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31 de Outubro de 2024
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    Pretensão resistida

    Publicado por Espaço Vital
    há 16 anos

    Por Rafael Berthold,

    advogado (OAB-RS nº 62.120)

    Como podem ser graves as conseqüências de uma mera atração física, quando é tão intensa a ponto de ser confundida com o amor!

    Confusão desse tipo aconteceu em uma comarca do interior. A atração foi sendo cultivada, ao longo de vários meses e inúmeras audiências, pelo advogado, militante, apesar da idade avançada, em relação a uma jovem e atraente defensora pública.

    Ele era casado. Ela, apesar de portar aliança de noivado, pouco parecia se importar com o compromisso. Era o que há algum tempo se apontaria como uma “mulher faceira.” Olhava para todas as direções e, segundo fontes cartorárias, com algum teor alcoólico - na noite, frise-se - se entregava, sem problemas de consciência, a qualquer um que possuísse um mínimo de atributos físicos.

    Era justamente o que faltava ao advogado. Ainda que idoso, queimava de desejos pela defensora que o instigava para tanto, lançando-lhe olhares e incertas. Mas era só surgir uma proposta mais concreta que ela lhe negava o que, a outros, com facilidade consentia. No dia seguinte, reiniciava seu jogo de sedução, como se nada houvesse acontecido encerrando-o, ao menor sinal de insinuação pelo advogado.

    Já transtornado com a situação, o doutor não se segurou e foi consultar as fontes que tudo sabiam de dentro do foro. De um oficial que a conhecia, soube que, apesar do jeito externo, a moça era culta, inteligentíssima e grande apreciadora de poesia. O advogado viu aí sua oportunidade para tê-la. Se ele, pessoalmente, não era belo, a conquistaria no melhor estilo Cyrano de Bergerac.

    Na primeira audiência em que a encontrou, junto à proposta de acordo suscitada pelo juiz, acostou o seguinte poema:

    PRETENSÃO RESISTIDA

    Por que, às minhas iniciais, sempre apresentar contestação?

    Não há exceção.

    Se trazendo ao feito a extinção,

    Sabes não poder extinguir a pretensão.

    E não se há que olvidar

    Que, a esta jurisdição, não se aplica a perempção.

    Isso porque, se bem me lembro,

    Um dia, dela abriu-se mão.

    O que fazer, então,

    Pra trazer paz à presente relação?

    Já aviso, desde logo,

    Que não mudarei de posição.

    Não me canso de arcar com a sucumbência,

    Sem, no entanto, desistir da minha ação

    À qual proponho, se me permite a irreverência,

    Em repúdio à atual jurisprudência,

    Se resolva, através da “transação”.

    O resultado foi o inverso do pretendido. Ofendida com o golpe baixo, utilizando-se, o homem, de uma ferramenta tão nobre para a consecução de um fim tão licencioso, a defensora deixou a sala de audiências aos prantos e logo pediu transferência, em razão do ato que denegrira sua honra.

    Há quem diga que, a partir daquele dia, ela nunca mais foi infiel ao noivo, que pouco tempo depois veio a se tornar marido. O advogado, de sua parte, ficou inconformado:

    – Por isso é que o Judiciário está tão entupido de processos: ninguém concilia...

    (*) E.mail: rafael@seb.adv.br

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