Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
18 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Último painel do Congresso do TRT discutiu a aplicação, pelo juiz do trabalho, das convenções da OIT

    O sexto e último painel do Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT teve como tema a aplicação das normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nas lides trabalhistas. Coordenado pelo ministro do TST Márcio Eurico Vitral Amaro, o painel contou com a participação do desembargador do TRT da 9ª Região (PR) Luiz Eduardo Gunther e do professor argentino Carlos A. Toselli, catedrático de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade Nacional de Córdoba.

    Ante de dar início à sua palestra, Luiz Eduardo Gunther prestou uma homenagem ao desembargador da 15ª José Antonio Pancotti, “juiz talentoso e competente que, com a sua aposentadoria compulsória, deixa a todos órfãos”.

    O palestrante, que é membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e professor do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), iniciou sua exposição exaltando o papel das convenções e tratados internacionais no desenvolvimento do Direito do Trabalho e da Justiça Trabalhista. Como exemplo de sua importância, ele citou os 21 milhões de pessoas que hoje trabalham contra sua vontade, em condições degradantes, e que podem vir a ser beneficiados pela aplicação, em seus países, das Convenções 29 e 105 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil. A primeira, de 1930, dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas, com a exceção do serviço militar, do trabalho penitenciário adequadamente supervisionado e do trabalho obrigatório em situações de emergência, como guerras, incêndios, terremotos, entre outros. A segunda, aprovada em 1957, trata da proibição do uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; medida disciplinar no trabalho ou punição por participação em greves; e como medida de discriminação.

    Apesar de sua relevância, Gunther reconheceu que as normas da OIT, que estabelecem diretrizes mínimas para a organização do trabalho, “infelizmente” ainda são pouco utilizadas por nossos juízes do trabalho. O magistrado defendeu a utilização das convenções internacionais não só como meio de suprir a omissão do ordenamento jurídico nacional, mas também para interpretar dispositivos do direito interno, como fonte de inspiração para reconhecer um princípio, ou mesmo como mero reforço à argumentação. Nesse sentido, citou um caso ocorrido recentemente na Paraíba que considera um exemplo da “criatividade” permitida aos magistrados. Em decisão histórica, acusado de pagar para ter sexo com uma menina, menor de idade, foi condenado pela Justiça do Trabalho a pagar ao Estado uma indenização de R$ 500 mil, a ser revertida a um fundo de amparo à infância. Em sua decisão, o juiz do trabalho baseou-se na Convenção 182 da OIT, que considera a prostituição infantil uma das piores formas de trabalho infantil. “A decisão foi recorrida e poderá não prevalecer, mas foi, sem dúvida, um passo importante”, avaliou o palestrante. “Temos que assumir que somos também juízes da OIT”, arrematou.

    Outro ponto abordado pelo desembargador foi a hierarquia das normas internacionais. Ele explicou que o Brasil hoje distingue os tratados e convenções internacionais comuns daqueles que versam sobre direitos humanos. Desde a aprovação da Emenda Constitucional 45, de dezembro de 2004, lecionou Gunther, estes passaram a ter status de supralegalidade, salvo quando forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros (conforme dispõe o § 3º então acrescentado ao artigo da Constituição Federal), quando adquirem o status de supraconstitucionalidade, equivalendo às emendas constitucionais. O magistrado lembrou ainda a controvérsia gerada em torno da situação das convenções e tratados internacionais ratificados pelo Brasil antes da EC 45, a qual só seria resolvida em 2008, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, decidiu pelo caráter supralegal dessas normas. E observou que, independente do status da norma internacional, a própria constituição da OIT dispõe que a lei nacional deve prevalecer se for mais vantajosa para o trabalhador.

    O painelista mencionou também o avanço representado pela aprovação, em 1998, da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento. O documento é uma reafirmação do compromisso dos Estados-membros - 183, atualmente -, e da comunidade internacional em geral, de respeitar, promover e aplicar de boa-fé, independentemente de ratificação, os princípios e direitos inscritos nas convenções internacionais referentes à liberdade de associação e de organização sindical e ao reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; à abolição efetiva do trabalho infantil; e à eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

    Gunther lamentou, contudo, que, mesmo após a Declaração da OIT de 1998, algumas convenções sobre direitos fundamentais não tenham sido reconhecidas como fontes do direito pátrio. Ele citou o exemplo da Convenção 158 da OIT, que estabelece que ninguém pode ser despedido se não for apresentado um motivo pelo empregador, seja ele de ordem disciplinar, técnica, econômica ou financeira. A norma, que chegou a ser integrada ao ordenamento jurídico nacional como lei ordinária em abril de 1996, perdeu sua eficácia após ser denunciada, em novembro do mesmo ano, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e hoje é objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no STF, em que se questiona a possibilidade de sua denúncia sem o referendo do Congresso Nacional. “Caso o STF venha a acolher a Adin, a 158 deverá retornar à ordem jurídica, e, de acordo com o novo entendimento do Supremo, com valor supralegal”, esclareceu o professor.

    O palestrante também lamentou a não internalização em nosso ordenamento jurídico da Convenção 87 da OIT, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito de sindicalização, por força da vigência no País do princípio da unicidade sindical. Segundo ele, a vedação constitucional (artigo 8º, II) à criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial não constitui cláusula pétrea e precisa urgentemente ser superada pela diretriz internacional. “A liberdade sindical é fundamental para dar mais musculatura ao movimento sindical. Sem sindicatos livremente constituídos não há possibilidade de desenvolvimento regular das relações de trabalho”, defendeu o magistrado.

    Gunther mencionou ainda a Convenção 111 da OIT, sobre discriminação no emprego ou profissão, a qual, apesar de internalizada pelo Brasil em 1998, não conseguiu, segundo ele, afastar o caráter discriminatório de algumas normas estabelecidas em 1943 pela CLT. Entre elas, citou o artigo 373-A, inciso VI, que proíbe o empregador ou preposto de fazer revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias, e o artigo 384, que prevê um período de descanso remunerado de no mínimo 15 minutos para as mulheres, antes de iniciarem um período extraordinário de trabalho. Para o desembargador, os dois artigos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que veta qualquer tratamento discriminatório entre homens e mulheres, e embora o TST, por decisão de maioria, tenha mantido o entendimento de que estes são direitos apenas das mulheres, a questão ainda vai ser apreciada pelo STF, que poderá estendê-los para todos os trabalhadores.

    O palestrante concluiu sua participação no painel citando um juiz argentino “que distingue entre dois tipos de magistrados: o que fica na Torre de Marfim, limitando-se a seguir o que está previsto nas leis, e o que fica na Torre de Babel, que ouve as partes e por isso mesmo tem mais dificuldades para decidir”. Segundo Gunther, este último é o que faz o Direito avançar.

    O segundo painelista, o professor Carlos Alberto Toselli, iniciou sua exposição desculpando-se por não dominar o português, razão por que optou por palestrar em sua língua, o espanhol. Doutor em Direito e catedrático da Universidade Nacional de Córdoba, Toselli é também vogal da Sala Décima del Trabajo de la Cámara Unica del Trabajo de Córdoba.

    Autor e co-autor de importantes obras sobre o Direito do Trabalho e a Seguridade Social na Argentina, Toselli traçou um breve histórico da aplicação das normas da OIT em seu país, detendo-se nos efeitos da reforma constitucional argentina de 1994. O palestrante declarou-se totalmente favorável à aplicação universal do direito internacional do trabalho e lembrou que a Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, de 1986, estabelece, em seu artigo 27, que um Estado não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar a não execução de um tratado.

    A exposição do professor centrou-se, sobretudo, nos impactos das normas internacionais na ordem interna, na legislação e na jurisprudência dos países, destacando o exemplo argentino. Segundo ele, o nível de aplicação das convenções da OIT nos ordenamentos nacionais vai depender da colocação que se lhes seja assegurada na hierarquia normativa consagrada em cada país. Toselli advertiu, porém, que “sustentar um nacionalismo legal e jurisprudencial implica um retrocesso injustificável”.

    Esforços recompensados

    Ao final da palestra, o ministro Vitral Amaro chamou à mesa o presidente do TRT, desembargador Renato Buratto, que pronunciou breve discurso de encerramento do Congresso. “Mais uma vez demonstraram-se acertados todos os esforços da Comissão Organizadora deste evento na composição dos painéis e debates, realizados com a ímpar colaboração dos juristas, ministros, magistrados e autoridades convidados, sem os quais o brilho deste conclave certamente estaria esmaecido”, afirmou Buratto, expressando a alegria pelo trabalho bem feito. Segundo o magistrado, o congresso cumpriu perfeitamente o seu papel de “momento de reflexões sobre a árdua tarefa de distribuir-se justiça social neste país em franco desenvolvimento. Esperamos que os ensinamentos e conclusões extraídas pelos senhores, nestes dois dias de intensa contribuição aos estudos juslaborais, alcancem o nosso objetivo de continuar trilhando a seara de proporcionar, a todos, o aprimoramento do conhecimento jurídico brasileiro”.

    Na pessoa do desembargador, professor e colega José Antonio Pancotti, o presidente do TRT agradeceu a todos os membros da Comissão Organizadora do Congresso - integrada ainda pelos desembargadores Samuel Hugo Lima, Edmundo Fraga Lopes, Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani e Ana Paula Pellegrina Lockmann e pelos juízes Firmino Alves Lima e Patrícia Maeda - pelas “horas de dedicação, esmero e abnegação por este que, sem dúvida, hoje é o maior congresso de direito do trabalho e processual do trabalho brasileiro”. O magistrado agradeceu também aos patrocinadores e colaboradores do congresso e a todos os servidores do Regional envolvidos, de algum modo, na realização e funcionamento do encontro, em especial aos integrantes do Serviço de Comunicação Social da Corte.

    Voltando-se para o público, Buratto parabenizou a todos que “resistiram bravamente” à maratona que se encerrava. “Queremos conferir aos senhores, congressistas, não só o certificado de participação neste evento, mas também o selo do compromisso e zelo profissionais com os destinos da Justiça Social em nosso país.”

    • Publicações8277
    • Seguidores631994
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações233
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/ultimo-painel-do-congresso-do-trt-discutiu-a-aplicacao-pelo-juiz-do-trabalho-das-convencoes-da-oit/3172026

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)