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17 de Junho de 2024
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    STF errou no prazo dos embargos no mensalão

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 11 anos

    O julgamento do mensalão foi, sem sombra de dúvidas, o mais comentado, observado, questionado e, portanto, sujeito a juízos de valor que se tem notícia na história recente da República. Em verdade, parece não ter havido episódio da vida jurídica nacional que tenha tido semelhante repercussão e gerado tantas opiniões (ora qualificadas, ora emitidas por diversos segmentos sociais que pouco ou nada entendem de questões tão complexas quanto as lá abordadas o que acaba por ser muito perigoso).

    A pouca intimidade da dogmática jurídica com alguns institutos e formulações mais sofisticadas ficou evidente quando se tratou da tese do Domínio do Fato, das Organizações Criminosas e outros temas que exigiam maior reflexão e base teórica. Passado tudo isso e em vias de publicação do acórdão, tem-se que não mais há espaço para controvérsias ou divergências. Esperávamos que assim fosse, no entanto, é imperativo que se atente para a o fato de que a vigília pelo resguardo das garantias fundamentais (em especial a da ampla defesa) ainda não terminou.

    Basta ver que, com a publicação do acórdão, se abrirá o prazo para recursos e é aí que já se desenha a problemática que um eventual trato raso e dogmático pode gerar. Qual seria o prazo para a interposição de embargos de declaração? Uma pergunta aparentemente simples, já que embargos de declaração são interpostos todos os dias nos tribunais superiores e cuja resposta pode, em tese, ser facilmente encontrada no texto normativo próprio. No caso, o artigo 337, parágrafo 1o, do Regimento Interno do STF, diploma normativo aplicável [1], ao tratar a questão, disciplina o seguinte:

    Artigo 337. Cabem embargos de declaração quando houver no acórdão obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que devam ser sanadas.

    parágrafo 1º Os embargos declaratórios serão interpostos no prazo de cinco dias.

    Neste caso, uma pergunta aparentemente simples, mas que em verdade mostra-se complexa, se for respondida de forma igualmente simplificada, corre sério risco de gerar irreversível desrespeito à Constituição e aos direitos fundamentais. Nessa toada, com todo o respeito à trajetória e à posição ocupada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, (a crítica é puramente acadêmica), o raciocínio elaborado para responder à petição 9.990/2013, em que um dos réus requer a concessão de prazo de 30 dias para a eventual oposição dos referidos embargos demonstra a inabilidade de se compreender a complexidade da questão, ou mesmo o afloramento das pré-compreensões do intérprete, tão danosas à normatividade constitucional, exatamente por entregarem poder ao juiz e não ao ordenamento.

    A negativa se deu nos seguintes termos:

    Os votos proferidos quando do julgamento da AP 470 foram amplamente divulgados e, inclusive, transmitidos pela TV Justiça. Além disso, todos os interessados no conteúdo das sessões públicas de julgamento, em especial os réus e seus advogados, puderam assisti-las pessoalmente no Plenário desta corte.

    Disso decorre a inegável conclusão de que, embora o acórdão ainda não tenha sido publicado, o seu conteúdo já é do conhecimento de todos.

    Noutras palavras, as partes que eventualmente pretendam opor embargos de declaração já poderiam tê-los preparado (ou iniciado a sua preparação) desde o final do ano passado, quando o julgamento se encerrou.

    Ora, o fato de o julgamento ter sido público (como é a regra) seria suficiente para garantir maior controle sobre eventual omissão, contradição ou obscuridade na decisão? De se lembrar que tal análise é feita a partir do texto do acórdão, resultante da conjugação de todos os votos proferidos pelos demais integrantes da corte. De que maneira admitir que a exposição oral das motivações possua o condão de vencer problemas na interpretação de um texto que sequer foi escrito? Nesse sentido, obscuridades, omissões e contradições somente podem ser analisadas, amiúde, diante do texto do acórdão. E, mais ainda, não se pode esquecer as mínimas lições de semiótica e semiologia (para falar no menos), pois, por vezes, uma vírgula fora do lugar pode gerar prejuízos irreparáveis. Aqui, as implicaturas de Grice semioticista norte-americano poderiam (e por certo, serão) absolutamente relevantes para entender texto e contexto, modos de uso, gramaticalidades, etc. Mas, para tanto, é necessário ler o texto. Não basta ver e ouvir...

    Observe-se, ademais, desde logo, que o presidente do STF, relator da AP 470, ao negar o prazo de 30 dias, sequer se ateve ao Regimento Interno, na especificidade.

    De todo modo, parece que a única resposta que trilha o caminho para se chegar à solução encontrada é a equiparação entre tudo o que foi dito na sessão de julgamento e o acórdão, vedando qualquer tipo de interpretação, como se isso fosse possível.

    Em verdade, é esse anseio positivista (frustrado) de antecipação das respostas às perguntas que enseja equiparações que desprezam as especificidades do caso concreto e levam a conclusões precipitadas. Seria a AP 470 um caso trivial a ser respondido com tanta simplicidade (no melhor sentido da palavra)? Bastaria a mera subsunção ao texto normativo para dizer o prazo do recurso (na verdade, nem se trataria de mera subsunção, uma vez que a argumentação da negativa ateve à faticidade que circundou a AP 470, no caso, a transmissão pela TV e a presença dos advogados aos atos).

    Debate antigo

    Umas das questões mais antigas no campo do direito é a discussão da relação lei-direito. Essa discussão se renova durante os dois milênios que se seguiram, chegando aos nossos dias com a mesma intensidade. Podemos nos surpreender, mas o cotidiano das práticas jurídicas nos mostra como essa equação lei-direito ainda não foi resolvida. No direito, devemos lembrar que essa relação texto-norma foi trabalhada de forma originária por Friedrich Müller, secundado, no Brasil, por Eros Grau e, com um viés mais hermenêutico (filosófico), por Lenio Streck, que, de forma também originária, trouxe para o interior do problema o conceito de diferença ontológica de Heidegger.

    Não é difícil perceber a quantidade de vezes em que juízes e tribunais apegam-se à letra da lei, como que a repetir a máxima do exegetismo francês juiz boca da lei. Por exemplo, para negar a possibilidade de pena abaixo do mínimo, o STJ se apega à pura normatividade (sic). Por outro lado, há inúmeras hipóteses em que juízes e tribunais chegam ao ponto de ignorar totalmente a aludida letra da lei (como já ocorreu na própria AP 470). Streck [2] denuncia, com razão, privilegiado exemplo disso ao criticar decisão do STJ que nega a aplicação da letra do artigo2122 do Código de Processo penal). O problema, portanto, está nas duas pontas do fenômeno.

    Esse problema remonta ao século XIX e ao surgimento positivismo, nas suas formas exegética (França), jurisprudência dos conceitos (Alemanha) e jurisprudência analítica (Inglaterra). O que havia em comum nesses três tipos de positivismo que atravessaram o século XIX? A resposta é simples: a tese de que o direito cabia na lei. Texto e norma se equivaliam para aquele primitivo positivismo. Na dimensão sintática da lei deveria estar abrangida toda e qualquer futura hipótese de aplicação. Os conceitos deveriam abarcar todas as hipóteses fáticas, passadas, presentes e futuras. [3]

    No século XX, sob as mais diversas formas e fórmulas, ocorreu ainda que não totalmente a superação do positivismo (legalista). A questão fulcral, para sermos singelos, sempre esteve na busca da resposta a essas perguntas: qual é a relação entre lei e direito? O direito é igual à lei ou vice-versa?

    O caso e os prazos

    Assimilando diferença hermenêutica entre as coisas (a faticidade) e palavras, tem-se que o direito em sua complexidade não cabe na lei, eis que esta não consegue abarcar todas as hipóteses de sua aplicação. Como na psicanálise, sempre fica algo de fora do conceito, dos significantes e dos significados. As palavras não refletem a essência das coisas (paradigma essencialista), como bem ilustra Lenio Streck [4]. E isso quer dizer, também, que a pretensão do século XIX de aprisionar o direito na lei foi derrotada pelo avanço do paradigma da linguagem. Clara demonstração disso é o exemplo de Recaséns Siches (embora um positivista, seu exemplo ajuda na elucidação da questão). Se existisse uma lei que estabelecesse a proibição de levar cães na plataforma do trem, ela seria posta em xeque pelo primeiro cego que chegasse com seu cão-guia.

    Assim, imperioso constatar que a impossibilidade da lei abarcar todos os casos concretos decorre do fato de que esta apenas ganha normatividade no caso concreto e não o contrário, o que se dá exatamente em razão do juízo de validade da norma ser sempre um juízo antecipador, sempre limitado historicamente. [5] Exatamente por restarmos limitados pela história efetual é que não temos o juízo completo sobre a norma, e não pela impossibilidade de uma norma abarcar todas as hipóteses de aplicação, o que ocorre exatamente em razão da limitação gerada pela história efetual. Assim, a lei, a regra, simbolicamente retrata (um) a realidade. Só que a linguagem que a constrói jamais consegue alcançar a complexidade fática, histórica e irrepetível do real. No caso da lei que proíbe cães, há um sem número de situações não abarcadas pela semântica legal da regra, a começar por uma criança carregando seu filhote de cãozinho (não perigoso e devidamente acondicionado). Streck [6] também problematiza esse exemplo: se a lei proíbe cães, os ursos estariam permitidos? Mas, se fizermos uma interpretação extensiva da lei, colocando no lugar de cães a expressão animais perigosos, ainda diante de um infindável universo: existe um catálogo que abrange todos os animais perigosos? A quem cabe (ria) definir o sentido de animal perigoso (se se considerasse possível a atribuição de um sentido a priori)?

    Portanto, a hipótese do cego, ao contrário do que se pode pensar, não arruína a semântica da lei. Na verdade, enriquece-a. E a cada novo fenômeno não abarcado pela lei, o intérprete será chamado para fazer uma atualização hermenêutica, uma atribuição de sentido ao tex...

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