“Sempre se fez assim”
Por Adroaldo Furtado Fabrício, advogado, jurista e ex-presidente do TJRS.
Ora, direis, quem lê editais forenses? Mas essa é a pergunta errada. A exata é: quem pode ler os editais?
A ideia por trás deles é a de que tudo o que se faz, inclusive no processo judicial, tem sentido e escopo. Para que a ficção legal de ciência de todos seja pelo menos razoável, é imprescindível que todos os possam ler: quanto mais fictício seja o resultado, maior o rigor formal a ser observado, sobretudo quando se pensa nos duríssimos efeitos da revelia.
A observação vem a propósito da ilegibilidade prática dos editos processuais sem o uso de lupa. O onipresente e sempre dominante interesse econômico sobrepuja qualquer outro. As letrinhas cada vez menores mais ocultam do que divulgam a informação.
Outra anotação: custava, após a epígrafe “edital de citação” (ou o que seja), indicar desde logo e com o destaque do cabeçalho o nome do destinatário?
Quando fui juiz, em uma vida passada, tentei introduzir em meus editos essas modificações simples, mas fui vencido (como em outros pontos) pela rotina cartorária. Mal eu dava as costas, voltavam os burocratas às suas confortáveis práticas antigas. (Sempre houve exceções: rendo homenagem aqui aos irmãos Diehl de Araújo, do 1º Cartório Cível, sempre atentos a boas sugestões aperfeiçoadoras).
A proverbial indiferença dos burocratas empedernidos aos fins dos atos de seu ofício, sua férrea resistência a toda inovação (preguiça, no fundo, porque modificar é sempre mais trabalhoso do que repetir) impediam e impedem a introdução de alterações, mesmo as simplíssimas, mas talvez de grande efeito nas praxes forenses.
Procure o leitor um processo bem antigo (eu tenho um de 1874) e lá vai encontrar termos, linguajar e formato geral exatamente iguais aos de hoje. A diferença é apenas do manuscrito para o mecanografado. (Lembro Eduardo Couture: a maior inovação no sistema processual foi a introdução da máquina de escrever).
O legislador do processo (também ele, admitamos, neófobo e rotineiro) por vezes tenta sair do ramerrão e criar algo novo. Mas, quando tal é o caso, a lei esbarra nas praxes estratificadas, frustrando-a em seus escassos ensaios de renovação. Será, pois, necessário escrever em texto normativo (e torcer por seu cumprimento) que a epígrafe da publicação conterá o nome de pelo menos um dos destinatários (acrescido, sendo o caso, do clássico “e outros”).
Essas modestíssimas alterações no modelo tradicional por certo haveriam de melhorar a qualidade dos atos processuais de comunicação. Mas, se for demasia mesmo essa modesta inovação, que pelo menos se oriente o cartório a conferir a tipologia empregada para assegurar, no mínimo, um arremedo aceitável de publicidade. E de atenção, no mínimo, ao princípio da utilidade dos atos processuais.
O caso dos editais é apenas um exemplo. Algumas pequenas modificações de comportamento funcional, de custo zero e fácil execução, podem ser mais importantes para a efetividade e celeridade do processo do que grandes e custosas reformas estruturais ou legislativas. Nessa senda, só há uma batalha difícil: vencer o imobilismo comodista e a cultura do “sempre se fez assim”.
Não é necessário nenhum esforço hercúleo. Casos há em que nada mais é preciso do que parar e pensar, com um lembrete igualmente simples: tudo o que se faz, inclusive no processo, tem um motivo e uma finalidade.
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