Presidente da República pode publicar informação falsa na internet?
Inverdades sobre jornalista não causaram dano, diz procurador de Justiça. Para advogados, faltou decoro
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), compartilhou, neste domingo (10/3), em sua conta oficial do Twitter, uma informação falsa de que a jornalista Constança Rezende, do jornal O Estado de S.Paulo, teria afirmado numa conversa que queria acabar com o governo de Bolsonaro e “arruinar” a vida de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL).
A repórter, ao se comunicar com uma pessoa que se disse interessada em fazer um estudo comparativo entre Donald Trump e o presidente brasileiro, afirmou, na verdade, que “o caso pode comprometer” e está “arruinando Bolsonaro”.
Não é a primeira vez que Bolsonaro compartilha informações falsas em sua rede social. Segundo levantamento da plataforma de checagem Aos Fatos, a cada dez declarações do presidente durante as primeiras dez semanas de seu mandato, quase seis eram falsas ou distorcidas.
De acordo com a agência, o presidente fez em suas redes sociais, desde sua posse,149 declarações passíveis de checagem, das quais 82 são falsas ou apresentam erros.
Em nota conjunta, a OAB e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmaram que Bolsonaro usa de sua “posição de poder para tentar intimidar veículos de mídia e jornalistas, uma atitude incompatível com seu discurso de defesa da liberdade de expressão”.
Segundo Ronaldo Porto Macedo Junior, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e membro da plataforma de liberdade de expressão da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), apesar de considerar o compartilhamento com a informação falsa “inconveniente”, o presidente da República tem o direito de compartilhar mentiras ou expressar opiniões equivocadas.
“A restrição de publicação ou ordem para apagar um post só deve ser feita em situações extremas e com grandes consequências à população. Nesse caso concreto, não há um dano direto para a jornalista. Pelo contrário, ela ganhou publicidade. Um dano não pode ser declarado somente porque alguém não gostou de uma publicação”, afirma Macedo Junior.
Entre as “situações extremas” mencionadas, o procurador de Justiça cita declarações que prejudicariam uma comunidade inteira de pessoas, como afirmar que todos os homossexuais têm Aids ou que o país sofreria um ataque aéreo e a população precisaria ser evacuada.
“O debate político é composto por esses ataques árduos. Não significa necessariamente uma tentativa de intimidação. Isso é feito por outros políticos também. Ele [Bolsonaro] não precisa dizer a verdade o tempo todo”, argumenta o procurador de Justiça.
Ele acrescenta que, apesar de não concordar com outros episódios do presidente, como o compartilhamento de um vídeo de um cidadão urinando na cabeça de outro homem, não há “quebra de civilidade” na informação falsa divulgada em relação à jornalista. “Mesmo as declarações contra a grande imprensa. Tudo isso é uma convicção pessoal dele. Não tem como dizer se é verdadeiro ou falso”, diz.
Sobre as possíveis consequências do episódio mais recente, Macedo Junior acredita que o presidente não pode ser condenado ao pagamento de indenização ou a conceder direito de resposta porque, para ele, não houve dano à honra da jornalista. “Só uma ditadura impõe critério único de verdade e pune quem mente”, afirma.
A opinião de Walter Ceneviva, ex-presidente da comissão de liberdade de expressão da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), é diferente. Para ele, ninguém tem o direito de disseminar informações falsas. O advogado acrescenta que o caso da informação falsa sobre a jornalista do Estadão tem um agravante: o conteúdo foi compartilhado em uma conta oficial de comunicação da presidência da República.
“Alguns assuntos são difíceis de afirmar se são verdadeiros: a imprensa persegue Bolsonaro? Depende do ponto de vista. Entretanto, neste último compartilhamento, está comprovado que o conteúdo é falso”, afirma Ceneviva.
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