Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    Representação de interesses e globalização: um outro século de corporativismo?

    Publicado por Camila Valeriano
    há 8 anos

    Analisando tudo o que ocorreu nos últimos cem anos, não só com o trabalho, mas com as relações coletivas de trabalho e os direitos humanos nos direciona à ideia de corporativismo.

    Para nos familiarizarmos mais o com o conceito de corporativismo é necessário, antes de tudo, entendermos o que é representação, levando em conta a dicotomia entre representação política e representação de interesses.

    Em seu livro Economia e Sociedade, Max Weber define representação como uma situação associativa objetiva, em que a ação de determinados membros se imputam aos demais, de modo que esses a considerem legítima e vinculatória, do que sucede uma relação de fato. Alem disso Weber ainda diz que a representação manifesta-se por intermédio de dois grandes tipos ideais: a representação livre (ou representação política) que consiste em o representante agir segundo suas próprias convicções no que supõe ser de interesse geral, e a representação de interesses, em que está presente o fenômeno da corporação onde o representante expressa o interesse de toda uma classe. Como ambas são tipos ideais, as duas espécies de representação se manifestam apenas em um plano conceitual portanto é impossível dizer que qualquer experiência real de representação é completamente “livre” ou puramente “de interesse”.

    Após tomarmos ciência do conceito de representação, vamos começar a falar sobre corporativismo. Para começar, o que é corporativismo?

    A partir do séc. XX, mais precisamente no período entre guerras, o termo corporativismo começa a ser empregado tanto para designar uma concepção doutrinaria, quanto para caracterizar uma variedade de experiência jurídica especifica. Seja como concepção doutrinaria ou como experiência jurídica, a noção de corporativismo pode ser empregada com vistas ao sistema genérico de representação política da sociedade, tanto quanto pode ser empregada para designar um determinado subsistema representativo em particular (como, por exemplo, o sistema sindical). Graças a isso existem diversas doutrinas e experiências políticas em função do argumento corporativista.

    Todas essas doutrinas e experiências tem um ponto em comum, a adoção de sistemas de representação em que estejam presentes os predicados da representação de interesses, em relação àqueles da representação política, ou seja, em um plano macropolítico, a representação de interesses são privilegiadas pelas doutrinas e experiências, em relação a representação política.

    Outra pergunta interessante para respondermos sobre corporativismo é: Existe apenas um corporativismo ou devemos falar em “corporativismos”?

    Para seguir a linha de raciocínio que estamos adotando até agora, é obvio dizer que existem “corporativismos”, Mihaïl Manoïlesco, um teórico romeno, explica essa pluralidade apresentando uma tipologia do corporativismo como modelo de organização do sistema macropolitico. Para ele existem o corporativismo puro, caracterizado pela soberania de um poder legislativo constituído pelas corporações, um corporativismo subordinado, em que o legislativo residiria num partido único ou num parlamento corporativo, partilhando o poder com o executivo, e um corporativismo misto, onde o poder soberano seria partilhado por um sistema bicameral, constituído por um parlamento eleito por representação livre e outro por representação de interesses, ou seja, corporativo.

    Também podemos perceber essa pluralidade no Brasil na época da ditadura, com a Constituição corporativista de 1937, que visava criar órgãos de cunho claramente corporativistas como o Conselho Econômico e Social que seria uma espécie de parlamento corporativo.

    Porem não podemos dizer que o corporativismo é exclusivo do período entre guerras, até porque na década de 70 existe um ressurgimento do mesmo. Agora, não é mais um corporativismo estatal, como o da década de 30 e sim um societal que pressupõe o amplo reconhecimento da autonomia coletiva dos grupos sociais organizados, alem de praticar-se em uma atmosfera institucional de reconhecimento das liberdades publicas e em um ambiente de razoável competitividade partidária, e comportar o reconhecimento de alguma simetria entre o sistema de representação de interesses e o sistema de representação livre.

    Agora vamos a terceira e ultima pergunta que devemos fazer para realmente entendermos o que é corporativismo. Qual a importância de estudar o corporativismo, para o direito do trabalho, quando os dois períodos históricos em que teve maior relevância parecem constituir experiências já esgotadas?

    Essa é uma pergunta simples de se responder, basta olhar o que acabamos de escrever para percebermos a adaptabilidade e a plasticidade do fenômeno corporativo, impossibilitando assim dizermos que é impossível um ressurgimento desse mesmo fenômeno em novos moldes.

    Se analisarmos bem a importância que está sendo dada a representação de interesses nas empresas transnacionais e o progressivo enfraquecimento do Estado-nação poderemos então enxergar um caminho para o reaparecimento do corporativismo.

    Possíveis itinerários para os direitos sociais: um ensaio provisório

    Em 1998 a Organização Internacional do Trabalho adotou a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento graças a Conferencia Internacional do Trabalho, com isso cresce o numero de normas supranacionais que tendem a incorporar princípios e regras de textura aberta referentes a direitos sociais.

    Porem essas regras e normas são de dicção genérica de difícil exigibilidade tanto no âmbito dos organismos judiciários quanto no plano das agencias decisórias dos entes supranacionais o que leva a um processo de esgotamento.

    Diversos fatores explicam esse processo de esgotamento, por exemplo, a rigidez da regulação legal, presente na maioria dos países ocidentais e na regulação jurídica convencional norte-americana, a morosidade e a crescente imprevisibilidade da provisão jurisdicional, levando a decisões inusitadas sob a alegação de princípios gerais o que gera incerteza, alem da inadequação do perfil convencional do operador do direito, a inadequação dos mecanismos contratuais e decisórios convencionais, e a expansão de arenas de regulação extraparlamentar.

    União Européia, Mercosul e a Proteção dos Direitos Humanos

    Campos comuns dos direitos humanos e das integrações econômicas regionais da atualidade

    Para qualquer agrupamento humano existir é necessário que seus componentes estejam em relacionamento com outros agrupamentos, qualquer que seja a sua forma, cordialidade, indiferença ou hostilidade, por isso é impossível se falar em uma sociedade isolada do mundo. Porem é igualmente impossível não dizer que os seres humanos se agrupam em grupos homogêneos e se distinguem de outros grupos apenas por uma questão territorial, ou seja, se distinguem apenas pelos Estados aos quais cada individuo pertence.

    Porem nem sempre foi assim. Antigamente outras formas de organização societária existiam, onde predominava um traço de individualidade da sociedade ao invés da questão territorial, o que torna impossível falar sobre relacionamentos internacionais, por exemplo, anteriores ao séc. XVI. A partir desse século, graças ao tratado de Westfalia que consagrou o nascimento dos Estados, começa a ocorrer esses relacionamentos internacionais, com guerras, alianças, e tratados de paz.

    Outro fator importante para a internacionalização das relações foi o cristianismo, que pregava que todos os seres vivos tinham origem em um único criador, Deus, o pai comum da humanidade, e portanto serviria de fundamento a uma concepção de direito natural o que levaria a primeira manifestação histórica do moderno Direito Internacional, que mais tarde, no auge do absolutismo, se apresentaria como normas de um sistema contratual entre Estados com um conteúdo negativo: aos Estados tudo seria permitido, desde que não estivesse proibido no Direito Internacional.

    Por outro lado, no séc. XX o Direito Internacional incorpora novos conteúdos como, por exemplo, o descer de cooperação, como condição para a efetividade das ações do Estado nos relacionamentos com os outros, portanto, se tornou uma característica fundamental desse tipo de direito.

    Outro conteúdo agregado pelo direito Internacional foi as normas internacionais de proteção aos valores transcendentais da pessoa humana, que foram motivadas pela busca de maior positividade, tanto nos ordenamentos jurídicos internos, quanto sua proteção através de mecanismos internacionais, portanto um caminho de aperfeiçoamento do campo regulamentado, e pela condição de dar mais efetividade aos esquemas da integração econômica regional, onde a liberdade do comercio intrazonal, a ser estabelecida entre Estados, exigiria como condição preliminar uma configuração democrática assemelhada entre os parceiros, com o pressuposto de um respeito uniforme, nas legislações domesticas de cada qual, as liberdades publicas das pessoas submetidas aos respectivos ordenamentos internos.

    Portanto, existe um ponto em comum para os fenômenos da regulamentação internacional das integrações econômicas regionais e da emergência das normas de proteção aos direitos humanos, a necessidade de sua eficácia ser expressa por normas que ultrapassam os ordenamentos jurídicos dos Estados, e se tornem internacionais.

    Na atualidade, tanto os fenômenos comerciais quanto os econômicos tem uma expressão global, o que torna, obviamente, sua regulamentação internacional, por exemplo, a globalidade das normas de proteção ao ser humano, que saem de uma esfera nacional e alcançam um âmbito internacional. Podemos relacionar isso ao momento de interligação nas relações financeiras, creditícias e de comercio internacional que o mundo vive, e que só podem ser regulamentadas por organizações intergovernamentais como o FMI ou o Banco Mundial, que possuem jurisdição mundial.

    O panorama normativo internacional da proteção dos direitos humanos

    Observando os estudos de Norberto Bobbio, e de Celso Lafer, podemos perceber que os direitos humanos percorreram um longo caminho rumo à positividade. No decorrer do séc. XVII eles ganham uma expressão em normas de natureza constitucional no campo da ética e da filosofia, o que acaba culminando em uma maior participação popular no Governo. Graças a isso, no séc. XX, os direitos humanos alcançaram um nível de proteção internacional.

    Ainda segundo o professor Bobbio a internacionalização dos direitos humanos se fortaleceu com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Assembléia-Geral da ONU, em 10.12.1948, e com a adoção do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e do Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos, ambos em 16.12.1966. Já com relação às normas instrumentais, de instituição de mecanismos de controle e de aplicação das normas do Direito material, não é possível dizer que obtiveram sucesso em sua internacionalização, pois tais mecanismos dependem da aceitação de cada Estado individualmente, que muitas vezes não aceitam perder certas soberanias nacionais em favor de órgãos internacionais.

    Em um nível regional, porem, a proteção dos direitos humanos apresenta-se de maneira mais aperfeiçoada, embora desigual em cada lugar do globo. Na Europa, temos o modelo mais perfeito, com um tribunal sediado em Estrasburgo e uma jurisdição acessível a todos os cidadãos, na America e na África existem convenções similares, mas obviamente, cada uma com suas singularidades. A grande diferença entre a convenção européia e as convenções americanas e africanas, é a possibilidade de qualquer cidadão europeu poder apresentar reclamações contra qualquer Estado que faça parte dessa Convenção Europeia, independente de sua nacionalidade.

    A Regulamentação do comercio internacional, em nível mundial (GATT/OMC) e a emergência das normas internacionais sobre integração econômica regional: a supranacionalidade e as tipologias de integração econômica regional.

    A regulamentação internacional das relações econômicas entre os Estados se deu em dois níveis, o global e o regional. No nível global existe o que chamamos de tripé clássico: as relações monetárias, as relações financeiras e creditícias e as relações do comercio internacional (nos aspectos da compatibilidade dos ornamento jurídicos internos dos Estados com as normas internacionais, expedidas no âmbito do GATT/OMC). Já com relação ao nível regional, por mais que existam regras regionais que regulamentem os mercados monetários e financeiros, o fenômeno das integrações regionais se sobreleva, pois elas tem a vocação de ao regularem as relações comerciais (mercado de bens materiais e imateriais), nos tipos mais avançados de integração, igualmente disciplinarem aquelas matérias (como no caso das Comunidades Européias, onde a regulamentação abrangente da livre circulação de bens inclui igualmente a circulação de pessoas, estabelecimentos e capitais, as denominadas “quatro liberdades” e que, na forma atual da União Européia, abrange, assim, praticamente todos os demais aspectos da vida econômica regional, como a livre circulação de moeda e de credito)

    A regulamentação dos mercados é um fenômeno generalizado que ocorreu a partir da segunda metade do séc. XIX nas legislações domesticas, para apenas após o final da Primeira Guerra Mundial, com a instituição da Organização Internacional do Trabalho, ter sua expressão normativa, em nível internacional. Porem apenas depois da Segunda Guerra Mundial, graças aos Acordos de Bretton Woods surgiram as grandes organizações de regulamentação das relações econômicas internacionais como o FMI e o BIRD, em nível global, e em nível regional, organizações do tipo “mercado comum” como a Comunidade Econômica Européia. Na mesma época surgiu outra organização regional de integração, a Associação Européia de Livre Comércio que foi uma das precursoras dos grandes movimentos de integrações econômicas regionais.

    Quanto a regulamentação do comércio internacional, foi necessário esperar até 1994, com a instituição da Organização Mundial do Comércio para que o tema viesse a ser discutido. Como a Carta Internacional do Comércio de 1950 falhou, não foi adotado nenhum tipo de estatuto na Organização Internacional do Comércio, no lugar disso os Estados participantes tornaram permanente as reuniões de discussão sobre níveis tarifários mais baixos no comércio internacional constituindo assim uma organização intragovernamental chamada GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, em português, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). A OMC é uma organização dirigida a disciplinar a transparência das relações comerciais entre Estados ou territórios aduaneiros.

    O sistema GATT/OMC praticamente não possui regras de proteção aos direitos humanos. Mesmo depois de muita discussão esse tema não se chegou a uma solução imediata e satisfatória, o meso acontece com as discussões sobre os direitos humanos subjetivos, como o direito à saúde ou a proteção ao meio ambiente.

    Apesar dessa falta de sensibilidade para com os direitos humanos pela OMC, não podemos dizer o mesmo com relação à regulamentação regional, em particular nas integrações econômicas regionais, principalmente a União Européia

    As integrações econômicas regionais são instituições estabelecidas formalmente pelos Estados, criadas devido a tratados internacionais e se distinguem das demais organização intergovernamentais por receberem poderes decisórios, normativos e de controles dos seus respectivos Estados-partes, para assuntos que tem uma implicação direta nos ordenamentos jurídicos nacionais. Essas integrações acabam se tornando pessoas jurídicas de direito internacional com poderes supranacionais para legislarem naqueles campos em que seria de competência domestica dos Poderes Executivos, Legislativos e Judiciários.

    Com isso surge uma nova fonte de normas jurídicas, normas que não são elaboradas pelos Estados-partes como nos tratados ou convenções internacionais, trata-se de um “Direito derivado” ou “Direito supranacional” caracterizado como um ato jurídico internacional unilateral, que é estabelecido conforme os procedimentos instituídos em um “Direito primitivo”, este caracterizado por ser estatuído nos atos multilaterais constitutivos de base, os tratados e convenções da fundação ou de modificações daquelas organizações intergovernamentais de integração econômica regional.

    Retomando as integrações econômicas regionais, podemos dizer que existem graus de supranacionalidade portanto os tipos de integração econômica podem ser das seguintes formas: áreas de livre comercio, por exemplo a Nafta, onde os órgãos instituídos tem poucos poderes supranacionais, em particular no que concerne a possibilidade de o Direito derivado ser aplicado no território dos Estados-parte. Outra forma são as áreas de união aduaneira, por exemplo o Mercosul, onde os poderes supranacionais são mais extensos do que no caso anterior, porem para suas decisões serem aplicadas ao território dos respectivos Estados-parte é necessário um processo de internalização. Mais uma forma são as áreas de mercado comum, por exemplo a Comunidade Européia, onde os órgãos supranacionais tem um campo de atuação nas áreas de livre circulação não só de mercadorias mas também de pessoas, estabelecimentos, capitais etc. A última forma de tipo de integração são as áreas de união econômica, que ainda não existe nenhum exemplo concreto, porem a Comunidade Européia caminha para isso, onde haverá um grau máximo de supranacionalidade, onde provavelmente haverá uma moeda comum, administrada por um Banco Central igualmente comum, e um alargamento da esfera decisória dos órgãos comunitários, que quase se equiparam aos poderes de um Governo central de uma organização do tipo federativo.

    O que é mais importante de se ressaltar é que os modelos de integração não representam aperfeiçoamento uns de outros, eles são tipos que representam alguma racionalidade, quanto a maneiras de organização das relações internacionais, no campo do comercio exterior dos Estados.

    Camila Oliveira Valeriano da Silva

    • Publicações6
    • Seguidores0
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações550
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/representacao-de-interesses-e-globalizacao-um-outro-seculo-de-corporativismo/316041168

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)