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17 de Junho de 2024
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    Primeiro emprego dos afrodescendentes: evento no TRT-15 preconiza a adesão das empresas à iniciativa de inclusão social

    Por Ademar Lopes Junior

    Desembargadores, juízes, autoridades e empresários assinaram na manhã desta terça-feira, 23/8, num evento histórico promovido em conjunto pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e pela Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras), a Carta de Campinas pela Iniciativa Empresarial voltada à Igualdade Racial, que destaca 10 ações afirmativas para a adoção de um modelo de inclusão social ao primeiro emprego dos afrodescendentes.

    O evento, que integra as comemorações dos 30 anos do TRT-15, reuniu no Plenário Ministro Coqueijo Costa, na sede do Regional, além dos membros da Corte Trabalhista, autoridades e representantes do empresariado da região de Campinas. Compuseram a mesa alta o presidente do Tribunal, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, o diretor da Escola Judicial da Corte, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e presidente da Afrobras, José Vicente, o secretário de Promoção da Igualdade Racial do Município de São Paulo, Maurício Pestana, o vereador Carlos Roberto de Oliveira, da Câmara Municipal de Campinas, e o presidente do Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de Campinas, Tagino Alves dos Santos.

    Uma tribuna pela igualdade

    O desembargador Lorival abriu o evento com um discurso marcado pela preocupação institucional da 15ª em realizar a Justiça no âmbito das relações de trabalho sob sua jurisdição, mas também "contribuir com ações de inclusão social, para mitigar os desequilíbrios sociais". O magistrado lembrou que a Corte tem travado nos últimos anos grandes embates voltados à erradicação do trabalho infantil, do trabalho escravo e do tráfico de pessoas e à promoção da aprendizagem, bem como em prol do trabalho seguro, e ressaltou que é possível avançar "em medidas de sensibilização à inclusão social dos afrodescendentes".

    O presidente do TRT-15 afirmou que "o Brasil tem uma dívida histórica com a raça negra, proveniente de séculos de exploração e opressão, e a liberdade conquistada pelos escravos não lhes proporcionou melhores oportunidades, nem tampouco ascensão social". O desembargador ressaltou que o evento promovido no Tribunal também se alinha com o que preconiza a Organização das Nações Unidas (ONU), que tem fortalecido mundialmente a luta contra o racismo, tendo inclusive declarado o período de 2015 a 2024 como a Década Internacional de Povos Afrodescendentes (Resolução 68/237, de 2013).

    De acordo com Lorival, apesar dos avanços conquistados pela população negra no Brasil, como a instituição do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288 de 2010), que garante "a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica", e da Lei 12.990 de 2014, a Lei de Cotas no Serviço Público, com o objetivo de garantir o acesso dos negros ao mercado de trabalho, e até do Ato Regulamentar do TRT-15 instituindo a reserva para negros de 20% das vagas nos concursos públicos de servidores e magistrados para o Regional, "é preciso rejeitar qualquer prática de discriminação racial, buscando soluções que eliminem barreiras no acesso de afrodescendentes ao mercado de trabalho".

    O presidente do TRT concluiu encorajando a todos a aderir ao "respeito universal, banindo a condenável ideia de superioridade entre os seres humanos", e salientou que, somente assim, "teremos uma plena competência para educar novas gerações sobre o que é de fato humanidade".

    Já o presidente da Afrobras iniciou sua fala convidando a todos a dar "bom dia a Zumbi dos Palmares", em homenagem ao líder negro e sua história de luta. José Vicente destacou a importância do personagem histórico brasileiro que, durante 40 anos, resistiu ao poder da Coroa Portuguesa e manteve livres em seu quilombo, na Capitania de Pernambuco, numa região que atualmente pertence ao Estado de Alagoas, milhares de negros e índios, além de brancos e mouros marginalizados. "Seu modelo de sociedade, inspirado na liberdade pessoal, mas também no desenvolvimento econômico e social, é um legado para todos nós brasileiros."

    Segundo o reitor, "Zumbi serve como exemplo de quem se dedicou a fazer o que deveria ser feito em seu tempo". Em relação aos dias atuais, Vicente destacou diversas ações que comprovam um avanço nas garantias para a população negra, dentre elas o próprio evento promovido no TRT-15, "algo impensável vinte anos atrás". O educador elogiou a iniciativa dos desembargadores do trabalho em apoiar a ideia, ressaltando que "reunir autoridades negras numa mesa alta, discutindo os direitos dessa população, é algo de que os negros de qualquer lugar do mundo devem demonstrar sua gratidão". Vicente comparou o presidente Lorival "ao Zumbi que nos inspira".

    O presidente da Afrobrás afirmou que, apesar dos avanços, especialmente na garantia de vagas para negros no serviço público, ainda falta o mesmo empenho no ambiente corporativo. Segundo ele, as empresas brasileiras precisam começar a integrar, em seus quadros, os jovens negros. Atualmente, segundo o reitor, diferentemente do passado, quando era possível justificar a não contratação de negros por sua falta de capacitação, existe mais de um milhão de jovens afrodescendentes saindo de universidades brasileiras, a rigor com competência compatível à dos jovens brancos. "Sem esse apoio das empresas, estamos fadados ao fracasso", desabafou Vicente.

    Para essa mudança de paradigmas, afirmou o reitor, "é preciso criar um novo valor, e os próprios TRTs podem contribuir, com ações como a do TRT-15".

    "Não queremos favor, mas, sim, a garantia de poder ser chamados para trabalhar depois de uma entrevista", afirmou Vicente, lembrando que, ainda hoje, é praticamente impossível ver, nos cargos de direção das grandes empresas brasileiras, um negro que seja. Diferentemente de empresas americanas, por exemplo, em que os negros aparecem em todos os escalões, acrescentou o educador, as companhias que atuam no Brasil, inclusive as filiais de grupos estrangeiros, ainda insistem em manter os negros à margem. Segundo Vicente, é preciso que as empresas tomem partido para "apagar essa distorção".

    O desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, presidente do TRT-15 no biênio 2012-2014, usou a tribuna para louvar o Tribunal pela iniciativa em discutir um programa de inclusão dos jovens afrodescendentes ao primeiro emprego. Ele afirmou que, atualmente, "a atividade dos juízes fora do processo talvez seja tão significativa quanto a de dentro do processo".

    Cooper também passeou pela história de Zumbi e disse que tudo começou com Aqualtune, avó do líder, uma princesa africana, filha do rei do Congo. Ela liderou uma batalha à frente de 10 mil homens, mas foi capturada e vendida como escrava, para servir como reprodutora no Brasil. Aqui, ainda grávida, liderou uma revolta e fundou um mocambo que leva seu nome. Ao lado de seu filho Ganga Zumba, organizou um Estado Negro. Seu neto Zumbi, filho de Sabina, levou à frente o ideal da avó e fundou e liderou Palmares até o seu fim, numa das mais sangrentas guerras da história do Brasil. O desembargador Cooper destacou os ideais de Palmares, tais como a organização política e econômica, bem como a liberdade religiosa.

    O magistrado encerrou sua fala conclamando todos os empresários a uma reflexão sobre o primeiro emprego e convidou o atual presidente do TRT a falar, na tribuna, sobre sua primeira experiência profissional. Lorival contou que, aos 12 anos, foi trabalhar numa bicicletaria e aprendeu a consertar as bicicletas. Com essa experiência, foi contratado como empregado de uma fábrica, onde chegou a trabalhar como auxiliar administrativo. Orgulhoso de seu primeiro trabalho e principalmente de sua família, o magistrado se emocionou ao falar de seus pais e ressaltou a importância da primeira experiência profissional para qualquer pessoa, no sentido de valorizar a autoestima.

    O diretor da Escola Judicial, em seu discurso, enalteceu a grandeza dos africanos e relembrou momentos de grandes civilizações, contemporâneas e comparáveis às europeias e que legaram à posteridade uma significativa riqueza cultural, como a dos iorubás, na Nigéria, no Benin e no Máli, e o poderoso Império de Axum, na Etiópia. Para o desembargador Giordani, "esses aspectos deixam bem claro a elevada capacidade de organização da alma africana".

    O magistrado ressaltou ainda o espírito empreendedor do homem africano, bem como seu pendor para as artes, o que, segundo Giordani, demonstra sua sensibilidade e engenho. Para o diretor da Escola Judicial, essa marca da alma africana, de ser "humano e social", é algo raro nos nossos dias. "Isso assegura não só aos olhos, mas também ao coração, à alma e à mente, que as empresas que se dispuserem a apoiar esse projeto de inclusão social terão retorno altamente compensador."

    Presidente do Comitê Regional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da 15ª, o desembargador João Batista Martins César falou de sua experiência no Ministério Público do Trabalho e das ações que aquela instituição promoveu em combate às diferenças sociais. João Batista afirmou que nosso país mantém, sim, a discriminação aos negros e que é importante combater essa característica de nossa cultura. Segundo ele, essa discriminação se materializa principalmente nas relações de trabalho, em que menos de 5% dos cargos de alto escalão são preenchidos por negros, e nas diferenças salariais estatisticamente comprovadas entre brancos e negros, as quais aumentam, inclusive, quanto maior é a escolaridade dos dois grupos. Essa disparidade de remuneração pode chegar, segundo o desembargador, a 70%.

    Além dos salários, outro traço da discriminação no Brasil é o acesso à escola. Segundo João Batista, crianças negras têm menos chance de estudar que as brancas, e não raro chegam precocemente ao mercado de trabalho.

    O desembargador lembrou que o objetivo do encontro realizado no TRT não é obrigar, mas convencer os empresários de que "a diversidade é uma forma de ganho numa sociedade globalizada".

    O gerente jurídico da Unilever, Newman Debs, compartilhou na tribuna a experiência da empresa na adoção de medidas mais humanas para diminuir a evasão principalmente de mulheres que precisam se afastar do trabalho para cuidar dos filhos. Segundo ele, a empresa passou a manter um berçário e flexibilizou horários e formas de trabalho para mães e pais. Hoje, afirma Debs, esses berçários, incrivelmente, atendem mais a demandas de pais com filhos pequenos do que das próprias mães.

    A superintendente executiva do Bradesco, Valdirene Soares Secato, falou da parceria de sua empresa com a Universidade Zumbi dos Palmares, ao longo de mais de dez anos, e ressaltou a importância do primeiro emprego. Segundo ela, é política do Bradesco contratar estagiários para formação – ao todo, já foram mais de 340 estudantes/profissionais, em mais de 10 turmas. "Muitos deles tornaram-se funcionários", afirmou Valdirene.

    O diretor jurídico da CPFL, Fabio Fernandes Medeiros, destacou que, apesar de conhecer dois profissionais negros que ocupam cargos de alto escalão, isso é uma exceção no Brasil. Segundo ele, "não dá para ficarmos contando nos dedos as exceções". Fabio lembrou que, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, o atleta Isaquias Queiroz, ganhador de três medalhas na canoagem, é a prova de que uma pessoa que saiu de um programa social pode ser um grande vencedor.

    A presidente da Comissão pela Igualdade Racial da OAB Campinas, Adriana de Morais, disse em seu discurso que o evento promovido pelo TRT-15 é um grande avanço, especialmente pelo fato de Campinas amargar o título de ser a última cidade brasileira a acabar com a escravidão. Adriana pediu aos empresários que deem oportunidade aos jovens negros, promovendo, assim, "uma paridade de condições".

    O secretário de Promoção da Igualdade Racial do Município de São Paulo encerrou os discursos falando do trabalho promovido com empresas na capital, em ações afirmativas de inclusão social. Segundo Maurício Pestana, no primeiro fórum realizado, cerca de 130 empresas e mais de 300 pessoas participaram. Mas, para ele, isso não basta. Pestana afirmou que ainda existe uma cultura de exclusão, perpetuada inclusive pelos próprios negros, que, mesmo em condições de buscar uma colocação em grandes empresas, muitas vezes não se sentem preparados o suficiente para tal. Para diminuir esse quadro, o secretário defende a criação de uma legislação inclusiva que gere "igualdade de condições, permitindo que haja vencedores brancos e negros".

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