Quem tem medo do convênio de assistência judiciária?
O pleno acesso dos cidadãos carentes à Justiça é obrigação do Estado e em São Paulo vem sendo garantido há 22 anos pelos 47 mil advogados inscritos no Convênio de Assistência Judiciária, convênio este inicialmente firmado com a Procuradoria Geral do Estado e, agora, no último ano, com a Defensoria Pública de São Paulo. Enquanto a Defensoria está presente em apenas 22 comarcas, a OAB SP disponibiliza 313 postos de atendimentos em todo Estado, nos quais atendeu 1 milhão de pessoas, no ano passado.
Pela lei, quando a Defensoria não dispuser de quadros suficientes - o que acontece em São Paulo essa obrigação é suportada pelo convênio com a Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, como expresso no Art. 109 da Constituição Estadual e no Art. 234 da Lei Complementar 988 /06, que criou a Defensoria Pública.
Importante reiterar que a OAB SP não rompeu o Convênio da assistência judiciária vigente, mas tentou negociar sua renovação, quando do vencimento ocorrido em 11 de julho de 2008. A Ordem apresentou sua proposta, na qual - além da correção monetária (obrigação face à cláusula contratual) propôs também um aumento real, escalonado de até 10%. A Defensoria apresentou sua contraproposta, de não pagar o reajuste da inflação (reiteramos que é obrigatório), de não aumentar a Tabela de Honorários de maneira alguma e, pior, de retirar do Convênio a cláusula de reajuste anual da inflação, o que encerra, no mínimo, uma proposta imoral face à retomada do crescimento da inflação no país. A Defensoria justificou sua contra proposta, alegando não dispor de previsão orçamentária para negociar. Tal afirmativa não é verdadeira, pois a Defensoria obteve, com nosso apoio, reajuste no orçamento de 2007 para 2008 de 20%, o que possibilitaria a negociação. Estranhamente ainda no dia 11 de julho, depois do expediente, após as 18 horas, enviou comunicado à Ordem concordando somente com a reposição inflacionária, , prevista no Convênio e nada mais.(que é obrigação)
Ao que parece, a Defensoria Pública deseja utilizar a renovação do Convênio para pressionar o governo e conseguir ampliar seus quadros e sua estrutura, anseios com os quais concordamos, desde que não sejam realizados às custas da advocacia e da população carente de São Paulo.
Atualmente a Defensoria possui 400 defensores e está propondo fazer um cadastramento direto de advogados para atender à assistência judiciária, o que é ilegal (Art 234 da Lei 988 /06) e inconstitucional (Art. 109 da Constituição Estadual de São Paulo), porque está fora da previsão legal e poderá levar os colegas que nela, iludidos, se cadastrarem a nada receber.
Temos hoje um cenário sombrio: a tabela de honorários praticada pelo Convênio traz em média valores de R$ 500,00 que o advogado recebe ao final do processo, o qual demora 5 anos ou mais. Isso representa R$ 100 reais por ano e menos de R$ 9,00 por mês. Desse valor é que saem as despesas. Quando liga para o cliente, é o advogado quem paga; e também quando faz a petição e utiliza o papel, a tinta da impressora, a energia do computador ou a fotocópia do processo. Assim sendo, pelos valores atuais, a advocacia está quase pagando para trabalhar. Queremos reparar essa defasagem resultante de 22 anos de convênio e começar um processo para readequar a tabela a valores reais. Os advogados conveniados prestam, sim, um atendimento de qualidade à população e mereceu ser reconhecidos.
A Defensoria Pública também acumula um débito em aberto com a OAB SP de mais R$ 10 milhões face às despesas da Ordem. Por lei, deveria haver um reembolso trimestral, o qual não vem ocorrendo. Sem dúvida, o cenário do atendimento ao hipossuficiente no Estado de São Paulo difere das demais unidades da Federação, até mesmo pelo fato de a Defensoria Pública paulista ter sido criada há pouco tempo. Para sintetizar, se a Defensoria Pública de São Paulo, segundo orçamento, gastou em um ano R$ 59 milhões com 400 defensores, cada um deles custou ao cidadão R$ 12 mil/mês. Já o convênio gastou R$ 244 milhões com 47 mil advogados, sendo que cada um deles custou ao cidadão R$ 432,00 mensais. Essa injustiça precisa ser corrigida.
Alimentar o impasse na renovação do Convênio de assistência judiciária não irá solucionar as deficiências da entidade; mas contribuirá certamente para agravar a via sacra do jurisdicionado carente na busca por Justiça. De nossa parte o diálogo permanece aberto e esperamos que a intransigência da Defensoria dê lugar ao bom senso visando o interesse público.
*Luiz Flávio Borges D´Urso, advogado criminal, mestre e doutor pela USP, é presidente da OAB SP.
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