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30 de Abril de 2024
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    Qual o principal objetivo da perícia da equipe interprofissional nos processos apuratórios de atos infracionais?

    há 12 anos

    Mauro Campello *

    A pergunta bem resume o problema que será tratado no ensaio desta semana. Descobrir a finalidade da intervenção técnica nas ações socioeducativas é uma das principais curiosidades que o pesquisador do novo direito da criança e do adolescente se defronta quando estuda as atribuições da equipe interprofissional que presta assessoramento técnico-científico ao juiz desta área de atuação.

    Também é uma verdade, que esta inquietação não só aflige o mundo acadêmico como os próprios especialistas que integram a equipe interprofissional e, especialmente, o julgador que fará uso do laudo pericial para formação de seu convencimento e construção de uma decisão justa.

    Alcebir Dal Pizzol, com maestria, afirma que utópico seria imaginar que, de um magistrado seja exigido o conhecimento científico de todas as áreas do saber, para decidir sobre os litígios que se lhe apresentam na Justiça. Daí a necessidade, cada vez mais evidente, por parte do magistrado, de ser assessorado por peritos.

    Logo, achar a resposta para o questionamento deste ensaio é encontrar a bússola capaz de apontar o norte a ser seguido pelo assistente social, psicólogo, psiquiatra, pedagogo e pelo antropólogo que compõem a equipe técnica, quando de suas intervenções. É estabelecer o papel desses profissionais na elaboração da perícia que integrará o processo de apuração de atos infracionais. É construir a identidade dos técnicos na área do direito processual penal juvenil.

    Para tanto, torna-se imprescindível estudar e discutir a perícia a serviço do procedimento de apuração de ato infracional, em conformidade com as regras que norteiam o processo e à luz da técnica e da ética profissional.

    No ensaio A natureza jurídica e o valor do laudo da equipe interprofissional, veiculado nesta coluna no dia 25.06.2012, concluí que o laudo emitido pela equipe interprofissional consiste num exame técnico para conhecer melhor o contexto jovem-família-sociedade. A este exame de caráter técnico e especializado convencionou-se denominar de perícia.

    Etmologicamente, o vocábulo perícia origina-se do latim peritia e significa o conhecimento proveniente da experiência; habilidade, talento; espécie de prova consistente no parecer técnico de pessoa habilitada a formulá-lo.

    Para Marcel Hoppe, a perícia consiste no meio pelo qual, no processo, profissionais sob compromisso verificam fatos interessantes à causa, emitindo ao juiz as respectivas conclusões.

    Os profissionais da equipe interprofissional serão as pessoas habilitadas, ou melhor, aquelas possuidoras do conhecimento científico e ético sobre o assunto e que irão realizar a avaliação dos aspectos que considerem relevantes para maior elucidação do estudo técnico, a ser levado ao conhecimento do juiz, por escrito, mediante laudo, ou verbalmente, na audiência. Portanto, para o processo, eles são considerados peritos.

    Leis que regulamentam as profissões dos técnicos que integram a equipe interprofissional bem como seus respectivos Códigos de Ética asseguram que a realização da perícia é matéria privativa a ser tratada por seus profissionais. Não é a toa que os membros de tal equipe também são conhecidos como assistente social forense, psicólogo forense, psiquiatra forense, pedagogo forense e etc.

    Logo após a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, tive a honra de integrar um grupo qualificado de estudiosos do direito da criança e do adolescente, que, com apoio do UNICEF, percorreu todas as capitais do país e inúmeras cidades interioranas debatendo a implantação da citada lei, evidentemente, tendo como uma das pautas o tema deste texto. Este grupo era composto por Amaral e Silva e Antonio Carlos Gomes da Costa, redatores do anteprojeto do ECA, e ainda por Marcel Hoppe, Paulo Frota e Wanderlino Nogueira.

    Após alguns encontros onde se discutiu qual seria o principal objetivo da perícia no processo de apuração de ato infracional, o grupo concluiu como sendo a indicação pela equipe interprofissional da medida socioeducativa mais adequada para o adolescente autor da conduta descrita como crime ou contravenção penal. A partir deste entendimento pode-se construir uma nova rotina que foi adotada pelas equipes interprofissionais que atuavam e ainda atuam na área do direito penal juvenil.

    Antes de abordar tal rotina, cabe inicialmente registrar que a prática do atendimento das equipes interprofissionais tem demonstrado que não será em todo processo que haverá necessidade das perícias psicológica, social e psiquiátrica, pois poderá, conforme a situação investigada, apenas um técnico responsabilizar-se pelo estudo de caso. Por outro lado, detectada a necessidade da intervenção de outro especialista, esta será solicitada para que juntos possam chegar à conclusão sobre o exame técnico.

    A primeira intervenção técnica sugerida nas palestras pelo grupo era a psicológica, que tem como finalidade obter informações sobre o funcionamento psíquico do adolescente e sua inserção no contexto social. Nesta investigação parte-se do conceito que as disfunções de personalidade devem ser consideradas como um significado da ação infracional para o adolescente.

    Neste contexto, Geysa Brasil escreve, após inserir o adolescente num processo dinâmico de mudanças internas, que a importância da intervenção psicológica é de saber ouvir o adolescente, percebendo a sua singularidade e as questões que este não pode expressar e busca refúgio entrando em conflito com a lei.

    Assim, a perícia psicológica deverá considerar os seguintes aspectos: a natureza do delito cometido, se com violência ou ameaça à pessoa; a reincidência; a avaliação que o adolescente faz a respeito de sua infração; recursos intelectuais; relação com as figuras parentais e demais integrantes do núcleo familiar; adaptação escolar; capacidade de estabelecer e manter vínculos afetivos; e necessidade de atendimento especializado.

    A segunda intervenção recomendada pelo grupo era a social, na qual o assistente social deverá realizar uma análise do grupo familiar do adolescente, destacando os aspectos interacionais e as relações deste grupo no contexto sócio-econômico-cultural, no qual está inserido. A importância desta avaliação está no fornecimento de subsídios sobre o grau de contribuição do meio familiar do adolescente para a prática do ato infracional e também no quanto esta família pode ser continente para o jovem.

    O último atendimento indicado era o da perícia psiquiátrica. Nesta o médico psiquiatra revelará a condição mental do adolescente, apontando o grau de percepção da realidade, a indicação do atendimento mais adequado e de eventuais riscos.

    O profissional dessa área em seu exame técnico observará os antecedentes familiares de transtornos psiquiátricos, inclusive alcoolismo e outras drogadições, a adaptação familiar, social, escolar e laborativa do adolescente, as características de conduta e de vínculos afetivos e sociais deste e exame de suas funções psíquicas.

    Realizadas as três perícias, entendo que os técnicos devem ainda se reunir com o pedagogo da equipe para discutirem a solução sócio-educativa mais adequada ao caso. A ideia é buscar uma interação entre os peritos, para que produzam uma prática interdisciplinar, tendo como resultado um trabalho comum.

    Estas orientações possibilitaram o surgimento na década de 90 de um novo olhar dos técnicos das equipes interprofissionais na realização da perícia nos procedimentos penais juvenis. Iniciou-se a elaboração de um atuar distinto do que vinha sendo realizado no antigo procedimento de apuração de infração penal previsto no revogado Código de Menores de 1979. Isto porque a nova lei, o ECA, gerou como objetivo precípuo do exame técnico a indicação de medida socioeducativa ao adolescente em conflito com a lei.

    * Professor de Direito da Criança e do Adolescente da UFRR, UERR e Estácio/Atual da Amazônia; desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima; diretor da Escola Judiciária de Roraima; e ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima no biênio 2005/2007 - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

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