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17 de Junho de 2024
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    Previdência Social é o desafio permanente da Constituição

    Um dos assuntos do momento na política brasileira é aquele que, ao longo das últimas três décadas, foi o assunto do momento várias vezes: a Previdência Social. Um dos fundamentos do bem-estar social na Constituição Federal, a Previdência já passou por duas grandes reformas e encara a possibilidade de uma terceira, o que faz dela uma das encruzilhadas mais recorrentes da carta cidadã de 1988.

    A dimensão social do tema é inegável: a Previdência é, para uma parte significativa da população brasileira, questão de sobrevivência. Aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais sustentam famílias e fazem girar a economia de muitos municípios. Pelas diretrizes da Constituição, a Previdência tem um papel de transferência de renda e distribuição de riqueza dentro da sociedade brasileira.

    Há também, o aspecto macroeconômico: a Previdência já consome cerca de um terço do orçamento efetivo da União (descontadas a dívida pública e a repartição federativa), e esse índice crescerá aceleradamente nos próximos anos. Uma área que responde por mais da metade das despesas de uma das maiores economias do planeta fatalmente será, recorrentemente, terreno fértil para debates acalorados.

    Para além da polêmica momentânea sobre o tema, naturalmente influenciada pelas motivações políticas atuais, há muito o que se entender e se discutir sobre os fundamentos, o funcionamento e as perspectivas do modelo previdenciário do Brasil aos olhos da Constituição.

    Seguridade

    A Previdência está contida na principal inovação da Constituição Federal de 1988 para a proteção social, que foi a criação da seguridade, um sistema de orçamento único que concentra o financiamento dos serviços de saúde, da assistência e da previdência.

    Jane Berwanger, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), explica que a ideia por trás desse arranjo foi manter vinculadas ações que, na prática, se complementam e precisam ser tratadas de forma conjunta.

    — As áreas de saúde, previdência e assistência estão muito interligadas. Ao longo da vida laborativa, se o segurado tiver acesso à saúde, terá menos necessidade de previdência. E a assistência age no resíduo, no que não pode ser atendido pela Previdência Social — explica jane berwanger.

    O desafio dos parlamentares que trataram do assunto foi criar um sistema ordenado a partir das iniciativas desconexas e redundantes que existiam. Hoje secretária do governo do Distrito Federal, a então deputada constituinte Maria de Lourdes Abadia (PFL-DF) conta que não havia uma visão institucional da ordem social dentro do Estado.

    — A assistência social no Brasil, até então, era caótica. Você não sabia em qual porta bater, quem era responsável pelo quê. Não havia objetivos definidos.

    Além disso, havia os indicadores. Em 1988, quando a Constituição foi promulgada, o Brasil tinha uma expectativa de vida inferior à média mundial (64,6 no país contra 65 globalmente) e um índice de desigualdade de renda (coeficiente de Gini) entre os mais altos do mundo para países do seu porte.

    Abadia exerceu na Assembleia Constituinte o seu primeiro mandato eletivo. Assistente social de formação, ela levou para o Congresso a sua experiência de coordenar, no início dos anos 1970, a criação da Ceilândia — a maior das cidades-satélites de Brasília — a partir da realocação de moradores de diversas áreas da nova capital.

    Ela conta que o trabalho de erigir a infraestrutura social da nova cidade deixou um aprendizado valioso para cumprir tarefa semelhante na Constituinte. Segundo Abadia, a assistência social no Brasil ainda se escorava muito em caridade e voluntariado. O primeiro passo seria convocar a sociedade para colocar, no lugar disso, uma estrutura.

    — O grande desafio era transformar em direito aquilo que era dado como esmola — resume.

    Um avanço da Constituinte, conforme relata a deputada, foi consolidar a discussão sobre graus de pobreza. O desenvolvimento de parâmetros para identificação de necessidades específicas foi o que lançou as bases, por exemplo, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), um auxílio mensal no valor de um salário mínimo pago a idosos em situação de vulnerabilidade extrema, independente de qualquer contribuição previdenciária.

    O orçamento da seguridade social foi construído com uma base de financiamento diversificada, de modo a proteger o sistema de qualquer perda significativa inesperada. Três atores abastecem o orçamento: os trabalhadores, com uma parcela da sua remuneração; os empregadores, com contribuições que sobre a folha de pagamento, a receita, e o lucro; e o Estado, com recursos provenientes das loterias federais e da tributação de importações.

    Até 2007 a seguridade também era alimentada pela arrecadação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o chamado “imposto do cheque”, que incidia sobre toda transferência bancária. O “prazo de validade” da CPMF se encerrava naquele ano e o imposto deveria ser prorrogado pelo Congresso Nacional. No entanto, apesar de decisão favorável da Câmara dos Deputados, o Senado rejeitou a prorrogação, provocando o fim da CPMF. A derrubada gerou um impacto estimado de R$ 40 bilhões no orçamento da seguridade social já no ano seguinte.

    Previdência

    Um dos pilares da seguridade social, e aquele que movimenta mais recursos na esfera federal, a Previdência foi organizada pela Constituição de 1988 sobre dois princípios essenciais: a universalidade e a solidariedade.

    O primeiro diz respeito à participação. A contribuição previdenciária é obrigatória para todos aqueles que exercem atividade remunerada formal, de modo a abastecer o sistema com um fluxo constante e garantido. Quem exerce trabalhos informais pode contribuir como autônomo, de modo a construir um retorno mais sólido para si no futuro.

    Na ponta oposta, a dos benefícios concedidos, entende-se que a proteção previdenciária deve se estender, na medida do possível, a todos os cidadãos, assegurando um patamar mínimo mesmo àqueles que não conseguiram contribuir ao longo da vida. Além disso, há a cobertura prevista para casos especiais, como as aposentadorias por invalidez, o seguro-desemprego e a previdência do trabalhador rural.

    Um dos órgãos que participou ativamente da elaboração do texto foi o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que faz uma ponte entre as representações dos trabalhadores e o Congresso Nacional. O assessor e analista Antônio Augusto de Queiroz explica que a cobertura universal não foi assegurada de cara pela Assembleia Constituinte, mas foi indicada como direção a ser seguida. O texto construído foi permeado por essa intenção e deu a deixa para que as futuras regulamentações dessem mais passos nesse rumo, conforme explica.

    — A constitucionalização [da Previdência] deu a garantia de universalização. Ao constitucionalizar, estabeleceu-se uma isonomia entre trabalhadores rurais e urbanos, entre trabalhadores domésticos e os demais. Eles teriam os mesmos direitos, e a constitucionalização foi a garantia de que isso seria implementado mais cedo ou mais tarde. Sem essa previsão, não haveria a igualdade de condições.

    Os trabalhadores rurais ganharam uma estrutura previdenciária diferenciada, em que têm assegurado o benefício ao fim da vida de trabalho sem que precisem contribuir obrigatoriamente. A lógica por trás dessa decisão foi que os trabalhadores do campo não têm rendimentos fixos garantidos, pois dependem da produção, e vinculá-los a uma contribuição de valor fixo todo mês poderia trazer prejuízos. No modelo concebido, eles podem contribuir facultativamente com o quanto puderem a cada período, mas receberão pelo menos um salário mínimo na aposentadoria.

    Para Jane Berwanger, do IBDP, a estrutura da aposentadoria rural é simbólica da forma como a Constituição abordou a questão da proteção social via Previdência.

    — A Previdência passou a ser entendida como uma proteção mais decorrente do trabalho do que da contribuição. Isso foi um importante avanço em direitos sociais. Antes, os trabalhadores rurais tinham proteção extremamente reduzida.

    O segundo pilar da Previdência, a solidariedade, significa que os benefícios devem ser financiados e distribuídos de modo que aqueles que têm mais condições ajudem os que têm menos.

    Isso se processa em duas esferas. Uma delas é a solidariedade “horizontal”, entre os estratos sociais, que funciona como uma transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres. Isso tem a ver com o caixa único da seguridade, no qual as contribuições previdenciárias dos trabalhadores em atividade custeiam o auxílio concedido àqueles em pior situação.

    A outra dimensão é a solidariedade “vertical”, também conhecida como “pacto intergeracional”: aqueles que estão trabalhando financiam a Previdência para que os aposentados possam receber; no futuro, quando a geração atual se aposentar, receberão proventos financiados pelas contribuições da geração que veio depois; e assim sucessivamente.

    O princípio da solidariedade é o que inviabiliza a ideia de uma previdência pública da qual os cidadãos possam se dissociar se desejarem. Conforme explica o economista Paulo Tafner, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe), a Previdência não é um administrador de benefícios individuais, mas um sistema de proteção social.

    — A Previdência não é só a história de sucesso da pessoa que trabalha a vida inteira e se aposenta. É também a história de quem fica inválido cedo e não pode mais trabalhar. A sociedade não admite que a pessoa que sofreu um infortúnio seja largada à míngua. Por isso não pode ter adesão voluntária. Ela protege a todos — explica paulo tafner.

    Jane Berwanger entende que a obrigatoriedade da participação na Previdência Social também é uma questão de interesse individual para os trabalhadores.

    — Não é da cultura do brasileiro se preocupar muito com futuro. Por isso mesmo a lei deve obrigá-lo a contribuir, para, futuramente, ter a proteção necessária.

    Viabilidade

    A história da Previdência Social nos últimos 30 anos tem sido permeada por discussões a respeito da sua viabilidade e sustentabilidade nos mesmos moldes em que foi estabelecida pela Constituição.

    O pesquisador Paulo Tafner aponta que o principal sinal amarelo para a Previdência do futuro está inscrito no próprio formato do sistema: a geração atual depende da próxima para receber seus benefícios.

    — As sociedades estão envelhecendo e atingindo o seu tamanho máximo, isso é um fato. Há cada vez menos trabalhadores para financiar os idosos. As populações diminuem ao mesmo tempo em que as pessoas ficam mais velhas. O sistema de repartição, estruturado tal como é, está fadado a falir.

    Outro que corrobora esse entendimento é o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Ocupante do cargo entre 1988 e 1990, ele sugere que o debate deve enveredar por outro caminho: não mais insistir apenas em ajustes do sistema, mas mudar a própria lógica do sistema.

    — À medida que taxa de fertilidade cai e a longevidade sobe, a regra fica crescentemente inviável. Não é possível mais imaginar que cada geração consiga financiar a aposentadoria de seus pais. Torna-se imperioso que se discuta cada vez mais a hipótese de cada indivíduo ser responsável por sua própria aposentadoria.

    Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o contingente de idosos do país deve triplicar dentro dos próximos 40 anos, enquanto a proporção de trabalhadores para cada aposentado deve cair pela metade.

    Devido a essa marcha demográfica, já em curso, a arrecadação de contribuições previdenciárias tem consistentemente ficado abaixo do valor dos benefícios concedidos. Tanto o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que cobre os trabalhadores da iniciativa privada, quanto o Regime Próprio (RPPS), que cobre os servidores públicos, vêm apresentando déficits nos últimos anos.

    Essa contabilidade, que indica que a Previdência Social é deficitária, tem sido bastante questionada. O Senado foi palco, durante o ano de 2017, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que concluiu, entre outros pontos, que o déficit da Previdência é fruto de uma interpretação equivocada das regras do sistema.

    O presidente da CPI foi o senador Paulo Paim (PT-RS), que foi também deputado constituinte. Na Assembleia, atuou nas comissões que lidaram com a elaboração da ordem social. Ele explica que o Congresso Nacional, quando formulou a estrutura da Previdência, previu que haveria um descompasso populacional. Por isso mesmo, afirma ele, a seguridade foi criada como um sistema único, onde está prevista uma repartição das diversas receitas para todas as três áreas.

    — Nós, naquela época, já sabíamos que, com o tempo, só as contribuições de empregado e empregador não iam resolver. Colocamos tantas contribuições para a seguridade porque sabíamos que isso ia acontecer.

    Antônio Augusto de Queiroz, do Diap, corrobora esse ponto de vista. Ele afirma que as reformas da Previdência já feitas (veja abaixo) foram executadas de forma correta, respeitando direitos adquiridos e estabelecendo regras de transição, mas foram baseadas na premissa equivocada de que elas resolveriam o desequilíbrio fiscal do sistema.

    — A diferença entre pagamentos e recebimentos estava prevista desde o início. Nenhuma reforma vai conter o déficit. O que elas devem fazer é segurar as pontas, diminuir o seu crescimento até que haja a inversão da pirâmide [demográfica].

    O que tem prejudicado a Previdência não é a sua formatação ou a conjuntura do país, mas sim a gestão, argumenta Paulo Paim. Ao longo dos trabalhos da CPI, ele mostrou como decisões de política pública, como desonerações e refinanciamentos, têm reduzido a arrecadação da seguridade social.

    Ele também bate na tecla dos grandes devedores: as empresas que acumulam dívidas bilionárias em encargos previdenciários não pagos. Paim defende que, caso os governos fomentassem um cultura de firmeza na cobrança dos valores devidos, o caixa da seguridade (e, por consequência, da Previdência) estaria mais abastecido.

    O ex-ministro Maílson da Nóbrega discorda dessa avaliação. Ele avalia o déficit previdenciário como um problema sério e que não é explicado, na sua essência, por falhas de gestão. A dívida do setor, por exemplo, é um dado estático, enquanto a dissonância entre arrecadação e pagamentos é uma variável que se propaga no tempo.

    — Quem passou pelo governo sabe que é uma parcela muito pequena da dívida que pode ser objeto de cobrança. A lista de devedores tem empresas falidas, que não existem mais. E mesmo que fosse possível cobrar, isso resolveria o déficit para um ano. As pessoas estão confundindo estoque com fluxo.

    Para Maílson, tratar do déficit como uma questão de interpretação ou mesmo uma ficção é um “desserviço” ao país. Uma eventual quebra do sistema previdenciário, conforme explica, levaria o país à insolvência fiscal, o que geraria instabilidade da moeda nacional e uma alta descontrolada da inflação.

    As interpretações divergentes sobre os números da Previdência foram documentadas no ano passado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. O estudo do órgão comparou os dados oficiais da seguridade social, mantidos pelo Ministério do Planejamento, com o cálculo alternativo apresentado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) – que é a principal base para questionamentos das condições fiscais da seguridade.

    A IFI analisou o orçamento de 2015 e identificou uma diferença de R$ 177,7 bilhões entre as duas metodologias, com a contabilidade oficial registrando um déficit de R$ 166,5 bilhões enquanto a alternativa indica superávit de R$ 11,2 bilhões.

    O cálculo da Anfip inclui, nas receitas, os valores retirados pela Desvinculação de Receitas da União (DRU), um mecanismo criado em 1994 e largamente utilizado desde então, que permite que o governo use livremente 20% de todos os tributos federais vinculados a fundos ou despesas específicas. Inclui também repasses constitucionais do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Essa inclusão responde por uma diferença de R$ 79 bilhões na contabilidade da seguridade em 2015.

    Ao mesmo tempo, a metodologia alternativa exclui o Regime Próprio, o dos servidores públicos. Isso implica, uma redução nas despesas de mais de R$ 100 bilhões, fazendo com que, no entendimento do cálculo alternativo, a Previdência Social esteja desembolsando consideravelmente menos.

    Outros elementos também contribuem para a diferença entre os cálculos, em valores menores. A análise completa pode ser lida no relatório da IFI, disponibilizado na seção Saiba Mais desta reportagem.

    A IFI observa, no entanto, que apesar de a metodologia alternativa indicar um atual superávit nas contas da seguridade, ela mesma apresenta uma tendência irreversível de queda, que aponta para um déficit crescente no futuro. Portanto, seja qual for o método de apuração do resultado fiscal da seguridade, será necessário lidar com a perspectiva de mudanças estruturais.

    “A despeito das múltiplas interpretações, tanto do ponto de vista econômico-fiscal quanto legal para o caso previdenciário brasileiro, importa mais a trajetória de longo prazo do que a situação presente. O peso do gasto previdenciário crescerá de maneira acelerada. O fim do processo de dividendo demográfico trará agudas dificuldades não só para a seguridade social, mas para todo o conjunto de despesas públicas do país”, conclui o órgão.

    Reformas

    A preocupação em torno da solidez fiscal da Previdência não é nova. Duas grandes reformas, nas décadas de 1990 e 2000, efetuaram mudanças em regras previdenciárias e em parâmetros de funcionamento do sistema, sempre com o objetivo de fortalecer a arrecadação e tornar mais estrita a concessão de benefícios. Uma terceira está em discussão agora no Congresso Nacional, já tendo chegado ao Plenário da Câmara dos Deputados.

    A primeira reforma, do então presidente Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu o tempo de contribuição como base de cálculo do valor da aposentadoria (substituindo o tempo de trabalho) e impôs um teto para esse valor. Também criou o fator previdenciário, uma equação que modulava o benefício de acordo com a idade da aposentadoria e a expectativa de sobrevida do segurado a partir daquele ponto.

    A grande derrota do governo naquela reforma foi não ter conseguido impor uma idade mínima para a aposentadoria. O motivo do insucesso entrou para o folclore político brasileiro: o deputado Antônio Kandir (PSDB-SP) apertou o botão errado no momento da votação, registrando “abstenção” em vez de “sim”. O engano mostrou-se decisivo, pois a proposta obteve 307 votos favoráveis, exatamente um a menos do que o necessário para a aprovação.

    Previdência Social é o desafio permanente da Constituição

    Na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, a reforma previdenciária se concentrou nos servidores públicos. A medida de maior impacto foi o fim da aposentadoria integral. Também foi criado, como desincentivo à aposentadoria, o abono de permanência – um adicional remuneratório pago a servidores que já tenham alcançado as condições para se aposentar mas decidam não fazê-lo. O governo estabeleceu, ainda, a cobrança de contribuição previdenciária de aposentados e inativos do setor público.

    O fim da CPMF, em 2007, se deu também durante a gestão Lula, porém dissociado da reforma da Previdência, que aconteceu quatro anos antes. Apesar disso, ele pode ser considerado um revés para as tentativas do governo de equalizar as contas da seguridade social, das quais fazia parte, também, a reforma.

    Já nos anos 2010, na presidência de Dilma Rousseff, a Previdência não chegou a passar por nenhuma grande reforma estrutural, mas algumas mudanças foram feitas. A principal foi o fim do fator previdenciário, substituído pela chamada “fórmula 85/95”: os trabalhadores poderiam se aposentar quando completassem uma soma de idade e tempo de contribuição equivalente a 85 anos, para mulheres, ou 95 anos, para homens. É essa fórmula que está em vigor atualmente.

    A aposentadoria complementar dos servidores públicos, prevista desde a reforma dos anos 90, também foi regulamentada com a mais recente leva de alterações no sistema, e passou a funcionar em 2013.

    O senador Paulo Paim é um crítico das reformas previdenciárias realizadas sobre a Constituição. Para ele, um problema que permeou todas elas foi que os governos ignoraram a ampla base de financiamento da seguridade na hora de justificar as suas propostas. Em vez disso, usaram como argumento para os ajustes apenas a contabilidade atuarial da própria Previdência – o que é, para o senador, incorreto.

    - Os governos ao longo dos anos desconheceram essas contribuições. Todas as reformas que aconteceram até hoje foram por descumprimento do texto constitucional. E não adianta aprovarem esta porque vai dar a mesma coisa daqui a dois anos. Eles vão continuar desviando o que se arrecada e não fazem uma reforma na gestão.

    Na atual proposta de reforma, enviada pelo presidente Michel Temer, o principal eixo é a nova tentativa de estabelecer uma idade mínima para todas as aposentadorias – atualmente, é possível optar por se aposentar de acordo com o tempo de contribuição, independentemente da idade, ou pela idade, independentemente do tempo de contribuição.

    A reforma também mexe na forma de cálculo do valor da aposentadoria em função do tempo de contribuição, fazendo o valor partir de um patamar mais baixo e exigindo mais tempo para elevá-lo. Ela também exclui as reservas da Previdência do alcance da DRU. Originalmente a proposta também promovia mudanças na aposentadoria rural e no BPC, mas o governo recuou desses pontos.

    Na visão de Paulo Paim, a exigência de maior tempo de contribuição e a imposição da idade mínima para qualquer aposentadoria são elementos que podem afastar as pessoas da Previdência, levando-as a comprometer cada vez mais renda com planos privados. O senador também teme que as novas regras, combinadas com a reforma trabalhista que retirou limitações para o emprego informal, provoquem um desabastecimento da Previdência e da seguridade social.

    Além das correções nos rumos da gestão, o que o senador propõe em termos de aprimoramento da Previdência é uma calibragem das contribuições, privilegiando as fontes de renda que oneram os setores mais privilegiados e as que diluem mais a taxação no conjunto da sociedade.

    — O próximo passo, numa gestão séria, seria sair da contribuição sobre a folha e partir para o faturamento sobre o lucro com índices decentes, mantendo a cobrança sobre compras e vendas. Com isso respeitado, a sociedade toda ia pagar a Previdência e estaríamos de fato garantindo uma Previdência universal para todos — avalia paulo paim.

    Já o ex-ministro Maílson da Nóbrega defende que reformas periódicas na Previdência são inescapáveis, e diz que o Brasil dificultou a própria situação ao constitucionalizar o sistema.

    — Muitas das dificuldades que existem hoje para aprovar uma reforma necessária derivam das regras da Constituição, pela rigidez que ela causou para as hipóteses de atualização previdenciária. O que em qualquer outro país é feito por lei ordinária, no Brasil requer uma reforma constitucional, que é um processo legislativo muito mais complexo — afirma maílson da nóbrega.

    Essa escolha, segundo ele, contribui para que todas as reformas propostas acabem sendo “tímidas”, uma vez que os governos precisam ceder e negociar muito mais para aprová-las. Com isso, o país “perdeu oportunidades” de realizar mudanças mais profundas na Previdência Social ao longo dos anos.

    Capitalização

    Para os analistas que enxergam um desequilíbrio fiscal na Previdência e alertam para a necessidade de atacá-lo com reformas, as modificações feitas até hoje foram úteis para amenizar o problema, mas não foram longe o suficiente. Paulo Tafner explica que a proposta atual dá um “fôlego” de poucos anos, mas em breve será preciso fazer outra.

    — As reformas geraram boa economia, nos ajudaram a ganhar tempo e postergaram aposentadorias. Mas nenhuma delas obteve sucesso no sentido de dar estabilidade mais duradoura ao sistema. Se tivermos um presidente em 2019 que seja mais do que político de curtíssimo prazo, ele vai fazer uma reforma complementar.

    Tafner defende que os governos deveriam usar esse “respiro” concedido pelas reformas para alavancar uma estrutura completamente nova para a Previdência. Ele faz parte de uma equipe da Fipe que sugere o abandono do atual modelo de repartição de contribuições e benefícios e a sua substituição por um formato novo.

    Esse formato, chamado de modelo de capitalização, pretende mesclar os princípios de universalidade e solidariedade com elementos de vinculação pessoal à contribuição, de modo que os trabalhadores tivessem um grau maior de autonomia sobre a própria poupança previdenciária e fossem mais responsáveis por ela.

    A proposta da Fipe imagina uma Previdência escorada sobre quatro pilares: a Renda Básica do Idoso (RBI), um benefício mínimo garantido a todos após os 65 anos, financiado pelo Tesouro; o Benefício Contributivo por Repartição (BCR), que funcionaria da mesma forma que o atual Regime Geral, porém com um teto mais baixo; o Benefício Contributivo por Capitalização (BCC), uma poupança individual compulsória vinculada ao CPF, com rendimentos de mercado, que o trabalhador poderia mover para outros fundos se desejasse; e o Benefício Contributivo Voluntário por Capitalização (BCVC), uma contribuição inteiramente opcional, também individualizada, que funcionaria como previdência complementar.

    A aposentadoria final de cada cidadão seria a soma desses quatro pilares, acumulados durante a vida. A ideia é que esse modelo atenda a duas necessidades: oferecer um mínimo de proteção social, financiada pela sociedade, aos trabalhadores mais vulneráveis ao mesmo tempo em que enfrenta o descompasso demográfico com a valorização de uma parcela previdenciária custeada e administrada pelo próprio trabalhador, sem precisar depender da geração futura.

    Paulo Tafner aponta outros benefícios do modelo de capitalização. Um deles é que o teto mais baixo do BCR, em comparação com o RGPS, oneraria menos a sociedade e permitiria a paulatina redução das alíquotas que incidem sobre a atividade econômica e o salário para financiá-lo.

    Para compensar a diferença, o BCC viria como complemento. Ele seria criado a partir da fusão do seguro-desemprego com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e representaria o fundo de segurança do trabalhador: ele o abasteceria ao longo do tempo e sacaria dele quando estivesse desempregado. Essa configuração representaria um estímulo à formação de poupança pelo trabalhador e um desincentivo à sua rotatividade no mercado.

    Por fim, com mais autonomia sobre a sua própria aposentadoria, o cidadão seria mais encorajado a confiar e investir no sistema, alimentando a sua sustentabilidade, acredita Tafner. Para o pesquisador, todos esses elementos colaborariam para manter o sistema previdenciário sadio, o que é, em última instância, o que garante os benefícios prometidos pela Constituição.

    — Vamos caminhar para a segregação absoluta do sistema previdenciário. É uma forma salutar de enfrentarmos a questão. A Previdência tem que ser autofinanciável. Aí não teremos que enveredar por um caminho de pegar dinheiro de outro lugar para financiar a Previdência, e poderemos consagrar o sistema contributivo que está na Constituição, com recursos próprios e equilíbrio.

    Tafner ressalta, também, que sem atenção à realidade econômica não há como atender aos compromissos constitucionais firmados pela Assembleia em 1988. A proposta do modelo de capitalização, conforme explica ele, visa criar uma Previdência mais realista e capaz de honrar esses compromissos.

    — Direito social sem base material é letra morta. O país está envelhecendo sem gerar riqueza. Se não tem dinheiro para pagar, não tem direito adquirido — alerta.

    A proposta de reforma previdenciária da Fipe não tem relação com a reforma encaminhada pelo governo federal, não é objeto de nenhum projeto de lei ou emenda constitucional e não é endossada por nenhum partido político.

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