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15 de Junho de 2024
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    Quanto vale um juiz?

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    A febre do heroísmo judicial chegou ao seu ápice nas últimas semanas no país. As notícias sobre a denúncia pelo MPSP contra o ex-presidente Lula, a remessa dos autos à Justiça Federal em Curitiba, a guerra da nomeação/não nomeação, provocaram alvoroço e manifestações de apoio ao magistrado Juiz Sérgio Moro. O povo, dormindo na cama do senso comum (claro), delira ao ver o juiz de quem deveríamos esperar imparcialidade agir como se fosse representante do poder punitivo, e não controlador dele. A luta, dizem, é contra a corrupção e contra “tudo o que aí está”. Porém, os que dizem guerrear contra o que aí está, não enxergam claramente a de forma completa o que aí está.

    Podemos comprovar isso ao mostrar que quase a totalidade da população não sabe que há um teto constitucional que limita o salário dos servidores públicos e que juízes e promotores de justiça, em um desrespeito descarado, tem salários que ultrapassam em muito esse teto. Pronto. E agora? O que dirão os que vociferam contra a corrupção e dizem confiar no judiciário e no Ministério Público? Prova de que não há heróis? As massas deliram em busca de um messias, de um salvador da pátria. Nunca houve momento mais propício para o judiciário aumentar ainda mais suas vantagens e regalias. Afinal, o povo está aplaudindo. Quem irá se posicionar contra esses abusos já que a “salvação da pátria” veio de uma toga?

    São incontáveis as manobras criadas pelos tribunais para justificar o desrespeito ao teto constitucional. São criados auxílios mirabolantes. Auxílio moradia, transporte, funeral, táxi, entre outras pérolas como auxílio livros, auxílio creche e auxílio alimentação. O resultado é que temos um judiciário caro, lento e, cada vez mais, imoral.

    A brasileira Claudia Wallin, autora do livro ‘Um país sem mordomias e excelências’ [1] fez questão de entrevistar um juiz sueco e contar quanto ganham os magistrados brasileiros. O magistrado daquela nação demonstrou surpresa com os privilégios gozados pela magistratura pátria. Os juízes suecos, como declara Thed Adelswärd, não recebem essa enxurrada de auxílios, nem possuem carros oficiais a sua disposição. “Temos salários mensais, e é com nossos salários que pagamos todas as nossas despesas”. [2]. O salário dos juízes na Suécia é de aproximadamente R$ 25 mil. Os juízes de segundo grau, aqui chamados de desembargadores, recém aproximados R$ 26 mil. Suas despesas com alimentação, creche educação e demais são bancadas com seus próprios vencimentos.

    A questão é bem simples: A Constituição Federal estabelece em seu artigo 37 o teto da remuneração dos juízes e promotores, qual seja os vencimentos dos ministros do STF:

    XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito; (Vide Lei nº 8.448, de 1992)

    A Constituição veda os super-salários, más os tribunais e Ministério Público criam os vários auxílios, afirmam ser indenizatório e indispensável, assim o ganho mensal de um juiz ou de um promotor de justiça acaba ultrapassando em muito o teto. Há magistrados que, por obra dos penduricalhos salariais, chegam a receber 100 mil reais por mês em um país que parte considerável da população vive com um salário mínimo de R$ 880,00 considerado como suficiente para atender o mínimo existencial. Com esse valor, fazem milagre para sobreviver e sustentar suas famílias.

    Em uma interpretação sucinta do que dispõe a Carta Magna sobre a remuneração dos servidores temos que o sistema remuneratório aplicado à magistratura, bem como ao MP, é o de subsídios, que constitui uma parcela única sem qualquer outra vantagem. Assim sendo, os salários devem ser únicos e devem respeitar o teto constitucional. Porém, sem nenhum remorso, são instituídos outros valores além da remuneração. Mas a constituição não proíbe o pagamento desses benefícios? Sim. No entanto, os tribunais dão outro nome para eles: são as chamadas verbas indenizatórias, e assim conseguem driblar a lei. A eminente ministra Carmem Lúcia, no RE. 606.358, apontou que:

    “Indenização é deixar indene, sem dano. Se não houve dano, não há que se falar em indenização, por óbvio. Aí é português. E, no entanto, sob o nome de verba indenizatória se paga o que não deve”.

    Algumas coisas precisam ser consideradas.

    O ofício de juiz de direito não é mesmo um mar de rosas. A carga de trabalho, via de regra, é excessiva, a responsabilidade é grande e o número de auxiliares nem sempre é suficiente, todavia, esses fatores estão bem longe de justificar salários tão altos e benefícios tão excessivos. O efeito nos resultados da carreira são devastadores. As faculdades de Direito e os cursos preparatórios para concurso público estão cada vez mais lotados de gente sem nenhuma vocação para a magistratura ou para o ofício ministerial, mas que se tornam capazes de passar em concurso público sob forte orientação dos magos motivacionais dos cursinhos; sonham com as vantagens, as regalias, o salário, ávidos por decorar códigos e doutrinas superficialmente. Os verdadeiros vocacionados, que estudam o Direito de corpo e alma, que sabem e amam tratar o Direito de forma crítica e humana, estes nem sempre passam em concurso, pois não tem a mesma disposição de se tornarem meros memorizadores de regras frias. É apenas um detalhe?

    Não poderia piorar mais? Errado. O projeto que define a nova lei orgânica da magistratura pretende positivar vários desses auxílios e aumentar em muito os privilégios dos juízes. Pretende-se permitir que o próprio STF defina seus vencimentos, que esses salários sejam reajustados periodicamente com o objetivo de “valorização institucional da magistratura” (mais?). Aumentar-se-ia o teto constitucional; criaria-se mais cargos de desembargadores (resultaria no aumento exponencial dos gastos com transporte, assessores, instalações); auxílio para educação de filhos de 0 a 24 anos (acreditem) e auxílio para pós-graduação no exterior. A proposta determina também a diminuição do poder do CNJ nos processos contra juízes suspeitos de cometer irregularidades [3]. Tem mais: proibir que juízes condenados por improbidade administrativa percam suas funções submete os reajustes do salário aos mesmos critérios do salário mínimo, ou seja, inflação mais acréscimo do PIB. Lembra do auxílio moradia? Pois é, esse não só se tornaria regra como também seria estendido aos aposentados. Ah, tem também a gratificação por tempo de serviço de 3 em 3 anos. Enfim, parece que a única coisa que falta é construir um novo Olimpo e exigir o tratamento de Vossa Divindade.

    O procurador federal do Rio Grande do Norte, Carlos André Studart Pereira, se tornou conhecido por se posicionar contra o auxílio moradia. O membro da advocacia pública aduz que auxílio moradia não é verba indenizatória. Em seu texto publicado na revista Consultor Jurídico, Studart diz que: “O Brasil precisa urgentemente de uma reforma geral na política remuneratória dos seus servidores (em sentido amplo)” [4]. Ou seja, não é uma questão apenas do judiciário ser caro, mas do serviço público, no Brasil, ser demasiadamente custoso.

    O efeito nos demais órgãos da justiça é tenebroso. Promotores querem “salários dignos da carreira jurídica”, delegados de polícia querem equiparação com salários do MP, delgados da PF apostam na aprovação de um PEC que pede autonomia para a Polícia Federal e são acusados pelos próprios agentes do órgão de estarem em busca de supersalário [5]. Polícias Militares estabelecem que cargos de Oficial devem exigir título de bacharel em Direito e ser considerada carreira jurídica. Com qual fim? “Salários dignos da carreira jurídica”. Há notícia, inclusive, de defensorias públicas criando benefícios mágicos para remunerar serviços triviais para qualquer advogado [6].

    Não é de hoje. Em 1997, delegados da Polícia Civil de Minas Gerais recorreram ao Supremo Tribunal Federal desejando ter seus vencimentos equiparados com os dos promotores de justiça. O STF decidiu que o salário dos delegados deveria ser equiparado com o dos defensores públicos. O então governador, Eduardo Azeredo (PSDB), decidiu pagar o reajuste às ‘autoridades policiais’. Por causa desse aumento os oficiais (classe superior da Polícia Militar) decidiram reclamar o mesmo reajuste ao governador que não hesitou em dar, porém perguntou antes ao comandante geral da PM se não haveria problema com as praças (classe inferior da hierarquia militar). O coronel respondeu da seguinte forma: “A tropa nós seguramos". Acontece que a tropa, os militares da base, sujeitos a carga horária extensa e condições de trabalho precárias, se revoltaram e iniciaram a primeira e mais importante greve de policiais militares do Brasil que ficou conhecido como movimento de 1997. Muitos foram perseguidos, punidos e expulsos com base na legislação militar. Aquele movimento teve como preço a morte de um servidor. O Cabo Valério, feito mártir, herói da resistência, companheiro do Tiradentes.

    É preciso deixar claro que o valor da magistratura é grande. É nobre e indispensável, é mister para a democracia, para o império das leis e para a manutenção da justiça. O Estado Juiz deve sim ser respeitado, protegido e bem remunerado. O que não deve ser admitido é o exagero escandaloso que está diante de nossos olhos. A magistratura vale muito, mas está cara demais.

    É questão de sustentabilidade. Quantos juízes poderíamos manter com o valor que pagamos a um só? O juiz deve ser bem remunerado para que não haja sedução de se corromper e comprometer a justiça. Ocorre, porém, que da forma que estamos mantendo nosso judiciário não conseguiremos promover a justiça. Não alcançaremos a meta de promover o acesso à justiça. Porque por esse motivo é que há tantas comarcas sem magistrado e faltam servidores. Os tribunais, com seus super-salários e montanhas de benefícios, são economicamente inviáveis.

    Os servidores da justiça estão se levantando contra as regalias dos juízes e promotores e criaram o movimento Não ao Auxílio Moradia. São vozes solitárias ainda, contudo, é preciso trazer outros setores da sociedade para o engajamento contra a criação de uma casta superpoderosa no Brasil. Professores, acostumados a receber salários de miséria, muito aquém da importância da função que exercem e que são moídos pela violência em repressão policial quando reivindicam reajustes; Policiais e bombeiros que por força da legislação penal e da constituição, sequer podem sindicalizarem-se; médicos, garis, servidores municipais, estudantes, movimentos sociais, OAB e toda a população. Afinal, é democracia e todo o poder emana do povo. A magistratura, valorosa e necessária, está cara, ineficiente e insustentável. O serviço público no Brasil é caro, desigual e ineficiente. É hora de a população, engajada na tão dita luta contra a corrupção enxergar as reformas que precisam ser feitas e exigir que sejam feitas. É necessária uma reforma de iniciativa do legislativo, pois não podemos, infelizmente, esperar que os doutos promotores e excelentíssimos juízes abram mão dos benefícios exagerados que possuem, com exceção de alguns nobres e sensatos.

    Finalizo esse artigo, rendendo homenagem aos aguerridos advogados públicos, na pessoa do Dr. André Studart que corajosamente dizem: “Nós, advogados Públicos, não queremos essas imoralidades. Buscamos apenas ter subsídios compatíveis com os demais que exercem funções essenciais à justiça. A sociedade precisa saber disso. ”

    Então, anunciemos e resistamos.

    Actos Roosevelt Maximiano Nascimento é Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – Uni-BH.
    REFERÊNCIAS [1]. Um país sem excelência e mordomias. Da Brasileira Claudia Wallin. Uma comparação entre a estrutura de serviços públicos do Brasil e da Suécia. Editora Geração. [2]. “Isto é imoral”: um juiz sueco analisa os rendimentos de moro e colegas. Por Claudia Wallin. Publicado no portal Diário do Centro do Mundo (27/08/2015). [3]. Projeto do STF pode tornar judiciário maior e mais caro. Folha de São Paulo. 24/05/2015. [4]. Auxílio moradia não é verba indenizatória, Carlos Studart, publicado no Portal Consultor Jurídico. (06/12/2013). [5]. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens, diz que o pedido de autonomia para a PF – bandeira dos delegados da corporação – não passa de um biombo para esconder interesses. Segundo ele, os delegados já gozam de autonomia e buscam, na verdade, supersalários, numa tentativa de equiparar seus vencimentos aos de membros do Ministério Público e da Justiça. Publicado na revista Veja no dia 22/03/2016. [6]. Defensoria Pública arrisca ao flertar com o que há de mais atrasado no meio jurídico. Texto de Brenno Tardelli, publicado no Justificando. 22/06/2016.
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