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17 de Junho de 2024
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    Sequestro internacional de menores é tema de seminário realizado em Porto Alegre

    há 10 anos

    Nos dias 3 e 4 de novembro, o Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) promoveu o seminário "Aspectos civis do sequestro internacional de crianças – Convenção da Haia de 1980", para magistrados federais, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS).

    O evento foi realizado em parceria com a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República; com apoio da Escola da Magistratura do TRF4 (Emagis), do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

    A conferência de abertura do evento foi proferida por Ignácio Goicoechea, que atua como oficial de ligação da Conferência de Haia para a América Latina – profissional dedicado a facilitar a implementação e o funcionamento dos convênios da Convenção de Haia no continente. Ele falou da necessidade de acelerar processos que envolvam sequestro de menores.

    “A média mundial de tempo gasto em processos de subtração de menor é de 30 semanas, quando a convenção preconiza no máximo 6 semanas, com foco na proteção da criança retirada de seu meio”, afirmou. Segundo Goicoechea, sentenças demoradas acabam por ter um efeito inverso, visto que a criança acostuma-se ao novo país e ao novo ambiente, tendo que novamente se adaptar ao país de residência habitual.

    Alienação parental

    O diretor-geral da Escola da Magistratura do TRF2, desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, chamou a atenção para um aspecto nefasto da subtração de crianças, que é a Síndrome de Alienação Parental (SAP). “Quanto maior o tempo em que a criança fica longe de um dos genitores, mais tende a romper laços de afeto”.

    Gama chamou a atenção para a necessidade de que os juízes federais que decidem sobre subtração de menor tenham mais contato com Direito de Família e aprendam a trabalhar com equipes interdisciplinares. “Ao juiz cabe buscar uma solução célere, com ênfase na proteção do direito da criança à estabilidade emocional e social”, observou.

    O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ponderou que embora a convenção preconize que a decisão não passe de seis semanas, o STJ preocupa-se em salvaguardar o ordenamento jurídico brasileiro. “A questão por vezes se torna muito complexa e não pode ater-se à ação discricionária de um único juiz”, explicou.

    Como exemplo de um caso com muitos desdobramentos, Cuevas citou a luta pela guarda de Sean Goldman, que foi trazido ao Brasil pela mãe e teve a guarda disputada entre seu padrasto e o pai americano após o falecimento desta. O ministro salientou que, na ocasião, houve diferentes opiniões entre os componentes da corte, que discordavam sobre a melhor solução para o caso.

    Aplicação da Convenção da Haia

    O segundo painel do seminário abordou aspectos práticos de aplicação da Convenção da Haia. George Lima, coordenador da Autoridade Central Brasileira, falou sobre o papel do órgão, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos do Poder Executivo, que tem como competência a gestão da cooperação jurídica no Brasil. “Recebemos e enviamos os pedidos de cooperação internacional, na área da subtração internacional de crianças”, explicou.

    “É um instituto inovador, trabalhamos com a proteção da criança no âmbito do direito internacional privado”. Lima lembrou que outro importante papel da Autoridade Central é realizar um acompanhamento pós-retorno da criança, “para ver se estamos agindo certo”. Atualmente, contou, são 71 casos em tramitação no órgão. “Estamos recebendo cinco processos novos de subtração internacional de crianças por semana”. Em 2013, eram 1,6 casos ao ano.

    Ao abordar as questões processuais da Convenção da Haia, o juiz federal Theophilo Miguel, da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, afirmou que a convenção “é uma convenção processual, ligada ao Direito Internacional”. Ele ressaltou que se deve levar em conta qual é o melhor interesse da criança: “ter contato com ambos os genitores e ter sua situação disciplinada pelo seu juiz natural”.

    O magistrado abordou os tipos processuais que podem ser apresentados em casos envolvendo a subtração internacional de crianças, exemplificando com situações em que a escolha equivocada do tipo trouxe, entre outros problemas, demora na resolução do processo.

    Em sua explanação, Theophilo Miguel destacou vários artigos previstos na Convenção, como as hipóteses em que é permitido o retorno da criança, o conceito de guarda, como a União Federal pode atuar nas ações e a aplicação de sentenças estrangeiras em território nacional.

    Segundo o magistrado, a competência do juiz federal nesses casos é muito restrita. “O juiz federal não pode se manifestar a respeito de guarda: ou ele manda voltar ou ele não manda voltar, e aí o problema vai se resolver perante a Justiça estadual”.

    Aspectos civis

    No último dia do evento, a advogada da União Nereida Del Águila falou sobre o papel da União como autora nas ações de restituição da criança. Ela explicou que os pedidos de cooperação chegam à Autoridade Central Brasileira, que faz uma primeira análise sobre os requisitos que permitem a aplicação da Convenção da Haia no país. Depois, a Autoridade encaminha o caso para a Advocacia-Geral da União (AGU), que fará uma segunda análise, bem detalhada.

    Conforme Nereida, no Departamento Internacional da AGU, responsável pela avaliação, são analisados critérios como a idade, local de residência habitual, o direito convencional de guarda – se o genitor tinha direito e se o exercia efetivamente – e o consentimento ou aquiescência prévios. “Se o genitor deu um consentimento de viagem, isso impede qualquer posterior pedido de retorno”, salientou.

    A advogada lembrou ainda que os pedidos de cooperação internacional devem ser a única forma de tentativa de retorno: “o genitor não pode vir ao Brasil e entrar com ação de guarda na Justiça Estadual e também um pedido de cooperação a ser viabilizado pela AGU”. Em última análise, afirmou, o genitor que está demandando a guarda na Justiça Estadual reconheceu a jurisdição brasileira, o que cria uma certa incompatibilidade com qualquer pedido de cooperação internacional.

    O papel da Defensoria Pública da União (DPU) no cumprimento da Convenção da Haia foi o assunto abordado pela defensora pública federal Daniela Jacques Brauner. Ela salientou que o objetivo da convenção é a proteção da criança. “Muitas vezes, numa disputa entre os pais se perde o objetivo central da controvérsia, que é a proteção da criança”, frisou.

    A DPU, explicou Daniela, está cada vez mais ligada às questões de direito internacional. “Hoje, os casos de direito internacional não estão apenas afetos as pessoas providas de recursos. Pelo contrário, as mais carentes são aquelas que mais se aventuram internacionalmente”, disse. Ela também destacou que a DPU busca a resolução dos conflitos por meio da conciliação. “O retorno da criança põe fim a uma situação de retenção ou de transferência ilícita, mas o conflito na família persiste”, concluiu.

    Comunicações judiciais diretas entre países

    A desembargadora federal Mônica Sifuentes, do TRF da 1ª Região, com sede em Brasília, destacou em sua palestra que a grande “chave” da Convenção da Haia é examinar a convenção sob a perspectiva da criança. Ela exemplificou a importância dos menores exibindo um trailer do filme “Pelos Olhos de Maisie”, baseado em novela de Henry James, e que aborda a situação de uma menina que é cuidada pelo padrasto e pela babá.

    A magistrada, que é, junto com o desembargador federal Jorge Antonio Maurique, do TRF4, juíza de enlace para a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, explicou o funcionamento da estrutura e como se dão as comunicações judiciais diretas entre os países. “O juiz Mathew Thorpe idealizou uma rede de magistrados, que já é comum na Inglaterra, pra que houvesse um intercâmbio de ideias de modo a facilitar e melhorar a aplicação da Convenção da Haia”, contou.

    De acordo com a desembargadora, em 1998, em seminário realizado em Ruwenberg, se recomendou que as autoridades dos países membros da conferência designassem membros do Judiciário para funcionar como um canal de comunicação. A rede conta hoje com 82 juízes em 60 Estados.

    Mônica também destacou como são feitas as comunicações judiciais diretas, que tem o objetivo de favorecer o retorno imediato da criança: “nos casos concretos, o juiz de enlace faz a ponte entre o juiz no exterior e o juiz nacional que está cuidando do caso”. As comunicações iniciais, salientou, são realizadas entre dois juízes da rede da Haia, de modo a garantir a identidade dos juízes, afirmou.

    Outro aspecto destacado pela magistrada, que é a coordenadora científica do seminário, é que as comunicações são limitadas a troca de informações e questões ligadas à logística, “sem entrar no mérito da ação”.

    Experiência do Uruguai

    A ministra Maria Lilián Bendahan Silveira, da 1ª Seção do Tribunal de Apelações de Família de Montevidéu, Uruguai, contou como o país passou a julgar os casos relativos ao sequestro internacional de crianças. A magistrada lembrou que o Uruguai aprovou em 2012 a Lei 18.895, “que, em síntese, prevê um procedimento sumário de conhecimento, bilateral, com a participação de todos os atores envolvidos”.

    Segundo a magistrada, o processo começa com uma solicitação de restituição internacional. Ela ressaltou que, antes dessa solicitação, deve haver uma sentença judicial. Para o Uruguai, a restituição é um princípio. “A noção do interesse superior da criança que assumimos com princípio nos leva à pronta restituição porque o interesse superior da criança deve entender-se como a soma e a satisfação plena de todos seus direitos”, afirmou.

    Caso Goldman

    O seminário foi encerrado com discussões sobre o caso Goldman. O desembargador federal Jorge Antonio Maurique, do TRF4, refez toda a história do caso envolvendo o menino Sean Goldman, nascido nos Estados Unidos e que veio para o Brasil com a mãe, brasileira, com o consentimento do pai, norte-americano, inicialmente para uma visita. Entretanto, ela desistiu de retornar para seu país de residência e decidiu se separar do marido. Iniciou-se então um "drama em vários atos", como definiu o magistrado.

    Após disputa judicial, o Superior Tribunal de Justiça decidiu por manter o menino com a mãe, no Brasil. No entanto, após a morte da mãe, Bruna Bianchi, em 2008, Maurique lembrou que uma nova enxurrada de ações sobre o caso recomeçou: o pai ajuizou ação de busca e apreensão, a avó ajuizou habeas corpus para que o neto permanecesse no Brasil.

    “Até o presidente Barack Obama vem conversar com o presidente Lula sobre a retenção de um norte-americano no Brasil”, lembrou o magistrado, que também atua como juiz de enlace para a Conferência da Haia. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal decide pelo retorno do menino aos EUA, para viver com o pai, que, posteriormente, não permite que os avós maternos visitem a criança, o que leva a Corte Americana a reconhecer o direito de visita dos avós.

    Para Maurique, o caso mostra “como não se deve fazer”. O Judiciário, explicou o desembargador, veio errando desde 2004, prejudicando o pai, a mãe e a criança. Conforme o magistrado, processos como o caso Goldman envolvem diferentes culturas, línguas e formas, “por isso o princípio do juiz natural, previsto na Convenção da Haia, deve ser respeitado”.

    O sub-procurador geral da República Aurélio Rios lembrou que, em um determinado momento da disputa, em um conflito de competência em tramitação no STJ, foi realizada uma tentativa de conciliação. “Reunimos David Goldman, o pai afetivo e representantes de vários órgãos”, contou. A tentativa de acordo não teve sucesso e a partir de então, “o que se seguiu foi uma guerra”, explicou. Para Rios, o caso revela uma intervenção brutal dos agentes envolvidos, “que colocou o menino numa verdadeira mesa de pingue-pongue”.

    Formas de agilizar os processos

    Encerrando o seminário, a desembragadora federal do TRF3 Marli Ferreira Marques e a advogada Nádia de Araújo abordaram as formas de agilizar o cumprimento da Convenção de Haia, no que se refere à subtração internacional de menor. “É essencial garantir que a criança volte ao seu domicílio habitual o mais rápido possível e, para isso, precisamos garantir a razoável duração do processo”, afirmou Marli.

    Segundo a desembargadora, são alguns instrumentos para isso: a ação cautelar de busca e apreensão de menor, que só deve ser evitada quando pela passagem do tempo a criança já estiver adaptada ao novo ambiente; a conciliação ou mediação, que é a tentativa de acordo entre as partes; e a criação de varas especializadas no assunto, possibilitando que essas ações sejam dirigidas sempre ao mesmo grupo de juízes, já conhecedor da convenção.

    “Decidir rapidamente não é decidir sem critérios, mas garantir que todos se manifestem de forma ágil, buscando cumprir o prazo estabelecido pela Convenção de Haia, que é de seis semanas”, concluiu a desembargadora. Ela lembrou que não cabe ao juiz federal, que decide a situação imediata sobre o domicílio da criança, tratar das questões de guarda e de visitação, que deverão ser analisadas e decididas pelo Judiciário do país de residência habitual do menor.

    Respeito aos acordos

    Nádia de Araújo, que é especialista em Direito Internacional e advogada de família, ressaltou que todos os sistemas jurídicos na área de família preveem acordos como a melhor solução. “Quanto maior o litígio, pior para a criança”. Para Nádia é necessário que exista uma acordo que faça o outro genitor, que receberá o filho de volta, cumprir com o que foi regrado, respeitando a visitação e o direito do outro genitor.

    A especialista propôs a instituição de acordos privados com regulamentação internacional, tornando possível que o casal faça o acordo e homologue em cartório ou no Judiciário, e esse contrato seja respeitado pelo juiz natural, do domicílio do menor.

    Fonte: TRF4

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