente na ordem de julgamento das matérias pautadas para a data -, é muito provável que a ministra Cármen Lúcia não demore para recolocar a ação em pauta. Essa foi sua postura no ano de 2017, quando pautou por quatro vezes consecutivas a ação. O mesmo deve ocorrer caso algum ministro peça vistas.
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Ainda faltam, incluindo Fachin, outros sete ministros a votar. A seguir o atual ritmo de julgamento do caso, em que a leitura de cada voto tardou cerca de duas horas, a votação não deve se encerrar no mesmo dia.
O cenário de incertezas quanto à retomada e finalização do julgamento coloca as comunidades quilombolas em alerta: seja porque que devem estar sempre prontas para vir a Brasília acompanhar as sessões de julgamento, seja em função do seu resultado – que deverá influenciar significativamente as políticas públicas de titulação.
Avalia-se que o STF não declarará a inconstitucionalidade do Decreto Federal 4887/03, principalmente tendo em vista as manifestações dos ministros e ministras em outras votações que se relacionam com o direito quilombola à terra. Assim, os debates deverão girar em torno da aplicação do marco temporal – tese político-jurídica que defende que só teriam direito às terras as comunidades quilombolas que tinham sua posse em 5 de outubro de 1988.
A proposta de marco temporal apresentada por Toffoli não é robusta sob o ponto de vista jurídico, mas pode ser endossada por outras ministras e ministros, já que as chamadas bancadas ruralista e da bala têm atuado junto ao STF para que o órgão julgue em favor dos interesses políticos do agronegócio.
A retomada do julgamento também deve influir na política do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de titulação das terras quilombolas, independente do resultado do julgamento final no STF. Se a tese do marco temporal for respaldada por outros ministros e ministras, o Incra poderá, sob a supervisão da bancada ruralista que acompanha Michel Temer, diminuir ainda mais seus resultados – que já são pífios.
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A letargia nas titulações e as incertezas causadas pelo julgamento da ADI também se refletem no aumento da violência contra comunidades quilombolas.
A atribuição de um marco temporal de ocupação não contribui para a contenção de conflitos fundiários, como fez crer o Dias Toffoli em seu voto. Pelo contrário: a imposição de um marco para regularização de terras das comunidades quilombolas poderá fazer com que grande parte delas tenha direito à titulação de apenas uma pequena parte do território. Essa situação será catalisadora de maiores conflitos agrários, que desde 2015 vêm batendo sucessivos recordes no Brasil.
Certo é que o rebate à tese do marco temporal no STF, ainda que parcial e sem a finalização do julgamento, fortalecerá as lutas quilombolas fora e dentro do Judiciário. Na atual conjuntura política de nosso país, uma vitória quilombola no STF pode alavancar grandes processos de luta.
Layza Queiroz e Fernando Prioste são advogados da organização de assessoria jurídica Terra de Direitos.
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