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3 de Maio de 2024

Uma história, entre tantas, de tráfico de bebês para adoção ilegal

Israelenses como Chen Gavillon aprendem português e visitam o Brasil em busca de respostas sobre o seu passado

Publicado por Gabriel Toueg
há 9 meses

Resumo da notícia

Nos anos 1980, uma quadrilha liderada por Arlete Hilu tirava bebês ilegalmente do país e os vendiam por milhares de dólares a casais estrangeiros, especialmente em Israel

Conheço a história de Chen Levy Gavillon desde a minha primeira viagem a Israel, em 2002. A história dela é a história de pelo menos outras 3 mil crianças israelenses: durante a década de 1980, esse foi o número de brasileiros adotados por pais israelenses, muito devido à frouxidão jurídica que existia no Brasil, anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente. O limbo da época ajudava a acelerar o processo ilegal e tirar as crianças do país.

Além da falta de proteção jurídica no país, a quadrilha que traficava os bebês supostamente oferecia propinas a servidores de Juizados de Menores, funcionários de cartórios, policiais federais, juízes, além de envolver advogados e até profissionais de saúde em maternidades.


Anos atrás, em 2012, a novela “Salve Jorge”, da Rede Globo, mostrou o caso da personagem Aisha, uma jovem, filha (adotiva) de pais turcos que, ela viria a saber mais tarde na trama, tinha sido adotava por meios ilícitos. O tema central do folhetim era o tráfico internacional de pessoas e a autora, Gloria Perez, resolveu tocar no tema de forma mais abrangente: além de falar sobre mulheres que se encantavam por propostas de emprego irrecusáveis e acabavam virando vítimas de exploração sexual, a novelista também tocou no tema das adoções feitas a partir do tráfico internacional de crianças

Na novela, Aisha (vivida pela atriz Dani Moreno) era filha de um casal interpretado por Antonio Calloni e Zezé Polessa. Como Chen, a minha amiga de Israel, Aisha busca informações sobre a mãe biológica. Em geral, como eu venho observando desde que comecei a mergulhar no assunto, na época da novela da Globo, essas buscas costumam ser infrutíferas e muito frustrantes para os adotivos. A expectativa de conhecer a família brasileira e de participar de um reencontro muitas vezes é destruída em meio à papelada falsificada por meio da qual esses jovens, hoje com 30 a 40 anos, saíram do país.

Também em 2012, pouco depois de voltar de Israel e quando eu trabalhava como editor de Internacional do Estadão, contei a história de Chen no jornal. Ela tinha 27 anos à época e era mãe de uma menininha então recém-nascida. Vivia em Kfar Saba, cidade tranquila na região de Tel Aviv.

A arte imita a vida que imita a arte

Não é à toa que escrevo sobre Chen e sobre a novela de 2012 escrita por Gloria Perez. Em meio à trama e aos desafios ficcionais de Aisha, o folhetim também apresentava depoimentos reais de pessoas que, como a personagem, estavam atrás de respostas.

Uma dessas pessoas era Chen.

Eu me surpreendi, embora já soubesse da história dela, quando a vi na TV. E ao assistir ao seu depoimento, me emocionei ao vê-la, em prantos, contando sua história e pedindo ajuda. Foi daí que tive a ideia de escrever sobre seu caso específico de adoção, um entre tantos: Israelense adotada no Brasil nos anos 1980 busca os pais biológicos. Era uma forma de ajudar, embora nunca tenha dado em nada.

Dados assustadores e um recorde brasileiro

Estimativas dão conta de que o esquema criminoso de Arlete Hilu, chefe da quadrilha que atuava principalmente nos anos 1980, teria tirado do Brasil e de suas famílias biológicas até 12 mil crianças, que seriam adotadas fora do país, como Chen e a fictícia Aisha. Esses números colocam Arlete Hilu como a maior traficante de crianças do mundo, embora esse seja um dado de difícil comprovação. Ela mesma, entretanto, não rejeita o título. Em 2016, em sua última aparição pública, Arlete disse a todo pulmão:

“Pode me chamar de traficante de crianças. Fui traficante de crianças e essas crianças estão maravilhosamente bem” — Arlete Hilu

O tráfico de pessoas é uma dura realidade em todo o mundo, com um mercado que movimenta anualmente 150 bilhões de dólares - equivalente a 720 bilhões de reais. Em outras palavras, equivale ao PIB da Guatemala (USD 152.734.000, em 2021, segundo o World Factbook da CIA) e, portanto, maior do que 152 entre os 229 países que a agência dos EUA analisa.

E não é, claro, só o dinheiro. O tráfico explora todos os anos, por uma ou outra de suas modalidades, 25 milhões de pessoas, ou a soma da população inteira do estado de Minas Gerais (o 2º mais populoso do Brasil, atrás apenas de São Paulo) e dos 5 estados menos populosos do Brasil juntos (Roraima, Amapá, Acre, Tocantins e Rondônia).

[Os dados são do IBGE, segundo o Censo recém divulgado: MG (20.538.718), RR (636.303), AP (733.508), AC (830.026), TO (1.511.459), RO (1.581.016). Ao todo, são 25.831.030 de habitantes].

Um terço das vítimas do tráfico global de pessoas são crianças. No auge da pandemia, quando o mundo parou, o tráfico de pessoas era um mercado em ascensão. A própria pandemia abriu as portas para a exploração: sem aulas e com mais tempo online, crianças ficaram ainda mais vulneráveis ao tráfico.

Segundo dados do Disrupt Human Trafficking (DHT), há mais seres humanos sendo vendidos hoje ao redor do mundo do que em qualquer outro momento da história da humanidade. De acordo com o Conselho Consultivo da presidência dos EUA, uma criança se torna vítima de tráfico humano a cada 30 segundos no mundo.

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