Pretensão resistida
Por Rafael Berthold,
advogado (OAB-RS nº 62.120)
Como podem ser graves as conseqüências de uma mera atração física, quando é tão intensa a ponto de ser confundida com o amor!
Confusão desse tipo aconteceu em uma comarca do interior. A atração foi sendo cultivada, ao longo de vários meses e inúmeras audiências, pelo advogado, militante, apesar da idade avançada, em relação a uma jovem e atraente defensora pública.
Ele era casado. Ela, apesar de portar aliança de noivado, pouco parecia se importar com o compromisso. Era o que há algum tempo se apontaria como uma mulher faceira. Olhava para todas as direções e, segundo fontes cartorárias, com algum teor alcoólico - na noite, frise-se - se entregava, sem problemas de consciência, a qualquer um que possuísse um mínimo de atributos físicos.
Era justamente o que faltava ao advogado. Ainda que idoso, queimava de desejos pela defensora que o instigava para tanto, lançando-lhe olhares e incertas. Mas era só surgir uma proposta mais concreta que ela lhe negava o que, a outros, com facilidade consentia. No dia seguinte, reiniciava seu jogo de sedução, como se nada houvesse acontecido encerrando-o, ao menor sinal de insinuação pelo advogado.
Já transtornado com a situação, o doutor não se segurou e foi consultar as fontes que tudo sabiam de dentro do foro. De um oficial que a conhecia, soube que, apesar do jeito externo, a moça era culta, inteligentíssima e grande apreciadora de poesia. O advogado viu aí sua oportunidade para tê-la. Se ele, pessoalmente, não era belo, a conquistaria no melhor estilo Cyrano de Bergerac.
Na primeira audiência em que a encontrou, junto à proposta de acordo suscitada pelo juiz, acostou o seguinte poema:
PRETENSÃO RESISTIDA
Por que, às minhas iniciais, sempre apresentar contestação?
Não há exceção.
Se trazendo ao feito a extinção,
Sabes não poder extinguir a pretensão.
E não se há que olvidar
Que, a esta jurisdição, não se aplica a perempção.
Isso porque, se bem me lembro,
Um dia, dela abriu-se mão.
O que fazer, então,
Pra trazer paz à presente relação?
Já aviso, desde logo,
Que não mudarei de posição.
Não me canso de arcar com a sucumbência,
Sem, no entanto, desistir da minha ação
À qual proponho, se me permite a irreverência,
Em repúdio à atual jurisprudência,
Se resolva, através da transação.
O resultado foi o inverso do pretendido. Ofendida com o golpe baixo, utilizando-se, o homem, de uma ferramenta tão nobre para a consecução de um fim tão licencioso, a defensora deixou a sala de audiências aos prantos e logo pediu transferência, em razão do ato que denegrira sua honra.
Há quem diga que, a partir daquele dia, ela nunca mais foi infiel ao noivo, que pouco tempo depois veio a se tornar marido. O advogado, de sua parte, ficou inconformado:
Por isso é que o Judiciário está tão entupido de processos: ninguém concilia...
(*) E.mail: rafael@seb.adv.br
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