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27 de Maio de 2024
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    Qual eficácia para a Justiça do Trabalho?

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    No ano de 2015 a Justiça do Trabalho teria distribuído 8,5 bilhões de reais aos reclamantes e em 2016 o custo dessa instituição aos cofres públicos seria de 17 bilhões. Logo, seria menos custoso para nossa sociedade se a Justiça do Trabalho fosse fechada e todo o seu orçamento fosse distribuído entre os trabalhadores. Segundo esse discurso, proferido pelo Deputado Federal Nelson Marchezan Júnior em Julho de 2016, essa seria a melhor solução a ser adotada para defender os “verdadeiros” interesses dos trabalhadores. Uma questão de “matemática básica”, segundo o deputado.

    Algum tempo depois, em uma palestra, o Ministro Gilmar Mendes do STF fez algumas afirmações jocosas acerca da atuação do TST, que agiria com parcialidade para beneficiar os trabalhadores em detrimento do capital.

    As críticas foram endossadas pelo Ministro Ives Gandra Martins Filho, Presidente do TST, que tratou de dirigi-las a toda a Justiça do Trabalho, não só ao TST, visto que “a balança estaria pendendo demais para o lado do trabalhador”.

    Desde logo é interessante observar que, apesar de estarem no mesmo lado do espectro político e chegarem a conclusões muito próximas, as críticas do Deputado Nelson Marchezan Júnior e aquela dos ministros partem de avaliações totalmente opostas em relação à atuação da Justiça do Trabalho. O primeiro diz que a Justiça custa muito e distribui pouco, por isso tem que ser extinta, enquanto que os outros alegam que a instituição é muito paternalista e protege demais o trabalhador, pelo que precisaria ser inteiramente reformada.

    De todo modo, as afirmações tiveram o mérito para pôr em discussão a avaliação do desempenho da Justiça do Trabalho. O debate em voga atualmente utiliza a eficácia como parâmetro de avaliação, ou seja, indaga se a instituição alcança os objetivos, cumpre os fins para os quais foi criada.

    Ocorre que, para que essa avaliação possa ser feita, é necessário definir quais são os fins institucionais da Justiça do Trabalho, questionamento cuja resposta varia segundo a visão de mundo do avaliador. Portanto, os argumentos utilizados na crítica permitem, em grande medida, identificar qual o locus ideológico de onde fala o avaliador.

    Inicialmente é possível identificar uma linha de críticas impregnadas de uma racionalidade econômica, de inspiração neoliberal, segundo a qual tudo e todos devem ser avaliados por meio de critérios de custo-benefício. Assim, se a Justiça do Trabalho distribuiu apenas 8,5 bilhões de reais, mas custou 17 bilhões, seria mais eficiente que o Estado extinguisse a instituição e simplesmente desse 8 bilhões aos trabalhadores, pois “como seria possível, numa sociedade racional, consumir duas unidades para produzir uma — e achar que está tudo bem?”.

    O argumento do custo econômico para a sociedade já foi utilizado em outros momentos históricos e, não raro, levou a catástrofes. Uma das mais significativas foi o chamado programa T4 ou Eutanásia, pelo qual o regime nazista [1] assassinou cerca de duzentos mil deficientes físicos e mentais entre 1940 e 1945 e que serviu como projeto-piloto do holocausto dos judeus. Além do recorrente apelo à suposta superioridade racial ariana, também eram utilizados argumentos de natureza econômica, visto que os deficientes não seriam produtivos e ainda gerariam grande despesa para a sociedade alemã.

    Uma segunda linha de críticas, que partilha da racionalidade neoliberal, prega a “transformação da ação pública, tornando o Estado uma esfera que também é regida por regras de concorrência e submetida a exigências de eficácia semelhantes àquelas a que se sujeitam as empresas privadas” [2]. Portanto, não se trata de diminuir ao máximo a atuação estatal rumo ao estado mínimo, mas de instrumentalizá-la a serviço do livre desenvolvimento das forças econômicas.

    A partir desse ponto de vista, a Justiça do Trabalho seria um entulho construído em um passado remoto, custosa e economicamente ineficaz, e, como tal, deveria ser totalmente reformulada para garantir a previsibilidade exigida pela economia capitalista.

    No extremo oposto, é possível identificar um tipo de avaliação de inspiração marxista, segundo a qual a Justiça do Trabalho é uma instituição burguesa que tem por função mascarar o conflito entre o capital e o trabalho e desviar os trabalhadores da ação coletiva com a ilusão de que têm direitos no sistema capitalista e que esses direitos podem ser efetivados por meio da ação do estado. Todavia, como é formada por indivíduos que partilham da visão de mundo da burguesia, a Justiça do Trabalho atuaria para restringir os direitos dos trabalhadores, por meio da argumentação jurídica, e seria uma engrenagem fundamental no mecanismo de exploração do trabalho pelo capital. Logo, quando retira do capital para distribuir ao trabalho uma quantia de riqueza considerada pequena, segundo os próprios representantes do capital, já que menor que seu próprio custo institucional, ela demonstraria que é extremante eficaz.

    Entre esses extremos existem duas linhas de avaliação que se pretendem mais equilibradas e recebem maior adesão.

    A primeira corrente defende que o objetivo primordial da Justiça do Trabalho é pacificar os conflitos sociais e para tanto seria suficiente solucionar os processos submetidos a julgamento, em um prazo considerado aceitável. Esse é o critério que predomina quando o Poder Judiciário se debruça sobre a própria performance. Nesse viés, o índice utilizado para aferir o desempenho de determinado ramo da Justiça é a taxa de congestionamento, que considera a quantidade processos solucionados frente ao número de processos novos ajuizados.

    A partir dessa premissa, todas as pesquisas que se debruçaram sobre os números do Poder Judiciário revelam que a Justiça do Trabalho é o ramo que tem o melhor desempenho, visto que soluciona uma grande quantidade de processos, por meio de sentenças e conciliações, com uma tramitação em prazo razoável, de modo que sua atuação seria bastante eficaz.

    Essa avaliação reflete a concepção de que os processos são um fim em si mesmos e ignora os efeitos das decisões na realidade social.

    Por fim, existe uma concepção segundo a qual o objetivo da Justiça do Trabalho é dar efetividade ao direito do trabalho, já que ao solucionar os conflitos que lhe são submetidos deve aplicar esse ramo do direito e sancionar as condutas que não respeitam essas regras. Por essa abordagem, o desempenho da Justiça do Trabalho não é satisfatório, pois o nível de efetividade dos direitos sociais ainda é bastante baixo no país, o que pode ser observado a partir de dois indicativos: a) o aumento significativo e constante do número de processos ajuizados; e b) a reiteração das infrações à legislação trabalhista, cometidas pelos mesmos atores sociais.

    A partir desse panorama, é possível perceber que as críticas feitas pelo Presidente do TST à atuação da Justiça do Trabalho se enquadram na visão de mundo neoliberal, para a qual essa instituição não teria mais lugar na nova ordem econômica mundial.

    O alvo das críticas, em verdade, é o próprio direito do trabalho e o modelo de estado de bem-estar social, que têm sido objeto de reformas mundo afora. Em nosso país, conquanto sequer tenha sido aplicado de fato, a cada crise econômica esse modelo também é alvo de reiteradas tentativas de extinção, o que, de certa forma, foi expressamente defendido pelo Ministro Ives Gandra Martins Filho quando disse que “período de crise econômica exige reforma da legislação trabalhista”.

    O Ministro faz coro àqueles que identificam uma oposição entre direito do trabalho e o direito ao trabalho, como se a regulação estatal fosse um empecilho à criação de empregos. Esse argumento não é novo, sua falsidade já foi devidamente demonstrada, mas é retomado a cada ciclo de crises. [3]

    Tendo em vista as dificuldades conjunturais de levar a cabo a reforma trabalhista pela via legislativa, optou-se por um reforma de dentro para fora, ou seja, por meio da alteração da interpretação do direito posto. Esse papel foi atribuído sobretudo ao Supremo Tribunal Federal, que passou a atuar como “vanguarda governista”, mas as críticas proferidas pelo Ministro Ives Gandra têm o importante papel de legitimar essa nova forma de interpretar o direito do trabalho, que ao cabo pretende levar à sua desconstrução, por serem provenientes do Presidente do TST, aquele que está no topo da estrutura institucional.

    Portanto, o mal-estar que as afirmações do Ministro causam na comunidade jurídica não decorre de uma incapacidade de receber críticas, como já foi sugerido [4], mas da percepção de que o objetivo dessas críticas não é o aperfeiçoamento institucional e sim a própria inviabilização da Justiça do Trabalho enquanto instrumento fundamental para a construção de um estado de bem-estar social.

    Alessandro da Silva é Juiz do Trabalho em Santa Catarina, membro da Associação Juízes para a Democracia, mestre e doutorando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP.

    [1] O exemplo citado objetiva apenas destacar a similitude dos argumentos e não pretende equiparar nazismo e neoliberalismo.

    [2] DARDOT, Pierre, e LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 272.

    [3] Cf. POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2002. DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. 2. ed., São Paulo: LTr, 2015.

    [4] VASCONCELLOS, Marcos. Críticas de ministro à Justiça do Trabalho viram motivo de ataques por associações. Disponível.

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