Revista Veja: A KGB do Congresso
Revista Veja: A KGB do Congresso
Brasília, 09/10/2011 - A matéria "A KGB do congresso" é de
autoria do repórter Hugo Marques e foi publicada na revista Veja que
circula a partir de hoje:
"O sem-terra Francisco Manoel do Carmo mora em um assentamento
próximo a Unaí, cidade mineira distante 160 quilômetros de Brasília. Há
dez dias, dois homens foram a sua casa entregar um" mandado de
intimação "para que ele comparecesse na data marcada à" Coordenação de
Polícia Judiciária "e prestasse esclarecimentos" acerca da ocorrência
policial nº 305/2011 ". O sem terra tentou. sem sucesso. saber do que se
tratava. Por telefone. o lavador de carros Edmilson Almeida Lopes
recebeu o mesmo" convite ". Para quê?"Você está sendo intimado. Não
falte". advertiu o" policial "do outro lado da linha. O lavador de
carros pensou que era um trote, já que havia acabado de comprar o
celular e apenas alguns amigos tinham o novo número. Com o vigilante
Paulo Batista dos Santos, a deferência foi ainda menor. Ao tentar saber
por que fora intimado. ele ouviu uma resposta seca do policial:"Quando o
senhor comparecer. vai descobrir". Sem saberem do que eram acusados, o
sem-terra. o lavador de carros e o vigilante compareceram na data. no
horário e no lugar determinados."Compromissados na forma da lei quanto à
obrigação de dizer a verdade". os três foram interrogados durante horas
na Câmara dos Deputados. Na Câmara dos Deputados?
Francisco, Edmilson e Paulo descobriram durante o interrogatório que
são alvo de uma investigação da Polícia Legislativa da Câmara - órgão
criado para cuidar da segurança dos parlamentares, do patrimônio e da
prevenção e apuração de crimes cometidos nas dependências do Congresso.
Eles são acusados pelo deputado Roberto Policarpo. do PT. de tentativa
de chanta2em. O fato teria ocorrido em abril. mas, estranhamente. o
parlamentar não procurou nenhuma autoridade na ocasião. Assim como não o
faria pelos próximos cinco meses. A atitude do deputado mudou somente
depois que o sem-terra. o lavrador e o vigilante se transformaram em
testemunhas de um inquérito que tramita na Polícia Federal e que pode
custar-lhe o mandato. Os três trabalharam como cabos eleitorais de
Policarpo na campanha do ano passado. No dia da eleição, o sem-terra
dirigia um ônibus que levava 39 trabalhadores rurais para votar no
petista - o que é proibido por lei. Ele recebeu dinheiro para
" transportar e custear os eleitores ". Surpreendido pela polícia, o
sem-terra negou o crime, afirmando que o ônibus fora alugado por uma
igreja evangélica que levava fiéis que voltavam de um culto depois da
eleição. Salvou. assim, a pelé do político, mas não convenceu as
autoridades, que indiciaram o motorista do ônibus, o sem-terra Francisco
Manoel, por crime eleitoral.
No mês passado, porém, o sem terra, o lavador de carros e o
vigilante, todos filiados ao PT, resolveram revelar a verdade. Em
entrevista a VEJA, contaram que Policarpo pagou 4000 reais para que
providenciassem o ônibus e arregimentassem eleitores em acampamentos
rurais da periferia de Brasília. Para confessarem o ocorrido, não foram
movidos por sentimentos nobres, mas porque, segundo eles. o deputado não
cumpriu o que havia prometido - alguns empregos e. principalmente, a
contratação de um advogado para defendê-los na investigação sobre a
apreensão do ônibus. Antes de fazer a denúncia, o grupo procurou o
parlamentar para cobrar o compromisso e, sem sucesso, contou o que
sabia. Foi isso que o deputado considerou como chantagem transcorridos
longos cinco meses após a data do suposto crime. Ainda que tivesse se
sentido vítima tanto tempo depois. Policarpo em nenhum momento pensou em
ir à Polícia Federal ou ao Ministério Público denunciar a chantagem dos
seus ex-cabos eleitorais. Preferiu, depois de publicada a reportagem,
recorrer à Polícia da Câmara, subordinada ao seu colega petista Março
Maia, presidente da Casa. E a partir desse ponto que começa a parte mais
escandalosa da história.
O sem-terra, o lavador e o vigilante foram interrogados na condição
de suspeitos, segundo a reclamação registrada pelo deputado Policarpo.
Eles foram obrigados a firmar" compromisso de dizer a verdade ", o que é
uma aberração jurídica, pelos" agentes ", que insistiram em perguntar aos
acusados se tiveram participação em uma eventual chantagem ao deputado.
Um dos depoimentos durou quatro horas." Isso é perseguição política ",
acusa Francisco Manoel, o sem terra." O deputado está usando a polícia
da Câmara para tentar nos desqualificar ", diz o lavador de carros
Edmilson Lopes." Me chamaram aqui porque eu pedi ao par ido o
afastamento do deputado ", diz o vigilante Paulo Batista dos Santos. O
presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República,
Alexandre Camanho, ressalta que a Polícia Legislativa não tem
competência legal para intimar, interrogar ou realizar determinados
tipos de apuração, principalmente se eles envolvem casos investigados
pela Polícia Federal e pelo Ministério Público."O papel dessa polícia é
proteger o Parlamento. E grave que ela esteja sendo usada para
intimidar testemunhas de processos judiciais", comentou o procurador, ao
ser informado sobre os detalhes do caso. O fato de um deputado
requisitar os serviços dos agentes responsáveis pela segurança do
Parlamento para atender a um interesse pessoal envolvendo adversários já
é condenável. Mas fica ainda mais grave quando é chancelado pelo
presidente da Câmara." Conversei com Março Maia sobre o caso antes de
fazer a ocorrência ", confirma Policarpo. Março Maia, por meio de sua
assessoria, sam-se com uma resposta evasiva:" O Departamento de Polícia
Legislativa se reporta diretament à Diretoria-Geral da Câmara ". E a
Diretoria-Geral da Câmara é subordinada a quem? Ao presidente Março
Maia. Para a Ordem dos Advogados do Brasil, o que a Polícia Legislativa
está fazendo exorbita qualquer parâmetro legal. Alerta o presidente da
OAB, Ophir Cavalcante:"E lamentável que o parlamentar se valha do cargo
para fazer isso. Os agentes estão saindo dos muros geográficos do
Parlamento para atuar no campo de outras polícias"
A Polícia Legislativa reúne mais de 500 agentes no Senado e na
Câmara, e tem como principal função realizar a segurança dos
parlamentares. Mas não é a primeira vez que ela é usada como uma polícia
pessoal dos parlamentares. O episódio mais grave de que se tem notícia
aconteceu em 2007. Policiais da Casa foram destacados para espionar
desafetos do então presidente, Renan Calheiros, que sofria ameaça de
cassação, depois de reveladas suas relações com um empreiteiro.
Detetives particulares foram contratados para vasculhar a vida de
parlamentares adversários. Na ocasião, a Corregedoria do Senado chegou a
solicitar ao Supremo Tribunal Federal a abertura de um inquérito para
investigar o caso. Não deu em nada, para variar. A política no Brasil
virou caso de polícia. Mas o que fazer quando a polícia é deles?"
Fonte: OAB NACIONAL
Leia aqui a notícia na OAB NACIONAL
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