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16 de Junho de 2024
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    TJ-RS - Entrevista Desembargador Osvaldo Stefanello, aposentado: A Constituicao e muito ampla e extensa,metade do que consta deveria estar em lei ordinaria

    Publicado por JurisWay
    há 16 anos

    De personalidade forte e extremamente contestadora, o Desembargador Osvaldo Stefanello foi aposentado compulsoriamente aos 70 anos. Após mais 40 anos de magistratura, manteve sempre a mesma paixão de julgar, e proferia votos inflamados, defendendo as causas que em que acreditava.

    Responsável por instituir a eleição no Órgão Especial do TJ quando a matéria ainda não estava regulamentada, diz que a oxigenação é importante, mas assegura que há magistrados mais antigos com uma visão mais avançada do Direito do que Juízes jovens. “É uma questão de entendimento, não tem a ver com a idade”, diz. Como julgador, foi o primeiro a decretar, no País, a concordata e não a falência de uma empresa.

    Presidiu a Ajuris, o TRE/RS, foi Vice-Presidente e Presidente do Tribunal, e assegura, sem titubear: é mais difícil julgar do que administrar. Crítico ferrenho do Conselho Nacional de Justiça, afirma que o órgão não veio para resolver o principal problema do Judiciário: a jurisdição, e não a administração.

    O que o senhor pensa da aposentadoria compulsória aos 70 anos? Pensa em questionar judicialmente essa disposição?

    Não, não tem o que discutir. Lembro-me do Colega Giorgis (José Carlos Teixeira Giorgis), que chegou a formular um pedido administrativo. Eu era Presidente do Tribunal naquela época e indeferi, evidentemente. Depois, ele tentou por mandado de segurança, mas também não obteve sucesso. A Constituição determina. Quando a Constituição determina que a aposentadoria compulsória seja aos 70 anos, não há o que discutir.

    Os únicos que foram beneficiados com a isenção dessa norma são os Registradores e os Tabeliães. Acontece que eles não são propriamente servidores públicos; eles exercem uma atividade pública, mas em caráter privado. Inclusive, discutem-se direitos que eles teriam assegurado em relação à previdência. Eles têm impetrado mandados de segurança individuais aqui no Tribunal, mas, por maioria de votos, não têm obtido sucesso. Sei que o Supremo entende que não há direito adquirido ao sistema previdenciário. Até aí, tudo bem, só que, no meu entender – sou um dos que concedia a segurança -, eles adquiriram e consolidaram esses direitos conforme a lei permitia.

    Penso que agora, mesmo que a Constituição tenha cortado esses direitos, se são direitos que fazem parte do patrimônio, não podem ser suprimidos, mas a maioria do Tribunal não entende assim. Isso vai acabar no Supremo, e evidentemente o Supremo é que vai dar a última palavra. Mas todos os demais servidores públicos se aposentam aos 70 anos, não adianta entrar com uma cautelar ou qualquer outro tipo de ação.

    A Constituição diz isso, mas o senhor acha que seria interessante, tendo em vista as condições melhores de vida de hoje em dia, mudar para 75 anos?

    Olha, eu sempre achei que 70 anos era uma idade razoável, mas, de uns tempos para ca , comecei a mudar, pois a nossa média de vida, no Rio Grande do Sul, é de 72 anos. É uma média bastante alta.

    Lembro-me daqueles que foram aposentados pela compulsória, como o Cacildo (de Andrade Xavier), o (Clarindo) Favretto, o Giorgis, o Mangabeira (Antônio Carlos Netto Mangabeira), que saíram no auge de suas atividades e poderiam estar trabalhando com toda a tranqüilidade.

    “Temos Juízes com mais idade com uma visãomais avançada do Direito do que Juízes jovens.É uma questão de entendimento,não tem a ver com a idade”

    Na semana passada, as Associações de Magistrados, capitaneadas pela AMB, fizeram uma reunião em Brasília para pressionar a Câmara dos Deputados a votarem contra a emenda, deixando a idade em 70 anos. Então, falam em democracia interna, em renovação interna. Tudo bem, mas é um discurso fora da realidade para mim, com todo o respeito, porque temos, não só aqui, Juízes com mais idade com uma visão mais avançada do Direito do que Juízes jovens. Aí é uma questão de entendimento, e isso não tem a ver com a idade.

    É claro que eu ficaria mais um pouco se tivesse oportunidade. Exerci a Magistratura por 41 anos e sempre realizei a atividade que eu queria desde um episódio que ocorreu em Júlio de Castilhos, quando eu era estudante do Ginásio.

    “A partir daquele momento, direcionei a minhapretensão profissional à atividade de magistrado.Nunca pensei em ser advogado nem Promotor Público”

    Na minha época, havia o primário, o Ginásio, o Clássico ou Científico e, depois, o curso superior. Hoje, mudou essa sistemática de ensino. Eu era ginasiano com 22 ou 23 anos. Comecei no seminário, parei, fiquei trabalhando na lavoura por um determinado tempo e, depois de servir o Exército Nacional, voltei a estudar. Então, eu estava no quarto ano quando fizeram um Júri em Júlio de Castilhos, numa sala do prédio do colégio. Eu tive permissão para assistir pela própria direção. Lembro-me do Promotor Público, que foi Procurador de Justiça depois, Walter Coelho, da defesa, que era feita pelo Dr. Sílvio Brasil de Azevedo, e do Juiz, o Dr. Bayard de Toledo Mércio, que faleceu agora há pouco.

    Gostei muito do Júri e, não sei por quê, a partir daquele momento, direcionei a minha pretensão profissional à atividade de magistrado. Nunca pensei em ser advogado nem Promotor Público.

    Vim para Porto Alegre com o Ginásio concluído e com o objetivo de cursar Direito na UFRGS, e foi o que aconteceu. Primeiro, eu tinha de concluir o Clássico e queria fazê-lo no Colégio Júlio de Castilhos, que, naquela época, rivalizava com os melhores colégios privados.

    Já era na Praça Piratini?

    Sim, já era ali onde está hoje. Eu precisava trabalhar, porque meu pai não podia sustentar os meus estudos. Ele tinha vários filhos, trabalhava na lavoura e me mandava um dinheirinho de vez em quando, mas não era o suficiente. Eu não conseguia emprego e não consegui me matricular no Júlio de Castilhos. Aí, passando ali na Rua da Praia, em frente ao Curso Bosch, pensei: “Sabe de uma coisa? Eu vou preparar o Clássico”. Fui lá e fiz o curso em seis meses. Tive como professor de Português o Adalberto Kaspary. Fiz esse curso e, no meio do ano, no mês de junho, prestei exames para o Clássico, como se eu tivesse feito o curso completo. Fiz no próprio Júlio de Castilhos – a banca examinadora era de lá – e passei. Então, fiz em um ano o que levaria três anos. Era mais ou menos como o supletivo de hoje. Na metade do ano, eu fiz o Clássico, depois me preparei para o vestibular e ingressei na faculdade já no ano seguinte. Então, fiz essas proezas todas aí e acabei alcançando a Magistratura.

    Fui bancário durante sete anos, trabalhei num banco cuja sede era no antigo Grande Hotel, que depois queimou. Quando queimou, nós estávamos lá. O banco então se transferiu para umas salas do prédio do Cine Guarani.

    Cursei a faculdade trabalhando como bancário. Fiz concurso no ano seguinte, depois de formado, para Pretor. Fui Pretor antes.

    O senhor concluiu a faculdade em que ano?

    No ano de 1965.

    O que o senhor recorda da faculdade?

    A faculdade, para mim, foi um período extraordinário. Tive grandes mestres lá, como o Ruy Cirne Lima, Galeno Lacerda, em Processo Civil, o Ney Messias, em Processo Penal, o Salgado Martins, em Direito Penal, Érico Maciel, grande figura, o Eloy José da Rocha, em Direito do Trabalho, o Armando Câmara. Eram sumidades! Eu tive um grupo de professores muito bons naquela época.

    Quem eram seus colegas de turma?

    Manuel André da Rocha, Werner Becker, Francisco Ferraz. O Perciano Bertolucci foi da minha turma. Depois, nós tivemos o Dirceu Seligman, que seguiu outro rumo e hoje é advogado.

    “Continuo vendo o Conselho Nacional de Justiçacomo sempre vi. No setor jurisdicional é que nós tínhamoso problema, que está ficando cada vez mais grave,e ninguém resolve. Essa é a realidade”

    Quando o senhor foi Presidente do Tribunal, foi implantado o Conselho Nacional de Justiça, que o senhor contestava muito. Como o senhor vê hoje o Conselho Nacional de Justiça? Ainda é um crítico ferrenho?

    Continuo vendo o Conselho Nacional de Justiça como sempre vi. Eu discuti muito esse assunto, quando estavam criando o Conselho e eu era Presidente, no Colégio de Presidentes dos Tribunais. Tive embates muito sérios com o Ministro Nelson Jobim, que na época era o Presidente do Supremo. O único que discutia com o Jobim era eu, porque ele era temido por todos. Nós dois tivemos embates muito sérios exatamente por causa do Conselho. Eu dizia que o Conselho não iria resolver problema nenhum do Poder Judiciário. Quando falo em problema do Poder Judiciário, falo na jurisdição, porque, administrativamente, cada Tribunal tem lá seus rumos. No setor jurisdicional, é que nós tínhamos o problema, que está ficando cada vez mais grave, e ninguém resolve. Essa é a realidade.

    Cheguei a mencionar ontem, naquele pronunciamento que fiz, que chegam ao Supremo Tribunal Federal questões mais ou menos como estas: um furto – meio típica a notícia, mas é verdade – de cinco galinhas, sendo três gordas e uma magra, até com esses detalhes; uma briga de vizinhas porque a cachorrinha de uma mordeu a perna da outra; uma briga entre o genro e a sogra, que acabou recebendo um pontapé na perna. Tudo isso chega ao Supremo Tribunal Federal.

    “A Constituição é muito ampla e extensa.Eu diria que a metade do que constana Constituição deveria estar em lei ordinária,nem falaria em lei complementar”

    Por que o senhor acha que não se muda isso? Qual é a dificuldade de se mudar isso?

    É que hoje a Constituição é muito ampla e extensa. Eu diria que a metade do que consta na Constituição deveria estar em lei ordinária, nem falaria em lei complementar. Mas existem muitos direitos, e o advogado que é inteligente embute na discussão qualquer matéria constitucional, que é levada ao Supremo.

    “O Advogado inteligente embute na discussãoqualquer matéria constitucional que tenha,mesmo que remotamente, vinculação com o caso.Esse processo chega ao Supremo”

    Ou seja, o Conselho em si não tem atribuição sobre isso.

    Eu já volto à questão do Conselho. Quero deixar bem clara a minha posição, porque não é de hoje, não estou dizendo nenhuma novidade a esse respeito.

    A Constituição estende muitos direitos, e o advogado inteligente embute na discussão qualquer matéria constitucional que tenha, mesmo que remotamente, vinculação com o caso. Esse processo que chega ao Supremo – esse é o grande problema – deveria morrer lá na mão do Juiz de 1º Grau, nem ao Tribunal deveria chegar.

    O que eu quero dizer com isso? A Justiça só vai funcionar mesmo como todo mundo deseja quando se limitarem os recursos. E não se diga que a parte poderá ser prejudicada, que haveria cerceamento de defesa. Não. Porque a defesa das partes é feita basicamente no grau inicial da Justiça. É lá que os advogados discutem as questões e fazem a prova. No Tribunal, apenas aquelas hipóteses de competência originária são discutidas. Então, nós estamos reexaminando o que o Juiz disse lá embaixo, as provas que ele realizou. Matéria federal chega ao STJ, e matéria constitucional chega ao STF. Então, há entrância inicial, entrância intermediária, que é aqui, entrância superior no STJ e instância extrema no Supremo. São quatro em vez de três, como deveria ser.

    “Qual é a solução? A limitação de recursos,fazer com que cheguem aos tribunais matériasde direito que têm relevância jurídica”

    Qual é a solução? Sei que a OAB discorda, mas é a limitação de recursos, fazer com que cheguem aos tribunais aquelas matérias de direito que têm relevância jurídica e aos tribunais superiores só matérias que tenham alta relevância jurídica e matérias constitucionais que mereçam lá chegar. Qual é a relevância jurídica da discussão do furto de galinhas, da briga entre vizinhas ou entre genro e sogra frente à importância dessa matéria que eles discutiram há 15 dias a respeito das células-tronco? Isso é que é matéria que deve chegar ao Supremo! É matéria dessa relevância que o Supremo tem que enfrentar. Aliás, nem ao Tribunal deveriam chegar essas miuçalhas. Esse é um recado que tenho dado não de hoje, mas de há mais tempo já.

    Quanto ao Conselho Nacional de Justiça, pergunto a vocês: o que o CNJ fez até hoje para melhorar, que é o que importa, a prestação jurisdicional? Não fez nada e não vai fazer!

    OCNJ está implantando algumas ferramentas que afetam o Brasil inteiro em torno de promoções, está regulamentando uma série de institutos. Isso não afeta a jurisdição?

    Não afeta a jurisdição, não adianta nada. Não adianta querer me dizer que o CNJ fez alguma coisa para melhorar a jurisdição até hoje, porque não fez e não vai fazer. Eles estão preocupados com essas miuçalhas de questõezinhas que podem surgir no setor administrativo dos tribunais. Ora, os tribunais têm mais ou menos hoje uma orientação definida a respeito do setor administrativo. Houve equívocos, abusos? Houve, sim, mas esses abusos estão sendo superados aos poucos.

    “De certa forma, estão considerandoos filhos de Juízes como pessoade segunda categoria”

    Agora, por exemplo, há a questão da contratação de parentes, que chamam de nepotismo. Muita gente nem sabe o que é nepotismo. De certa forma, estão considerando os filhos de Juízes como pessoas de segunda categoria. Filho de Juiz, por exemplo, não pode sequer ser estagiário neste Tribunal. Qual é o problema que existe em ser filho de Juiz? Houve favorecimentos? Houve inclusive aqui no Estado; lá no Nordeste, nem se fala. Agora, não é assim que se resolve o problema, não é estabelecendo uma capitis diminutio, ou seja, filho do Juiz não pode fazer aquilo que todos podem fazer, e isso mediante resolução do Conselho, que não tem poder de legislar e não tem poder de julgar.

    “Relevante é achar uma solução que dêefetividade à Justiça, porque não adianta ganhar uma ação– e é muito comum que aconteça – só no papel”

    Pessoalmente, sempre fui contra a contratação de parentes por uma questão de convicção pessoal. Agora, estigmatizar uma pessoa por ser filho de Juiz, não permitir que chegue ao Tribunal, que seja funcionário do Tribunal? Por quê? De qualquer forma, essa é uma questão que não é, digamos assim, das mais relevantes dentro do Poder Judiciário.

    A questão relevante é achar uma solução que dê efetividade à Justiça, porque não adianta você ganhar uma ação – e é muito comum que aconteça – só no papel. Essa vitória em uma demanda não vai trazer para o direito da parte coisa concreta alguma, e nós temos exemplos diários disso. Adianta para a parte ganhar a ação, emoldurar a certidão, pendurar na parede e dizer que saiu vitorioso, se a decisão do Juiz não tem concretude? Decisão sem concretude, para mim, não é justiça nenhuma!

    “Atribuo também ao grande númerode processos que cada Juiz recebe.É uma insanidade!”

    O senhor acha que essa concretude se protela em função dos recursos?

    Em boa parte, sim. Atribuo também ao grande número de processos que cada Juiz recebe. É uma insanidade! Refiro-me ao Tribunal, mas no Interior é a mesma coisa. Hoje não existe mais racionalidade. As Câmaras estão julgando 300, 400 recursos a cada sessão. Temos que examinar esses processos com rapidez. Se perco um dia em cima de um processo, há 10 esperando. Então, tudo é feito de afogadilho, e, para mim, isso não é justiça adequada.

    Por isso que digo que se deveriam limitar os recursos para que os que chegassem ao Tribunal fossem bem examinados. E, no STF, no STJ e nos demais tribunais superiores, nem se fala. Mas, enquanto nós tivermos essa parafernália legislativa, o que podemos fazer?

    Desembargador, do período em que o senhor presidiu o TRE, o que lhe ficou de mais marcante?

    Sempre fui Juiz Eleitoral e talvez o período mais marcante nem tenha sido quando eu presidi o Tribunal Eleitoral, porque não cheguei a presidir uma eleição. O meu período de presidência do Eleitoral foi num intermédio. O Presidente na época era o Desembargador José Eugênio Tedesco.

    O que mais me marcou foi o trabalho realizado quando do recadastramento, em 1986. Naquela época, eu era Juiz Eleitoral e fui coordenador eleitoral do recadastramento em Porto Alegre. E terminamos praticamente esse trabalho um mês antes das eleições, que foram logo depois. Nós tivemos 30 dias para distribuir todos os novos títulos. Foi um trabalho quase insano, eu diria, mas, felizmente, deu tudo certo.

    Então, o período que mais me marcou foi quando assumi essa responsabilidade de coordenar o recadastramento na Capital, designado pelo Presidente do Superior Tribunal Eleitoral, que, na época, era o Ministro José Néri da Silveira.

    “Penso que poderíamos ter uma legislação mista:parte dos cargos eletivos para a Assembléia Legislativapoderiam ser escolhidos mediante voto distritale parte pelo sistema atual”

    O senhor acha que a lei eleitoral é adequada ou teria que sofrer modificações?

    Penso que poderíamos ter uma legislação mista: parte dos cargos eletivos para a Assembléia Legislativa poderiam ser escolhidos mediante voto distrital e parte pelo sistema atual. Penso que nosso sistema não é de todo ruim. De qualquer forma, poder-se-ia aperfeiçoá-lo não no sentido da apuração das eleições, porque, nesse particular, o nosso sistema é o mais avançado do mundo, não há outro país que tenha um igual. Fazemos uma eleição hoje, e amanhã o resultado está praticamente conhecido. Isso não acontece nem mesmo nos Estados Unidos, com todo o avanço tecnológico que eles têm.

    “O sujeito gasta R$ 2 milhões,diz que gasta R$ 500 mil reais, e fica por isso mesmo.Infelizmente, não é um sistema adequado”

    E a aprovação das contas das campanhas?

    Acho que tínhamos que ter um sistema mais rígido, porque hoje se pegam aqueles papéis que são encaminhados pelos candidatos, pelos partidos, dá-se uma examinadinha e, quando surge uma dúvida, chama-se o Tribunal de Contas para averiguar, mas não é o sistema adequado para a apuração efetiva. O sujeito gasta R$ 2 milhões, diz que gasta R$ 500 mil reais, e fica por isso mesmo. Infelizmente, não é um sistema adequado.

    Como compatibilizar a pretendida decência com o aumento de uma população pobre que a cada dois anos espera uma eleição para receber um punhado de tijolos, um par de tênis, um saco de comida?

    Este é o grande problema, temos uma mercantilização total, que funciona no período eleitoral, sim, por mais que a Justiça Eleitoral esteja fiscalizando. Mas não falo só nas benesses que os candidatos distribuem no período eleitoral; falo do nosso sistema de hoje, como, por exemplo, a concessão de bolsa-família. Penso que, em caso de necessidade, deveriam ser estabelecidas essas benesses, mas temporariamente. Hoje, há muita gente que ganha com a bolsa-família lá no Interior e não se dá ao trabalho de plantar um pé de couve no fundo do quintal, não faz mais nada.

    Um casal humilde, com este dinheiro, R$ 70,00 ou R$ 80,00, sei lá quanto é hoje, chega ao supermercado e - embora o alimento tenha subido muito agora, ainda está razoavelmente com preço bom - faz um rancho para o mês todo e está bom. Isso vicia a pessoa. Em vez de procurar dar trabalho, dá-se um prato de comida. Isso é extremamente pernicioso para o bom desenvolvimento inclusive social. Quer-se tanto o desenvolvimento social, a igualdade de condições. Tudo bem. Mas a pessoa que recebe isso vai se preocupar com o desenvolvimento social? Ela se preocupa em ganhar aquele dinheiro no fim do mês e pronto! É o tipo de benesse que não deveria existir, a não ser temporariamente. Auxílio-desemprego, por exemplo, é por um determinado tempo, não vai ficar o sujeito desempregado recebendo seguro-desemprego pela vida toda. Isso é uma sobrecarga que recai sobre a sociedade toda.

    O que o senhor pensa sobre o financiamento público de campanhas políticas?

    Tenho dúvidas se resolverá o problema, porque o Estado vai botar dinheiro na política, e, indiretamente, por trás, os candidatos continuarão recebendo os benefícios. É difícil impedir que isso aconteça.

    Voltando ao assunto da seleção de Juízes, o senhor disse que o melhor método é o concurso. E o Quinto Constitucional?

    Houve um período em que um bom número de Juízes chegou a fazer um movimento para terminar com o Quinto Constitucional, mas não vejo razão para isso. Tivemos no Tribunal, por exemplo, excelentes Juízes oriundos da Ordem dos Advogados. Nem falo do Ministério Público, porque a atividade que eles exercem não deixa de ter vinculação com a nossa, embora sejamos julgadores, e eles pareceristas.

    Penso até que é uma boa medida, porque podemos trazer julgadores com experiência na advocacia para dentro do Poder Judiciário. Se isso traz muitos efeitos, ou não, parece-me que não é essa a questão. Eu não vejo que os advogados venham tirar o lugar dos Juízes. Não vejo isso. Por vezes, há um pouco de jogo político na própria OAB, mas também isso não vem deslustrar a importância que eu vejo do Quinto Constitucional.

    “Cada vez me convenço mais,principalmente para as direções,de que a experiência dentro do Tribunal,dentro do Judiciário faz a diferença”

    O senhor instituiu a eleição, na sua gestão, no Órgão Especial. Como integrante do grupo mais antigo do Órgão, notou uma grande mudança? O senhor falou antes na questão da renovação, que não é bem assim, que os Juízes mais experientes, às vezes, são mais de vanguarda. O que o senhor notou com a eleição do Órgão Especial?

    Sempre defendi uma eleição pelo menos parcial dos membros do Tribunal de Justiça. Realmente, aqui no Estado, quando eu era Presidente, estabelecemos a eleição sem que tivesse sido regulamentada ainda. Até houve um ou dois Colegas que tentaram derrubar isso, mas não conseguiram. Penso que fizemos bem, tanto é verdade que a regulamentação posterior seguiu mais ou menos a diretiva que nós tínhamos traçado aqui, com pequenas alterações.

    Creio que essa renovação é boa, porque traz idéias novas para dentro do Tribunal: às vezes, avançadas; noutras, nem tanto. Para certas atividades, cada vez me convenço mais, principalmente para as direções, de que a experiência dentro do Tribunal, dentro do Judiciário faz a diferença.

    Quanto à eleição, não tenho nenhum arrependimento em ter propugnado para isso. O que pode acontecer - e tem acontecido - comumente é a alteração na composição do Órgão Especial. Quando a matéria é polêmica e é decidida com uma diferença de um ou dois votos, pode acontecer que, dependendo da composição, siga uma diretiva ou outra. Evidentemente que a pessoa leiga não compreende muito bem como pode haver essas contradições dentro de um Tribunal, quando, para nós, as divergências provocam discussões que vão, com o tempo, aperfeiçoando o próprio direito. Se todo mundo reza o mesmo catecismo, fica meio complicado.

    Penso que as divergências que existem são fundamentais para a própria evolução do Direito, pois o Direito não é uma ciência que fique parada no tempo. Não. O Direito evolui. O Direito, embora muitos pensem que é uma ciência pura, envolve Filosofia, Sociologia, ideologia em todos os sentidos, religiosidade, não-religiosidade. Direito é uma composição.

    Recentemente, na discussão sobre o assunto das células-tronco, não pude assistir ao pronunciamento do Relator, porque eu estava aqui trabalhando, mas assisti ao pronunciamento do Ministro Menezes Direito, um voto, aliás, extraordinário, como o foram os outros - não estou tomando partido de A ou B. Ninguém votou contra a utilização das células-tronco. Todos votaram favoravelmente só que com restrições ou sem restrições. A maioria de seis a cinco foi sem restrições. A própria Constituição e a Lei de Biosseguranca estabelecem as limitações. Outros disseram que não é bem assim, que ali as limitações são genéricas e que deve ser mais especificado, o que não quer dizer que tenham sido contra. Ali, pode-se perfeitamente defender qualquer um dos dois pontos de vista.

    Eu, pessoalmente, acho que tudo avança, mas tem que haver uma certa segurança jurídica. Tenho alguns receios. Algumas pessoas interessadas esperam que o Governo financie as pesquisas, e isso me dá a impressão de que estão muito mais preocupados em ganhar dinheiro do que propriamente fazer um estudo sério, como eu penso que deve ser feito. É uma discussão bonita, assim como seria em relação ao aborto. Quando efetivamente inicia a vida humana?

    Outro dia, li que, na Inglaterra, o aborto pode ser feito até o quarto mês, quando o feto já é quase um ser humano completo. Na Austrália, há um corpo médico em um hospital que está estudando uma forma de salvar a perna de um feto, no útero da mãe, com menos de quatro meses. Vejam que as coisas não são tão fáceis quanto pensamos. E aí vem a questão ética, não só jurídica, fundamental nisso aí tudo, que independe da religiosidade de cada um.

    Eu, por exemplo, sou contra o aborto e proclamo isso para todo mundo. Ouço argumentos de que o aborto é feito às escondidas. Para mim, isso não justifica uma posição. A partir do momento em que o óvulo é fecundado, existe uma vida humana em desenvolvimento, não entrando em aspectos religiosos, não misturo uma coisa com a outra. É preciso muito cuidado.

    Desembargador, o que o senhor diz aos magistrados que estão iniciando a carreira e para aqueles que estão pretendendo ingressar na carreira?

    Tive a oportunidade de concluir um concurso e recepcionar uma turma de novos magistrados quando era Presidente. Hoje a Magistratura, no início, é composta quase que exclusivamente por meninos e meninas com 22 , 23 anos. Eles são muito bem preparados, mas têm um pouco de dificuldade no início, porque a Justiça depende um pouco de vivência. Eu penso que está nas mãos desses jovens que estão iniciando hoje e dos que vierem atrás a procura por uma adequada solução ao sistema judiciário no sentido básico: a justiça só tem a sua razão de ser se alcança o seu objetivo fundamental, que é a solução de litígios, dando o adequado apoio a quem efetivamente merece.

    “O Juiz tem que ser ao mesmo tempo prudente e ousado”

    Em uma pendenga judicial, o Juiz tem que ter sempre como objetivo fundamental o de fazer com que a solução seja justa tanto para uma como para outra das partes. Quando falo em justiça, não fico preso exclusivamente ao texto legal, porque o direito como um todo, por vezes, refoge ao texto legal. O direito normatizado existe, sim. A norma estabelece direitos, obrigações, mas o direito em si, como um todo, vai além da norma. Por isso, o Juiz, por vezes, dependendo do fato concreto, tem que optar pela solução mais justa do que propriamente seguir o teor frio da norma, porque à norma se pode dar uma interpretação, conforme a matéria que está em discussão. O Juiz tem que ser ao mesmo tempo prudente e ousado. Não vai sair fazendo bobagens, estripulias, mas também tem, por vezes, que dar um passo ou meio passo adiante da norma para chegar à solução jurídica adequada.

    “É muito mais difícil julgar do que administrar”

    Desembargador, qual o seu grau de fé na solução dos problemas coletivos, dos graves problemas enfrentados pela sociedade hoje?

    É uma questão complexa. Sempre fui uma pessoa otimista. Existem conflitos sociais de toda ordem, para os quais nem sempre a lei dá a adequada solução, mas que são reais e, muitas vezes, dependem muito mais de soluções políticas do que propriamente jurídicas. Daí a relevância que têm os Poderes, e não apenas o Poder Judiciário, em procurar a solução apropriada no campo político. Isso não implica dizer que o Poder Judiciário deixe de ter a sua responsabilidade na solução desses problemas. E saber solucioná-los com prudência, mas também com segurança e firmeza.

    O Juiz não pode ser tíbio; o Juiz, por vezes, tem que tomar uma atitude mais forte, mais rígida, sempre observando o limite da racionalidade e da razoabilidade.

    O senhor foi Presidente da AJURIS, do TRE, Vice-Presidente e Presidente do Tribunal de Justiça. O que é mais difícil: julgar ou administrar? Quais as maiores dificuldades que o senhor enfrentou como julgador e como administrador?

    Eu diria que é muito mais difícil julgar do que administrar. Para o Juiz, o julgamento de um caso mais simples pode transformar-se num trauma até a tomada de consciência, porque há um fato à frente para decidir. No Crime, vai decidir sobre a liberdade ou não de uma pessoa; no Cível, vai decidir sobre a segurança material de uma vida toda, na própria família, que eu considero talvez o ponto mais conflituoso socialmente. Vai observar que cada uma das partes tem suas razões e contra-razões ou suas não-razões e tem que decidir. Isso é difícil.

    Enquanto que, para administrar, o que é preciso fazer? E eu tive essa experiência no setor administrativo tanto na Associação como aqui no Tribunal. O que o administrador deve fazer? O administrador, por mais preparado que esteja, não sabe tudo. Em qualquer setor de atividade que você vá se envolver, não venha me dizer que sabe tudo, porque não sabe. É preciso cercar-se de auxiliares competentes, que tenham conhecimento do que vão fazer e que possam assessorá-lo adequadamente, principalmente pessoas cuja honestidade, lisura e lealdade estejam acima de qualquer limite.

    É isso o que o bom administrador deve fazer. E para aquele que administra o bem público eu diria que isso deve ser multiplicado por dez. Com o bem privado, o administrador faz o que acha que deva fazer; com o bem público, não é assim. O bem público pertence à sociedade, e o trabalho deve ser retribuído a ela, que é a dona do bem público e exige que o administrador tenha competência, capacidade, correção, honestidade e aplique cada centavo de forma correta. Isso para mim é fundamental.

    Mesmo assim, eu diria que jurisdicionar ainda é mais difícil do que administrar.

    A Lei de Responsabilidade Fiscal deveria ser aplicada ao Judiciário?

    Deve ser aplicada, sim. O que objetiva essa lei? Evitar excessos. E tem conseguido muito bons resultados. O que se pode, eventualmente, procurar é uma flexibilidade maior, mas flexibilidade sempre dentro dos limites. Isso auxilia inclusive o bom administrador. No Poder Judiciário, nós sabemos o nosso limite orçamentário e é dentro dele que temos que administrar, tanto no setor remuneratório dos Juízes, servidores e outros, como no setor material.

    “Pela primeira vez no País, transformeio pedido de falência em concordata”

    O senhor aplicou vários princípios inovadores, entre eles um que tem a ver com os contratos bancários. Que jurisprudência o senhor ajudou a consolidar?

    Há alguma coisa relativa a contratos bancários, mas a inovação maior que comecei foi na Lei de Falencias. Eu substituía eventualmente os então Juízes Sérgio Muller e Bianchi na Vara da Fazenda. Haviam entrado com um pedido de falência de uma grande empresa, porque ela era devedora de um valor X, mas que não tinha nada a ver com o patrimônio da empresa. O patrimônio era centenas de vezes maior. Ela tinha dois ou três títulos protestados, e, naquela época, título protestado impedia, inclusive, que a falência fosse transformada em concordata. Nessa hipótese, pela primeira vez no País, eu não decretei a falência, mas transformei o pedido de falência em concordata. Ela tinha poucos títulos protestados, três ou quatro.

    “Naquela época, a lei obrigava que o réupronunciado por crime de homicídiofosse de imediato recolhido.Eu pronunciava e não recolhia”

    A partir daí começou a se dar uma abertura maior para a concordata. Depois, a concordata seguiu com os Colegas, eles adotaram o sistema, não mudaram, e a empresa se recuperou em seguida. Essa transformação eu lembro que comecei.

    Outra coisa que eu fiz, já no campo do Direito Penal, foi na época em que eu era Juiz em Frederico Westphalen e substituí na Comarca de Iraí. Naquela época, a lei obrigava que o réu pronunciado por crime de homicídio fosse de imediato recolhido. Eu pronunciava e não recolhia. Se era um colono que continuava trabalhando, que nunca mais havia se envolvido em briga alguma, se havia ficado solto até então, por que não deixar solto até o Júri? O Ministério Público recorria evidentemente, e a notícia que eu recebia de vez em quando era um telegrama da Corregedoria: “Determino a Vossa Excelência que cumpra de imediato a ordem de prisão de Fulano de Tal”. Aí, eu prendia. O que eu ia fazer se estava recebendo ordens superiores?

    Essa obrigatoriedade caiu depois pela famosa Lei Fleury, para favorecer exclusivamente o então Delegado Fleury, que havia cometido uma pataquada daquelas. Era uma lei que determinava aquilo que eu já aplicava antes.

    Se fosse fazer uma pesquisa, encontraria outras coisas mais.

    EXPEDIENTEEntrevista concedida a Adriana Arend, Armando Burd e João Batista Santafé AguiarDegravada pelo Departamento de Taquigrafia e Estenotipia do TJRSAssessora-Coordenadora de Imprensa: Adriana Arend

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