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16 de Junho de 2024
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    PRR-3 discute reforma processual em Seminário Internacional promovido pela ESMPU

    Estrutura das instituições e legislações penais brasileira, canadense, norte-americana, mexicana, argentina e chilena foram confrontadas em dois dias de exposições e debates

    A Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3) sediou nos dias 29 e 30 de novembro o Seminário Internacional "Os rumos do Processo Penal nas Américas: modelos de eficiência" e a oficina "O Ministério Público no Brasil face às reformas no Processo Penal". O evento promoveu a discussão sobre as reformas da legislação processual penal brasileira, buscando diálogo com especialistas de países que vêm implementando o sistema acusatório e a oralização dos processos, como o Chile, a Argentina e o México, e de países que já o empregam historicamente, como os Estados Unidos e o Canadá.

    O evento buscou, ainda, a participação dos atores vinculados ao sistema de justiça penal, como o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública, o Ministério da Justiça, a Polícia Judiciária, organizações da sociedade civil e faculdades de direito. Foram dois dias de exposições seguidas de debate e perguntas do público.

    O seminário teve início na manhã de terça (29/11), com uma mesa composta pelo procurador regional da República da 1ª Região e presidente da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, a procuradora-chefe da PRR-3 e organizadora do evento Luíza Cristina Fonseca Frischeisen, o representante do Centro de Estudios de Justicia de las Américas (CEJA) Cristián Riego, o diretor da Faculdade de Direito da USP Antonio Magalhães Gomes Filho e o promotor de Justiça do MP-SP Everton Luiz Zanella.

    Ao abrir o evento, Nicolau Dino lembrou o fato do Brasil estar redefinindo os rumos de seu processo penal. Neste momento, segundo o procurador, não se deseja um modelo processual que acabe por punir somente pessoas oriundas das camadas menos favorecidas que cometam crimes, gerando impunidade. O que se deseja é um modelo de processo penal que permita que o estado promova justiça em nome do bem comum, concluiu. Em seguida, Cristián Riego apresentou o CEJA, que é um braço da OEA criando há dez anos para acompanhar a reforma da justiça nas Américas e vem trabalhando sobretudo nos países de origem espanhola. Ele ressaltou ainda que o seminário abre a oportunidade para o CEJA acompanhar o desenvolvimento da justiça brasileira.

    O promotor de justiça Everton Zanella ressaltou a importância do evento frente as mudanças que vêm sendo feitas no processo penal desde 2008, e sobretudo da mudança que está em curso e que deve culminar na elaboração do novo código de processo penal. Zanella afirmou que o novo código precisa estar preparado para enfrentar as novas formas de criminalidade do mundo atual, como o crime organizado. O diretor da Faculdade de Direito da USP Antonio Magalhães Gomes Filho enalteceu a oportunidade de trazer uma visão da academia sobre as mudanças em curso na legislação penal brasileira, que deve, ao mesmo tempo, efetivar as garantias constitucionais e ser eficiente na punição dos delitos. Por fim, a procuradora-chefe da PRR-3 Luiza Frischeisen destacou que o seminário foi pensado como uma forma de promover um diálogo entre o CEJA e o sistema judiciário brasileiro num momento em que importantes mudanças serão feitas no código de processo penal do país.

    1ª Mesa

    A primeira mesa do evento discutiu o "Estado atual das reformas na América Latina Desafios atuais". Cristián Riego buscou resumir as experiências de modificação dos sistemas de processo penal feitas pelos países de língua espanhola. Riego lembrou que tais mudanças têm relação com o processo de redemocratização desses países e que tiveram uma primeira fase na década de 90, com a substituição da figura do juiz de instrução pela do juiz de garantia. Essa primeira fase não foi muito exitosa porque não houve um desenho preciso de sus funções. Na primeira década do século XXI, são feitas reformas mais minuciosas em outros países, que ampliou a oralidade dos processos, criou meios que permitiram que muitos casos fossem resolvidos logo nas primeiras audiências pelo juiz de garantia, além de promover uma ampla reforma administrativa nas justiças para que o sistema pudesse funcionar. Riego concluiu sua apresentação apresentando alguns desafios que os países que vêm introduzindo modificações nos seus processos penais vem enfrentando, tais como a crítica de parcela da população, da classe política e da mídia, pois com algumas transações penais as penas são consideradas brandas demais. Além disso, um fator que aumenta essa percepção é o fato de não haver um sistema administrativo que controle o cumprimento de medidas alternativas. Apesar desses desafios, os países que fizeram mudanças no sistema processual tiveram, em geral, resultados bastante positivos, tais como maior transparência, celeridade e efetividade dos processos.

    Em seguida, o professor Antônio Magalhães Gomes Filho traçou um panorama do processo penal no Brasil. Ele lembrou que o código de processo penal do país é de 1941 e, portanto, nasceu sob a Constituição autoritária de 1937. Gomes Filho falou de algumas tentativas de modificação do código que não deram certo e apontou que, após a Constituição de 1988 e suas garantias democráticas, o que houve foi uma série de mudanças introduzidas no código que o adequaram ao caráter da atual Constituição e, ao mesmo, introduziram importantes mudanças, entre as quais se destacam a previsão da transação penal e da suspensão condicional do processo. Em seguida, o professor da Faculdade de Direito da USP fez uma pequena explanação sobre diversas mudanças introduzidas no código para, no fim, lembrar de projetos de lei que não foram aprovados, em especial os que previam a mudança na estrutura da investigação e no sistema recursal. Gomes Filho lembrou que as diversas modificações no código de processo penal brasileiro acabaram por transformá-lo numa espécie de colcha de retalhos e que hoje o trabalho da comissão que prepara o anteprojeto de um novo código enfrenta o desafio de chegar a um texto mais harmônico do que o que existe hoje.

    Na sequência foi realizada a oficina Seleção e diversificação da persecução penal. Inovações na organização e gestão do Ministério Público, com palestras do subchefe do Departamento do Ministério Público do Distrito Federal do Estado de Maryland (EUA), Stuart Berman, e de Solange Huerta, membro do Ministério Público Metropolitano de Santiago do Chile. A oficina teve como moderador o representante do Ceja, Cristián Riego.

    Berman expôs o modelo norte-americano de persecução penal, demonstrando vários ângulos da independência que a Promotoria Federal tem para atuar. Ele explicou que a decisão sobre a atribuição da Promotoria Federal (ou seja, se é ela quem vai atuar em determinado caso ou se ele será repassado a uma Promotoria local) é tomada pelos próprios promotores, sem interferência externa. A discricionariedade dos promotores, prosseguiu Berman, vale para o oferecimento da denúncia, ou seja, mesmo havendo provas da autoria e materialidade do crime a ação pode ser descartada pelo promotor, que também tem liberdade para propor acordos aos acusados que admitirem a culpa no crime (plea agreements).

    Noventa e cinco por cento dos processos são resolvidos através dos acordos de admissão de culpa, disse Berman, garantindo, em seguida, que o acordo só é proposto quando a Promotoria tem provas robustas contra o acusado. Reservamos aos juízes e ao júri somente os casos mais importantes, complementou Berman, defendendo os plea agreement como medidas que garantem a eficiência do judiciário norte-americano.

    Sobre a opção de oferecer a denúncia ou desistir de um caso, Berman explicou que são levadas em conta pela Promotoria a dotação orçamentária, a repercussão do caso, as chances nos tribunais e a relação custo benefício que a propositura da ação poderia trazer para a sociedade. Essa decisão pode até passar por uma revisão, mas é realizada por outros membros da Promotoria ou seja, não passa pelo crivo do Judiciário ou de algum órgão governamental.

    Solange Huerta, por sua vez, mostrou as alterações pelas quais o Ministério Público chileno passou desde 2000 promovendo um melhor desempenho da instituição. Dentre as alterações, Huerta destacou a substituição da distribuição equânime dos processos entres os promotores para uma divisão também qualitativa dos casos, a partir da criação de Unidades (equivalente no Brasil a Promotorias especializadas). Antes, explicou a promotora chilena, causas de resolução simples e complexas eram distribuídas aleatoriamente, o que fazia com que as segundas pudessem ser tratadas sem a devida atenção. Tínhamos muitos fiscais (promotores) dedicando seu trabalho nas causas de flagrante, que na prática são os mais simples, disse.

    A compartimentação do trabalho garantiu ao Ministério Público chileno, segundo Huerta, mais eficácia de gestão, sendo criados protocolos de atuação para as diversas unidades criadas, uniformizando essa atuação.

    Huerta também discorreu sobre o controle exercido da atividade policial. Segundo a promotora, hoje toda relação da Promotoria com a Polícia é gravada em vídeo para, se necessário, ser analisada posteriormente para comprovar o que de fato foi pedido ou entregue entre as duas partes. Isso, disse a promotora, fez cair o número de pedidos feitos à Polícia pelos promotores que não eram plenamente atendidos.

    TARDE

    À tarde foi abordado o tema O novo sistema de medidas cautelares no Processo Penal Brasileiro. Estavam presentes a procuradora Mônica Nicida Garcia, como presidente da mesa; Andrey Borges de Mendonça, procurador da República em Ribeirão Preto; Peter J. Messitte, juiz federal da Corte Distrital de Maryland EUA; e o oficial chefe do Serviço de Acompanhamento de Medidas Cautelares no Distrito de Maryland EUA, William F. Henry.

    Andrey Borges de Mendonça apresentou ao público um panorama geral da legislação processual brasileira. Afirmou que o Código de Processo Penal nasceu de um sistema de extremos: anteriormente, não existia um meio termo nas decisões dos juízes, que decretavam prisão total ou liberdade total ao réu. As novas reformas na lei teriam como objetivo buscar coerência com a realidade atual e superar esse sistema bipolar.

    Mostrou algumas medidas cautelares previstas na lei nº 12.403, decretada dia 4 de maio de 2011, que alterou o Código de Processo Penal dando ênfase a pontos que representaram um progresso no sistema penal brasileiro. Como exemplo, Mendonça trouxe a fiança, medida alternativa à prisão. Ela sofreu uma adequação e, hoje, passou a ser permitida em quase todos os casos, com o valor fixado conforme cada processo. O procurador da República em Ribeirão Preto afirmou que temos um sistema totalmente diferente daquele que tínhamos até o dia 5 de julho de 2011. Hoje o juiz possui um leque de medidas cautelares.

    Ele discorreu sobre as características que o Legislativo empregou à nova lei, como a da preferibilidade (é preferível a adoção de medidas cautelares), da cumulatividade (medidas podem ser impostas isolada ou acumulativamente) e da variabilidade (juiz pode modificar a medida de acordo com a necessidade).

    O juiz federal de Maryland Peter Messitte iniciou sua exposição falando das origens das medidas cautelares aplicadas na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos. Ele explicou que a prisão preventiva não era um costume devido aos altos custos e à vulnerabilidade em razão das facilidades de fuga que a manutenção de alguns criminosos na cadeia representavam. A alternativa, amplamente empregada, era o xerife liberar o preso mediante uma garantia. A garantia de pessoa idônea era tão boa quanto a garantia da prisão, afirmou o juiz, lembrando que ficavam reclusos apenas quem cometia crimes inafiançáveis na época o homicídio, a traição ou prisão por ordem do rei ou da corte suprema.

    A fiança estipulada não poderia ser abusiva e se, por alguma razão, o réu não comparecesse ao Tribunal quando isso fosse determinado, quem prestou a garantia passava a realizar a captura, com a prerrogativa do uso da violência quando necessário. Messite discorreu então sobre a 8ª emenda, que versa sobre a restrição da pena excessiva, da Constituição norte americana. Em 1984 o Congresso optou pela prisão preventiva como uma garantia para a instrução do processo e em 1987 isso foi referendado pela Suprema Corte, que entendeu que a prisão preventiva não violava a 8ª emenda decisão que prevalece até hoje

    A liberdade provisória antes do julgamento deve ser uma medida prevalente, sem a necessidade de fiança, defendeu o juiz norte americano, afirmando que o juiz tem de garantir ao sujeito as condições menos restritivas. A fiança deve ser paga em caso de não comparecimento ao julgamento, disse o juiz.

    Ele concluiu sua exposição levantando uma reflexão sobre o instituto do plea agreements. Lembrou do caso do brasileiro acusado pela esposa, no processo de divórcio, que teria abusado de seus próprios filhos. O réu negou peremptoriamente o crime e continua preso preventivamente há 3 anos. A juíza fixou uma fiança de U$ 75 milhões para que obtivesse a liberdade provisória, valor que continuou proibitivo mesmo depois de sua redução, para U$ 2 milhões, pelo Tribunal. Sem mais recursos e diante do risco de ser condenado a uma pena de 27 anos, o réu dá indicações de que vai aceitar confessar o crime. Barganhou 27 anos por 3 anos, esse é nosso sistema, sintetizou o juiz, concluindo que nos Estados Unidos os acordos funcionam razoavelmente bem, embora tenha alguns casos de pessoas que são presas e não deveriam ser e as que deveriam estar presas mas não estão.

    Na sequência, o oficial-chefe do Serviço de Acompanhamento de Medidas Cautelares no Distrito de Maryland, William F. Henry, explicou como funciona o trabalho que seus oficiais realizam. Cabe a eles a elaboração de relatórios que auxiliam os juízes a conceder ou vetar cautelares como a liberdade provisória, prisão domiciliar e outras medidas. Para tanto, realizam entrevistas desde a prisão de qualquer suspeito, seguida de uma investigação para checar as informações colhidas, além de supervisionarem o cumprimento das exigências de quem obteve o benefício e apurar os riscos que esses condenados podem representar para familiares e até para a comunidade.

    Henry explicou que além desse trabalho de fiscalização, o Serviço de Acompanhamento garante tratamento de drogas, acompanhamento psicológico, apoio para conseguir emprego, enfim, tudo o que for preciso para ajudar na ressocialização do preso. O oficial-chefe explicou que a instituição tem grande autonomia e orçamento próprio, o que garante seu bom funcionamento e lhe confere credibilidade. Segundo Henry, o posto de oficial é disputado e prova disso ficaria por conta dos integrantes do escritório de Maryland: apesar de ser necessário ter apenas graduação em direito, a maioria dos oficiais tem ao menos um mestrado no currículo.

    O oficial-chefe trouxe números mostrando os resultados do trabalho de Maryland quando comparados à média nacional dos Estados Unidos e as vantagens financeiras em se adotar medidas cautelares. Enquanto no restante do país a taxa de liberação de presos é de 34%, no distrito de Maryland esse número chega a 63% e mesmo assim os outros indicativos, como o de não comparecimento ao tribunal ou reincidência, permanecem idênticos ao da média nacional 1% e 2%, respectivamente. Enquanto uma prisão domiciliar custa entre US$ 3 a US$ 8 por dia, a prisão provisória custa entre US$ 75 e US$ 150. E a prisão domiciliar muitas vezes ajuda a se manter a estabilidade no lar, exemplificou Henry. Nosso papel é evitar que um réu cometa novos crimes, garantir tranquilidade para a comunidade e impor regras que garantam uma rotina ao réu, prosseguiu o oficial-chefe. Aqui estamos apenas engatinhando. São objetivos que nós também queremos adotar, comentou a procuradora regional da República Mônica Nicida, que presidia a mesa.

    Fechando o primeiro dia de evento, o painel "A reforma dos sistemas recursais do Processo Penal no Brasil e modelos de eficiência", presidido por Marcelo Antonio Moscogliato, procurador regional da República na 3ª Região, focou o sistema recursal no Brasil e em outros dois países. Na mesa, o procurador da República Vladimir Aras, o advogado e professor Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, o juiz canadense Marc Rosenberg e o juiz mexicano Javier Gómez Cervantes.

    Sobre o sistema recursal penal brasileiro, Vladimir Aras foi enfático: "estamos distantes de alcançar o mínimo de celeridade". O procurador da república na Bahia ressaltou que existem brechas na legislação que podem atravancar o andamento de um processo. São inúmeros recursos pleiteados pela defesa dentro de cada instância jurisdicional que, via de regra, atacam formalismos processuais com um único objetivo: protelar ao máximo o trânsito em julgado. "Vivemos um verdadeiro parnasianismo legal, onde mais vale a busca pela forma perfeita que um julgamento justo". Aras concluiu que com esse quadro há uma perda de exemplaridade da condenação e um "descrédito completo com o sistema criminal" por parte da sociedade.

    Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, advogado e professor da Faculdade de Direito da USP, não concorda que a busca pela eficiência nas instâncias recursais seja justificativa para limitar o direito a defesa do réu. "Todo condenado deve ter direito a ter seu julgamento revisto por uma corte superior", defende Badaró. Entretanto, segundo o advogado, os tribunais se limitam a colher votos sem haver na prática um debate colegiado. Uma verdadeira reforma no sistema recursal, defende Gustavo, deveria primar por uma integração das instâncias superiores com a Justiça de 1ª grau, adotando a prática de audiências concentradas norteadas pela oralidade.

    No Canadá, o condenado tem direito a um único recurso, explicou o juiz da Corte de Apelação de Ontário, Marc Rosenberg. Segundo ele, os juízes de 2ª instância tem confiança no julgamento em primeiro grau, pois são neles que todas as provas são demonstradas ao juiz de forma oral. Cabe aos tribunais superiores apenas remediar julgamentos com vícios graves: "se o erro no julgamento não afetou o veredito, não há problema. Não nos preocupamos com formalismos." Rosenberg ainda afirmou que no Direito canadense, uma vez condenado em primeiro grau, a presunção de inocência do réu termina e a sentença é logo executada. O acusado tem direito a um julgamento rápido, porém o mesmo não se aplica a uma decisão em segunda instância.

    Trazendo o exemplo mexicano, o juiz de Impugnação de Guanajuato, Javier Gómez Cervantes, ressaltou que seu país passou por uma reforma no Processo Penal recententemente. Cada estado mexicano possui uma legislação penal, assim como uma estrutura judicial própria de primeira e segunda instâncias. Ficando, desse modo, delegado à esfera federal uma 3ª instância responsável por apreciar recursos, tendo também a competência de "impugnar qualquer decisão ou ato contido no processo". Segundo Cervantes, a idéia central da reforma em seu país foi a busca pela oralidade nos julgamentos, e, com isso, houve a adoção do sistema acusatório.

    2º DIA

    O segundo dia do evento começou com a mesa Oralização da etapa preparatória e a Justiça de Garantias. Presidida por Cristián Riego, a mesa teve início com a palestra do juiz de garantias chileno Eduardo Gallardo. Gallardo apresentou o sistema de justiça criminal de modelo acusatório, contrapondo suas características com o modelo inquisitivo. Segundo o juiz, enquanto no modelo acusatório haveria uma divisão clara entre os agentes responsáveis por promover a ação penal e os que vão julgar, no modelo inquisitivo essas funções por vezes se confundem. Ele explicou que a justiça de garantia tem um importante papel no controle do poder do Estado durante a investigação. Ele apontou que a justiça de garantia e a oralização dos processos criam um mecanismo de resolução de conflito transparente e eficiente. E lembrou que os sistemas penais que não preservam as garantias dos acusados costumam ter muitos recursos e enfrentar o problema da lentidão no trâmite dos processos. E, por fim, afirmou que o trânsito de um sistema processual escrito para um oral não depende somente da mudança de um sistema normativo. A grande dificuldade é a transformação da cultura dos operadores do direito, disse.

    Na sequência, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), José Raul Gavião de Almeida fez sua apresentação. Ele iniciou sua fala lembrando a necessidade de se fazer a distinção entre os diversos sistemas e culturas jurídicas e afirmou que as diferenças entre eles deve ser estimulante para os estudiosos do direito. Gavião de Almeida, por fim, apresentou o sistema de investigação e controle de garantias brasileiro, ressaltando o fato de que o inquérito não é levado em conta pelo juiz durante o processo. Durante sua apresentação, o desembargador defendeu que a decisão sobre o oferecimento ou não de uma denúncia deveria ser uma prerrogativa exclusiva do MP, sem necessidade de submetê-la ao controle do poder judiciário.

    Ainda pela manhã, a procuradora regional da República Paula Bajer Fernandes Martins da Costa presidiu mesa em que o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Hamilton Carvalhido falou sobre as discussões promovidas pela comissão do novo Código de Processo Penal e as inovações que ele trouxe para a persecução penal brasileira. A ideia principal, disse Carvalhido, era fazer algo democrático e que tivesse um valor de sistema, ou seja, coeso. O ministro enumerou as dificuldades enfrentadas pela Comissão, como o prazo reduzido que tiveram para concluir o projeto e a dificuldade em reunir seus integrante e as modificações e intervenções legislativas sobre a redação original.

    O ministro reforçou o entendimento do desembargador que o antecedeu e defendeu a exclusividade do Ministério Público para oferecer denúncia ou arquivar uma investigação. Firmamos o entendimento de que o arquivamento é (atribuição) do MP. Feito no MP, pelo MP e com possibilidade de recurso dentro do MP, discorreu Carvalhido. Ele prosseguiu dizendo que era um projeto da Comissão afastar o juiz de toda função inquisitorial e deixá-la para a Polícia e para o Ministério Público, o que para o ministro foi alcançado com o instituto do arquivamento. Comemorei muito a possibilidade de substituição do juiz pelo Ministério Público, disse. Ele afirmou ainda que a reforma buscou reduzir ao máximo as formalidades existentes na fase de investigação e defendeu cautela em relação à oralidade nos processos. Ela não pode ser inibidora. Pertenço à geração em que os motivos permaneciam na subjetividade, em que o Código de Processo Penal era duríssimo, autoritário, em que a regra era a prisão.

    O desembargador federal Nelton dos Santos sucedeu Carvalhido reclamando da falta de juízes de apelação na Comissão que elaborou a reforma do Código. Como juiz de jurisdição senti uma crise existencial muito grande, disse o desembargador, lembrando que até 1968 o Tribunal de Justiça de São Paulo tinha um peso muito grande na jurisprudência brasileira enquanto hoje a decisão que importa é a dos tribunais superiores. A 2ª instância ficou espremida, disse o desembargador, reclamando em seguida da forma como hoje tramitam as ações criminais contra agentes públicos com prerrogativa de foro. A denúncia recebida por órgão colegiado produz uma série de embaraços, a ação penal não se desenvolve, falou Nelton dos Santos, usando como exemplo a simples admissão da denúncia, que em geral passa por vários pedidos de vista que cada desembargador solicita para analisar o caso. Isso praticamente inviabiliza a pena da perda do cargo, especialmente para mandatos eletivos. O desembargador apresentou ainda diversas observações sobre a reforma do código, como as possibilidades de habeas corpus, de apelação e excesso de garantias aos réus.

    Paula Bajer falou sobre o poder de investigação do MP, afirmando que ele está consolidado e não pode ser revertido. A operacionalização tem sido feita para isso. O poder de investigação do MP tem acontecido e acontece sempre que necessário, asseverou, perguntando, em seguida, a opinião do desembargador sobre a gravação de audiências.

    Além de defender a gravação em vídeo como um fator de agilização e admitir que tal medida pode ter um fator de inibição contra o réu, Nelton dos Santos defendeu o dispositivo por entender que há um ganho na fidelidade da informação que, para ele, fez com que ele passasse a julgar melhor que quando lia os depoimentos.

    OFICINA

    À tarde foi promovida a oficina O Ministério Público no Brasil, face às reformas no Processo Penal. Seleção e diversificação da persecução penal. Inovações na organização e gestão do Ministério Público com a participação da procuradora regional da República Mônica Nicida Garcia, representando o Ministério Público Federal, do procurador de Justiça em São Paulo Fábio Ramazzini Bechara, além do membro do Ministério Público de Montreal (Canadá) Richard Roy e do procurador-geral na Cidade de Buenos Aires (Argentina) Germán Garavano.

    O canadense abriu sua palestra afirmando que, ao contrário do que muitos poderiam esperar, seu país não é um exemplo de eficiência na persecução penal. A exemplo do palestrante norte americano, Roy explicou que o Ministério Público de Montreal tem a discricionariedade para selecionar os casos em que vai oferecer denúncia sem que isso seja submetido a qualquer crivo externo. Essa seleção, explicou, é feita a partir da análise da gravidade do crime, provas obtidas, disponibilidade de recursos e chance de obter a condenação fatores que ele definiu como sendo uma determinação eficiente das acusações. Não é possível judicializar tudo o que a polícia faz. É preciso fazer uma seleção, escolher os casos com maior chance de resultados, justificou.

    O promotor trouxe como exemplo e divisor de águas o caso Hells Angels, megaoperação contra grupo de motoqueiros que resultou em 72 investigações distintas, realizadas ao longo de 20 anos e que resultou em 29 acusações contra 155 pessoas por crimes como conspiração para homicídios, homicídios premeditados e tráfico de drogas. A Justiça, segundo Roy, escolheu os 5 principais acusados e absolveu o restante, explicitando na decisão que caberia à Polícia e ao Ministério Público planejar investigações e acusações conforme a capacidade do sistema de Justiça processar.

    A partir daí a Promotoria de Montreal passou a sistematizar seu trabalho, acompanhando as investigações policiais desde o início e estabelecendo um Plano de Persecução Penal que exige que certas informações, como a especificação do caso, número de investigados, provas existentes, objetivos da investigação e a pena vislumbrada já estejam presentes para que um caso siga adiante.

    Além disso, o promotor disse que o desfecho do caso Hells Angels fez com que o Parlamento adotasse a Lei sobre Processos Penais Justos e Rápidos, elaborado para megaoperações, com a finalidade de agilizar o tramite processual e preservar as provas obtidas. Por essa nova lei, a instrução processual é acompanhada por um juiz, que não é o juiz da causa, e suas decisões são tidas como finais no processo.

    Roy encerrou sua participação mostrando um vídeo sobre a reação do governo canadense diante do caso Hells Angels. Como não havia local capaz de receber os 155 réus para julgamento com segurança, o governo da província de Quebec construiu em seis meses um tribunal com estrutura para isso, com auditório munido de câmeras, vidros blindados, telões e outras medidas para garantir que o julgamento ocorresse com respeito a todas as formalidades exigidas e sem abrir mão da segurança das partes.

    O argentino Germán Garavano apresentou a reforma e modernização do Ministério Público de Buenos Aires. Além de campanhas para mostrar o papel do MP à população, a instituição montou os chamados Escritórios de Serviços Comuns (unidades de orientação e recebimento de denúncias) em locais carentes e críticos de Buenos Aires, como em favelas, além de passar a ficar presente em postos policiais. Essa medida, segundo Garavano, fez com que as denúncias e atendimentos às vítimas crescesse mais de 60%, principalmente envolvendo violência doméstica. O procurador-geral de Buenos Aires explicou que foi feito investimento alto em capacitação dos promotores e corpo técnico, além do estabelecimento de metas e esforço na atuação preventiva, com a resolução dos casos, sempre que possível, realizada sem acionar o Judiciário.

    Sucedeu o procurador-geral de Buenos Aires a procuradora regional da República Mônica Nicida Garcia, representando a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do MPF (2ª CCR). A procuradora explicou que, ao contrário do que acontece no Canadá, o MP não tem a disponibilidade da ação penal no Brasil. Em face desse princípio sempre, diante de um crime, deve haver investigação criminal, disse.

    Ela mostrou, então, como funciona o arquivamento, defendendo que ele fique no âmbito do Ministério Público, como o ministro Carvalhido disse. Mônica Nicida explicou que hoje o Judiciário só é acionado na fase do inquérito quando há necessidade de intervenções, como o de quebra do sigilo bancário ou para o monitoramento telefônico. Antes (da reforma) tudo era submetido ao Judiciário.

    A procuradora detalhou ainda o trabalho da 2ª CCR, que, a exemplo das outras Câmaras de Coordenação e Revisão, fizeram do MPF uma instituição menos centralizada e mais democrática na definição das diretrizes. Ela destacou a independência que marca a instituição e suas Câmaras, dando como exemplo dessa independência o caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia). O Supremo Tribunal Federal (STF) havia decidido, em abril de 2010, que a Lei da Anistia era bilateral e os agentes do Estado não poderiam, por isso, ser processados criminalmente por fatos ocorridos no período da ditadura militar no Brasil. O procurador-geral da República emitiu parecer no mesmo sentido do Supremo mas, questionada por um membro do MPF sobre decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de novembro de 2010 que determinava a responsabilização dos crimes cometidos na ditadura, a 2ª CCR, em decisão colegiada, entendeu que a decisão da CIDH deveria sim ser cumprida sob o argumento de que, ao se submeter a tratados internacionais, o Brasil se obrigou a se submeter às decisoes das Cortes Internacionais. O caso mostra bem a diretriz da 2ª CCR, complementou a procuradora. O direito penal e o processo penal como instrumentos de proteção dos direitos humanos. Não podemos perder de vista que a prática desses crimes ofendem princípios básicos, concluiu.

    A mesa foi encerrada com palestra do procurador de Justiça em São Paulo Fábio Ramazzini Bechara, que criticou o excesso de garantias da lei brasileira e defendeu a compatibilização entre os resultados da ação penal com as garantias fundamentais. É preciso não criar barreiras, mas obter um resultado justo, discorreu. Bechara disse ainda que não vê na Constituição nada que determine que a ação penal no Brasil seja indisponível e defendeu a introdução de instrumentos de mediação para substituir a judicialização de todo e qualquer crime.

    O último painel, "Juízo Oral como metodologia para satisfazer as necessidades do devido processo e da qualidade de informação", foi presidido por Roberto Antonio Dassié Diana, procurador da República em São Paulo. Como membros da mesa, o professor chileno Erick Ríos, o juiz federal Marcelo Cardozo da Silva e o procurador da República Darlan Aírton Dias.

    Representante do CEJA, Erick Ríos demonstrou que a oralidade é um meio eficiente para depurar a informação no processo. "O contra-exame da defesa é o que assegura o controle da qualidade da informação". Segundo Ríos, outra grande virtude do juízo oral é dar ao juiz do caso conhecimento sem intermediários das provas.

    Falando a respeito da própria experiência, compartilhada pelos colegas da 4ª Região, o juiz federal em Criciúma (SC) Marcelo Cardozo da Silva ressaltou que com os processos orais surge uma nova ferramenta para o magistrado, a linguagem corporal torna-se relevante para a análise. "O contato pessoal favorece ao julgador a possibilidade melhor compreensão." O juiz aponta também outra característica positiva da oralidade. Segundo ele, o juízo oral "permite destacar o que é importante no caso concreto", chamando a atenção do juiz para o que é importante, reduzindo o volume de citações e redundâncias das peças processuais.

    Para Cardozo da Silva, a oralidade também devolve ao juiz, procurador e advogado seus verdadeiros papéis. "Hoje vivemos no Brasil um processo de delegação", muito do trabalho é deixado na mão dos assessores. Com a oralidade não há delegação, e por isso juízes, membros do Ministério Público e advogados precisam se preparar com antecedência para a audiência. Cenário esse que cria um paradoxo, pois se por um lado os processos orais demandam mais tempo de estudo e preparação, por outro os juízes brasileiros vivem imersos em um mar de processos em um sistema que cobra volume."Somos cobrados não pela qualidade, e sim pelos números."

    O juiz federal concluiu que o sistema brasileiro do jeito que está não comporta a oralidade como eixo central. Seria necessário criar condições mais efetivas para que partes exerçam seu direito sem lesar um ao outro (advogados e promotores bem preparados) e promover condições objetivas para o juiz julgar com segurança. "Sem segurança efetiva para o julgamento ele não pode seguir".

    Darlan Aírton Dias, procurador da República em Criciúma, disse em sua apresentação que na prática o juízo oral, salvo poucas comarcas, não está sendo utilizado no Brasil. Em sua grande maioria justifica-se o uso do processo escrito em detrimento do oral sob o argumentando de tratar-se de caso complexo. Darlan Dias aponta como principal empecilho à adoção da oralidade a tradição brasileira e uma grande resistência cultural dos operadores do direito.

    Para o procurador, outro ponto a ser combatido é a tendência, mesmo nos processos orais, do uso exaustivo de uma linguagem aristocrática, com termos em latim. "Você percebe no rosto do réu que ele não entendeu nada do que foi dito". O procurador se diz compromissado com a simplificação da linguagem em seu próprio trabalho.

    Darlan Dias finalizou sua fala apontando outra grande mudança que a oralidade traz. Segundo ele, agora "é um réu com rosto". O juízo oral obriga o juízes, promotores e advogados a enfrentarem o réu cara a cara. Com isso, o sentimento de justiça ou injustiça é mais aflorado, exigindo operadores do direito mais fortes e capacitados.

    Assessoria de Comunicação Social

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