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17 de Junho de 2024
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    Simpósio em São José dos Campos discute trabalho escravo moderno e desigualdade racial

    Fotos e texto: Ana Cláudia de Siqueira

    O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por intermédio do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação e da Escola Judicial da Corte, promoveu na última sexta-feira, dia 5 de maio, na Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), em São José dos Campos, o Simpósio: Escravos Modernos e Desigualdade Racial. Voltado para advogados, estudantes, juízes, promotores, procuradores, defensores públicos, servidores públicos e demais membros da sociedade, o simpósio reuniu cerca de 100 pessoas.

    Ao promover a abertura dos trabalhos, o presidente do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação do TRT, desembargador Eduardo Benedito Oliveira Zanella, reforçou o objetivo do evento. "Pretendemos promover uma reflexão sobre questões sumamente importantes em três painéis. Vocês irão observar que, erroneamente do que se pensa, o trabalho escravo não existe só na zona rural". Dando boas-vindas aos participantes, o professor decano da Faculdade de Direito da Univap, Clélio Marcondes Filho, representando a reitoria, colocou a universidade à disposição do Tribunal e destacou que o simpósio é uma grande oportunidade para a disseminação de conhecimento, especialmente dos estudantes, trazendo a discussão de temas não debatidos no universo acadêmico.

    Em seu discurso, o presidente do TRT, desembargador Fernando da Silva Borges, enalteceu a atuação dos comitês da 15ª Região, sobretudo, o comprometimento dos magistrados, que se dedicam às ações em paralelo ao trabalho nas varas e gabinetes, para abordar, com profundidade, temas tão relevantes. "O trabalho escravo nos envergonha. A lei que buscou erradicar o trabalho escravo no Brasil é do século XIX e mais de 100 anos depois estamos discutindo esse tema. A tecnologia avançou de forma assustadora, mas em termos humanos, regredimos ou, no mínimo, estacionamos. É a monetização da vida, em que o ser humano explora o seu semelhante. Preocupa-nos essa regressão que estamos assistindo".

    Compuseram ainda a mesa de abertura, a vice-corregedora regional do TRT da 15ª Região e membro do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação, desembargadora Susana Graciela Santiso; a juíza diretora do Fórum Trabalhista de São José dos Campos, Antônia Sant'Ana (titular da 3ª VT); o representante da Escola Judicial na região, juiz Marcelo Garcia Nunes (titular da 4ª VT); o presidente da Afrobras e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, professor José Vicente; e o presidente da Subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rodrigo de Moraes Canelas.

    Após a exibição do vídeo intitulado "DNA Journey", que instigou reflexões sobre diversidade racial, o gerente executivo jurídico trabalhista da Embraer, Newton dos Anjos, relatou algumas de suas experiências no mercado de trabalho e demonstrou, com dados, a condição desigual do negro na sociedade, mesmo representando 54% da população brasileira (IBGE). Para Anjos, o país, reconhecido pela sua diversidade, está longe de superar o racismo social.

    Responsável pela coordenação do primeiro painel sobre "Igualdade racial – oportunidade do negro no mercado de trabalho", o desembargador Fernando Borges evidenciou o engajamento dos palestrantes na luta pelos direitos humanos - o reitor da Zumbi dos Palmares, José Vicente, e o desembargador Lorival Ferreira dos Santos, (presidente do TRT-15 no biênio 2014/2016), citando a parceria firmada entre as duas instituições para o incentivo à contratação de afrodescendentes pelas empresas.

    José Vicente discorreu sobre o conceito de liberdade, um direito garantido constitucionalmente, e enfatizou que a escravidão, vivenciada por mais de 350 anos no país, está cristalizada no DNA do brasileiro. "A letra fria da lei não muda a realidade. São necessárias ações afirmativas", sublinhou. Nesse sentido, o professor destacou dois movimentos importantes realizados pelo TRT, o primeiro tribunal trabalhista do país a adotar cota para negros em seus concursos públicos, e o apoio dado à Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, que elenca 10 ações afirmativas para a adoção de um modelo de inclusão social dos afrodescendentes.

    Citando as constituições norte-americana e francesa, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o desembargador Lorival pontuou alguns fatos da história da humanidade e a ação de grandes líderes como Zumbi, Luís Gama, Mandela e Martin Luther King Jr. para evidenciar a luta pelos direitos fundamentais, reforçando a necessidade constante de se criar mecanismos para que esses direitos sejam materializados. "O TRT tem perfilado esse caminho, promovendo debates acerca do combate ao trabalho análogo ao escravo, à discriminação, e sensibilizando as empresas por meio de audiências públicas".

    "Gênero e mercado de trabalho no século XXI" foi o tema abordado pela advogada Mariana Prandini Assis, com painel sob coordenação da vice-corregedora regional do TRT, desembargadora Susana Graciela Santiso. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutoranda em Política pela New School for Social Research, em Nova Iorque, Mariana traçou um panorama histórico da questão de gênero no mercado mundial de trabalho, evidenciando que as mulheres não eram consideradas capazes de produzir conhecimento, com amparo inclusive da própria ciência biológica: biotipo feminino frágil (para o lar em trabalho reprodutivo, sem criação) x biotipo masculino (trabalho produtivo, com valia). De acordo com Mariana, a questão de gênero está no centro do trabalho. A especialista chamou a atenção para um cenário ainda mais perverso no século XXI, em que o capitalismo, sem espaço para expansão territorial, está realocando a manufatura para locais com condições de superexploração e mão de obra barata (mulheres e crianças), e destruindo as estruturas públicas de bem-estar social (saúde, educação e previdência), com foco na privatização. Mariana classificou esses movimentos como feminização do trabalho e comoditização da vida.

    No último painel, coordenado pelo desembargador Eduardo Zanella, o juiz Marcus Menezes Barberino Mendes, titular da Vara do Trabalho de São Roque, também integrante do comitê de erradicação da 15ª, discorreu sobre o conceito de trabalho escravo e de trabalho decente na cena urbana, a partir da ótica jurídica. Citando o jurista francês Antoine Garapon, que diz que o "o juiz é o guardião da civilização", Barberino centralizou sua abordagem em dois aspectos: o trabalho escravo contemporâneo, cadeias de valor e a responsabilidade pelo trabalho decente; e a sustentabilidade econômico-social do empreendimento e a dignidade da pessoa humana.

    No encerramento, o desembargador Zanella destacou a participação dos alunos, que são multiplicadores de conhecimento, e apresentou os integrantes do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação do TRT-15, complementado presencialmente pelo juiz Renato César Trevisani (titular da Vara do Trabalho de Ituverava). Criado em 2014, o comitê conta ainda em sua composição com a vice-presidente administrativo do TRT da 15ª Região, desembargadora Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho. O comitê elabora estudos e propõe ações, entre outras medidas, voltados ao enfrentamento da exploração de trabalhadores em condições análogas às de escravo ou de trabalho degradante, assim como o tráfico de pessoas e discriminação.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/simposio-em-sao-jose-dos-campos-discute-trabalho-escravo-moderno-e-desigualdade-racial/456091493

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