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17 de Junho de 2024
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    Terras sem orgulho: apoio à comunidade LGBT e restrição geográfica no Facebook

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    No mês de junho celebra-se o Orgulho LGBT. A conquista de visibilidade do movimento nos últimos anos foi grande, mas os marcos deste mês são no mínimo ambíguos.

    Há alguns anos, grandes empresas têm apoiado a causa LGBT – mas muito desse suporte, ressalta boa parte do movimento, é proveniente mais de interesses econômicos que de consciência social. Estima-se que a comunidade LGBT seja responsável por movimentar, em todo o mundo, um total de US$ 3 trilhões por ano.

    Uma das empresas que embalam nas celebrações do Mês do Orgulho LGBT há alguns anos é o Facebook. A rede social começou a participar da Pride Parade de São Francisco, Califórnia, em 2011, colocar anualmente a bandeira LGBT em sua sede desde 2012, dentre outras atividades de suporte à comunidade. Todas essas atividades ocorrem na esteira dos Princípios Orientadores para Direitos Humanos e Empresas, que professam a necessidade de cooperação desses atores com os Estados na garantia dos Direitos Humanos.

    Neste ano de 2017, o Facebook disponibilizou a reação orgulho para as contas de seus usuários. Quer por adesão automática ao novo botão, quer pelo sistema de opt in com o like na página [email protected], incluímos essa nova forma de reagir aos posts e comentários no site – e as timelines encheram-se de arco-íris. Mas foram todas as pessoas que tiveram essa possibilidade? A questão foi levantada por Jillian York, enquanto conversava com amigos que vivem no Cairo, Egito.

    “[…] alguns de meus amigos no Cairo ficaram confusos sobre os motivos pelos quais não podiam usar essa funcionalidade. Meus amigos, aliados da comunidade LGBTQ, seguiram as instruções dadas pelo Facebook e conseguiam ver outros usando o botão, mas não podiam liberá-lo para suas próprias contas.”[1](tradução nossa)

    De acordo com York e seus testes empíricos com amigos ao redor do mundo, em pelo menos 7 países era impossível liberar o uso da reação de orgulho nas contas do Facebook. São eles: Cingapura, Egito, Emirados Árabes Unidos, Palestina, Bahrein, Líbano, e Rússia. Todos esses países tem um marcante traço em comum: seu rechaço institucional às pessoas LGBT.

    Se foi esse de fato o norteador usado pela empresa para escolher em quais áreas iria incluir a reação de orgulho, um total de 71 países – todos os quais promovem homofobia, lesbofobia e/ou transfobia institucional – estariam potencialmente incluídos nessa restrição geográfica.

    Aliando esse aspecto coincidente às respostas dadas pelo Facebook em sua página oficial, é de se acreditar que a empresa tenha de fato optado conscientemente por não liberar a reação nestes países justamente por sua política de Estado anti-LGBTs. A resposta oficial do Facebook quando questionado por usuários a respeito da inclusão da reação de arco-íris em suas localidades é sempre:

    “Pessoas em grandes mercados com celebrações do Orgulho LGBT vão poder usar temporariamente a reação de arco-íris durante o Mês do Orgulho LGBT. Você também pode dar like na nossa página [email protected] para acessar a reação, mas, porque essa é uma nova experiência que estamos testando, a reação de arco-íris não estará disponível em todos os lugares.”

    Segundo seu próprio Newsroom, a empresa é uma apoiadora duradoura dos direitos LGBTQ, patrocinando atividades do Mês do Orgulho LGBT em mais de 20 cidades pelo mundo, dentre outras ações. De acordo com uma pesquisa voluntária feita pelo Facebook, à qual dois terços dos empregados respondeu, 7% deles se identificam como algum espectro da sigla LGBTQ.

    Apesar disso, a escolha por não demonstrar todo esse apoio justamente nos países em que a questão LGBT é mais sensível, levanta o questionamento das razões pelas quais a empresa tem apoiado a comunidade.

    É possível que a plataforma tenha levado em conta questões de segurança ao não liberar a reação para essas localidades. Em regiões como a Chechênia, o risco de ser uma pessoa LGBT é enorme, tendo sido noticiados casos de tortura e execução sumária de homens gays.

    Apesar disso, considerando-se que os meios de difusão de informação devem atuar de maneira positiva na luta contra a discriminação de pessoas LGBT, três contrapontos a essa possível preocupação devem ser colocados.

    Primeiro, que não são somente os países que institucionalmente perseguem pessoas LGBT que são hostis a essa população. Exemplo disso é o próprio Brasil que, apesar de não possuir uma política institucional de execuções, é o líder mundial de assassinatos de pessoas transexuais no mundo – estando à frente de todos os países da lista. Ao mesmo tempo em que é sede da maior parada do orgulho LGBT no mundo, também somos o país no qual 90% da população trans e travesti está na prostituição.

    Segundo, porque não deixar que os usuários escolham aderir à celebração? O mecanismo de opt in garantiria que apenas usuários que quisessem se utilizar da reação fossem possibilitados de usá-la. Assim, militantes de direitos LGBT e apoiadores que desejem ter acesso à reação de arco-íris poderiam fazê-lo – como aconteceu em diversas outras partes do mundo. Deixar de dar essa escolha aos usuários parece mais uma tentativa de impedir que as reações de arco-íris cheguem a esses países refratários a existência de LGBTs, que uma preocupação de fato com a segurança dessas pessoas.

    Terceiro, se o Facebook estiver de fato preocupado com a segurança da comunidade LGBT nessas regiões do mundo e seu suporte tiver sido duradouro e inabalável – como expressa em sua página oficial –, sua motivação para não liberar a reação de arco-íris deveria ser expressada oficialmente. A empresa se recusa a justificar sua escolha geográfica de liberação da reação de orgulho, apesar de os dados empíricos demonstrarem uma correlação clara entre a perseguição institucional à LGBTs e a ausência do referido botão.

    Todos os questionamentos à respeito da inclusão da reação arco-íris em diferentes regiões do mundo foram respondidos de forma padronizada, nunca incluindo uma explicação real e concreta sobre quais áreas seriam ou não contempladas – nem mesmo foi disponibilizado um mapa onde se pudesse verificar as localidades nas quais essa função está ativada.

    O Facebook exime-se de posicionamento nessa questão e nem ao menos condena em uma nota pública a perseguição a pessoas LGBTs no mundo – mesmo que sem apontar dedos para seus principais atores. Enquanto isso, reivindica um status de apoiador dessa mesma comunidade – atitude que se mostra, no mínimo, dúbia.

    Num lapso temporal de 352 dias, dois eventos antagônicos marcaram os Estados Unidos, sede do Facebook. Em 26 de junho de 2015 celebrava-se a decisão da Suprema Corte Americana que permitiu o casamento igualitário nos Estados Unidos, o qual ganhou o apoio de diversas empresas dentre elas, o próprio Facebook. Naquela oportunidade, a rede social criou um filtro arco-íris para comemorar o final favorável do julgamento.

    Sequer um ano depois, em 12 de junho de 2016, ocorreu o maior massacre da história recente dos Estados Unidos, com 49 mortes, tendo como alvo pessoas LGBT, na boate Pulse em Orlando. É por conta dessa dualidade de conquistas e ataques que não se pode ficar “em cima do muro” nesta questão.

    Demonstrar suporte é importante, mesmo que em pequenos gestos diários – como é o caso da reação arco íris. A relevância desse apoio se dá principalmente para que se possibilite uma reflexão sobre os direitos de pessoas LGBT ao redor do mundo. O botão em si não altera a realidade das pessoas, mas para os que não tem qualquer contato com nossa luta por igualdade, pode ser uma porta de entrada.

    Por isso, a decisão do Facebook de disponibilizar a reação de orgulho de maneira geograficamente direcionada – apesar de existir o sistema de opt in –, e de não condenar a perseguição a pessoas LGBT em todo o globo, é sinal claro de uma seletividade incondizente com o apoio que a empresa tem tentado divulgar – e fecha portas para o movimento LGBT justamente onde ele mais precisa de aliados.

    Bernardo de Souza Dantas Fico é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

    [1] “[…] some of my friends in Cairo were confused as to why they couldn’t use the feature. My friends, allies to the LGBTQ community, followed the instructions put forth by Facebook and could see others using the button, but could not enable it for their own accounts.” Motherboard. Facebook Celebrates Pride, Except Where Homosexuality is Illegal, 20 de junho de 2017.

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