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29 de Abril de 2024
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    Veja: Abin grampeou telefone do presidente do STF

    Há três semanas, Veja publicou reportagem revelando que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, foi espionado por agentes a serviço da Agência Brasileira de Inteligência. O diretor da Abin, Paulo Lacerda, foi ao Congresso e negou com veemência a possibilidade de seus comandados estarem envolvidos em atividades clandestinas. Sabe-se, agora, que os arapongas federais não só bisbilhotaram o gabinete do ministro como grampearam todos os seus telefones no STF. VEJA teve acesso a um conjunto de informações e documentos que não deixam dúvida sobre a ação criminosa da agência. O principal deles é um diálogo telefônico de pouco mais de dois minutos entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), gravado no fim da tarde do dia 15 de julho passado. A conversa, reproduzida na página anterior, não tem nenhuma relevância temática, mas é a prova cabal de que espiões do governo, ao invadir a privacidade de um magistrado da mais alta corte de Justiça do país e, por conseqüência, a de um senador da República, não só estão afrontando a lei como promovem um perigoso desafio à democracia.

    O diálogo entre o senador e o ministro foi repassado à revista por um servidor da própria Abin sob a condição de se manter anônimo. O relato do araponga é estarrecedor. Segundo ele, a escuta clandestina feita contra o ministro Gilmar Mendes, longe de ser uma ação isolada, é quase uma rotina em Brasília. Os alvos, como são chamadas as vítimas de espionagem no jargão dos arapongas, quase sempre ocupam postos importantes. Somente neste ano, de acordo com o funcionário, apenas em seu setor de trabalho já passaram interceptações telefônicas de conversas do chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e de mais dois ministros que despacham no Palácio do Planalto - Dilma Rousseff, da Casa Civil, e José Múcio, das Relações Institucionais. No Congresso, a lista é ainda maior. Segundo o araponga, foram grampeados os telefones do presidente do Senado, Garibaldi Alves, do PMDB, e dos senadores Arthur Virgílio, Alvaro Dias e Tasso Jereissati, todos do PSDB, e também do petista Tião Viana. Esse último, conforme o araponga, foi alvo da interceptação mais recente, que teve o objetivo "de acompanhar como ele está articulando sua candidatura à presidência do Senado". No STF, além de Gilmar Mendes, o ministro Março Aurélio Mello também teve os telefones grampeados.

    As gravações ilegais feitas pela Abin servem de base para a elaboração de relatórios que têm o presidente da República como destinatário final. Isso não quer dizer que Lula necessariamente tenha conhecimento de que seus principais assessores estejam grampeados ou que avalize a operação. Os agentes produzem as informações a partir do que ouvem, mas sem identificar a origem. Por serem ilegais, depois de filtradas, as gravações são destruídas. A do ministro Gilmar Mendes foi preservada porque, ao contrário das demais, ela foi produzida durante uma parceria feita entre a Abin e a Polícia Federal na operação que resultou na prisão do banqueiro Daniel Dantas, no início de julho. Os investigadores desconfiavam de uma suposta influência do banqueiro no STF e decidiram vigiar o presidente da corte. Gilmar Mendes já havia sido informado de que alguns comentários que ele fez com assessores no interior do gabinete tinham chegado ao conhecimento de outras pessoas - uma evidência de que suas conversas estavam sendo ouvidas. Desconfiado, solicitou à segurança do tribunal que providenciasse uma varredura. Os técnicos constataram a presença de sinais característicos de escutas ambientais, provavelmente de aparelhos instalados do lado de fora da corte. Não era só isso. O presidente do STF também tinha os telefonemas de seu gabinete gravados ininterruptamente. A Abin recebia e analisava, por dia, mais de duas dezenas de ligações do ministro. Foi para provar o que dizia que o funcionário mostrou uma delas.

    INIMIGOS ÍNTIMOS

    O ex-ministro José Dirceu teve seu escritório arrombado em São Paulo. Os ladrões só levaram a CPU do computador, embora houvesse outros objetos de valor. Dirceu aponta os espiões do governo como responsáveis pela invasão e acusa o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a Abin de estarem por trás das ações clandestinas. A suspeita, gravíssima, já foi informada por Dirceu ao presidente Lula. O ex-ministro diz que foi advertido sobre a perseguição, que incluía grampos clandestinos em seus telefones e nos de seus familiares

    De acordo com os registros, o senador Demóstenes Torres ligou para o ministro Gilmar Mendes às 18h29 para tratar de um problema relacionado à CPI da Pedofilia. Na ocasião, Mendes não pôde atender porque estava a caminho do Palácio do Planalto para uma audiência com o presidente Lula. Três minutos depois, às 18h32, a secretária retornou a ligação para o gabinete do senador e a transferiu para o celular do ministro. A conversa foi rápida. O presidente do Supremo agradeceu a Torres pelo pronunciamento no qual havia criticado o pedido de impeachment protocolado contra ele no Congresso. Na semana anterior, Mendes havia mandado soltar o banqueiro Daniel Dantas, o que provocou, além do pedido de impeachment, uma barulhenta reação da polícia e do Ministério Público. As entidades enxergaram na decisão do ministro - polêmica, mas felizmente tomada sob inspiração das leis vigentes - uma tentativa de impedir a punição dos corruptos. A Polícia Federal e a Abin interpretaram a decisão como uma confirmação de que alguma coisa errada se passava no gabinete do ministro e decidiram intensificar as ações ilegais. A partir daí, o presidente do Supremo e seus assessores mais próximos passaram a ser ouvidos, grampeados e seguidos pelos arapongas.

    O diálogo em poder da Abin foi apresentado ao ministro Gilmar Mendes e ao senador Demóstenes Torres. Ambos confirmaram o teor da conversa, a data em que ela aconteceu e reagiram com indignação. "Não há mais como descer na escala da degradação institucional. Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do Supremo Tribunal Federal é coisa de regime totalitário. É deplorável. É ofensivo. É indigno" , disse o ministro, anunciando que vai pedir providências diretamente ao presidente Lula. "Não acredito que a ação da Abin ou da Polícia Federal seja oficial, com o conhecimento do governo, mas cabe ao presidente da República punir os responsáveis por essa agressão", acrescentou Mendes. O senador Demóstenes Torres também protestou: "Essa gravação mostra que há um monstro, um grupo de bandoleiros atuando dentro do governo. É um escândalo que coloca em risco a harmonia entre os poderes". O parlamentar informou que vai cobrar uma posição institucional do presidente do Congresso, Garibaldi Alves, sobre o episódio, além de solicitar a convocação imediata da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso para analisar o caso. "O governo precisa mostrar que não tem nada a ver e nem é conivente com esse crime contra a democracia."

    A atuação descontrolada dos arapongas oficiais está provocando crises dentro do próprio governo. Em conversas reservadas com assessores, Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete do presidente Lula, que também foi vítima de espionagem clandestina, suspeita de uma conspiração em andamento para criar dificuldades ao governo. A teoria ganhou um reforço de um peso pesado do petismo. O ex-ministro José Dirceu, acostumado a freqüentar o noticiário como suspeito de alguma coisa, tem contado a amigos que é vítima de uma intensa perseguição de arapongas. A mais explícita, segundo ele, aconteceu em março passado. Um advogado, muito amigo do ex-ministro, recebeu a informação de que os telefones de Dirceu, de seus advogados e de alguns familiares estariam clandestinamente grampeados. Além disso, o escritório de Dirceu em São Paulo sofreria uma "entrada" - no jargão dos arapongas isso significa uma invasão clandestina disfarçada de roubo. O alerta, segundo o advogado, foi feito por um policial. Dias depois, o escritório do ex-ministro foi invadido. De acordo com o boletim de ocorrência registrado na delegacia, eram ladrões diferenciados, pois não se interessaram em levar uma televisão de plasma, uma cafeteira italiana, celulares e objetos de valor. Furtaram apenas a CPU do computador. Os "ladrões" também não deixaram marcas nas portas nem impressões digitais. A polícia paulista informou que o crime provavelmente foi praticado por uma gangue de catadores de papel.

    No fim de junho, José Dirceu avisou o presidente Lula que estava sendo vítima de operações ilegais e que suspeitava da ação conjunta da Polícia Federal e da Abin. Em público, o ministro não faz acusações diretas contra ninguém, mas, para o presidente, ele foi explícito: Dirceu acusa o atual diretor da Abin, Paulo Lacerda, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, de estarem por trás de um complô para prejudicá-lo, recorrendo a supostas ações ilegais contra ele, inclusive a invasão do escritório. "Mandei também avisar o presidente que estava sendo escutado ilegalmente", disse o ex-ministro a um interlocutor na semana passada. Dirceu considera Tarso Genro, que é do PT, mas de uma corrente interna diferente da sua, como desafeto político. O ministro da Justiça estaria usando o aparato policial contra Dirceu para tentar minar sua influência no partido. Paranóia? Talvez. O fato é que a ação clandestina dos arapongas, sejam eles da Abin ou ligados à Polícia Federal, está criando entre políticos, magistrados e autoridades em Brasília um clima que não se percebia desde os tempos do velho SNI, o serviço de inteligência criado no regime militar, que serviu, por mais de duas décadas, como instrumento de perseguição de adversários. Havia mais de um ano que o ministro Gilmar Mendes suspeitava que seus telefones estavam sendo grampeados. Parecia paranóia.

    O diálogo

    GILMAR MENDES

    "Gravar clandestinamente os telefones do presidente do STF é coisa de regime totalitário. É deplorável. É ofensivo. É indigno" DEMÓSTENES TORRES

    "Há um grupo de bandoleiros atuando dentro do governo. É um escândalo que coloca em risco a harmonia entre os poderes"

    Gilmar Mendes - Oi, Demóstenes, tudo bem? Muito obrigado pelas suas declarações.

    Demóstenes Torres - Que é isso, Gilmar. Esse pessoal está maluco. Impeachment? Isso é coisa para bandido, não para presidente do Supremo. Podem até discordar do julgado, mas impeachment...

    Gilmar - Querem fazer tudo contra a lei, Demóstenes, só pelo gosto...

    Demóstenes - A segunda decisão foi uma afronta à sua, só pra te constranger, mas, felizmente, não tem ninguém aqui que embarcou nessa "porra-louquice". Se houver mesmo esse pedido, não anda um milímetro. Não tem sentido.

    Gilmar - Obrigado.

    Demóstenes - Gilmar, obrigado pelo retorno, eu te liguei porque tem um caso aqui que vou precisar de você. É o seguinte: eu sou o relator da CPI da Pedofilia aqui no Senado e acabo de ser comunicado pelo pessoal do Ministério da Justiça que um juiz estadual de Roraima mandou uma decisão dele para o programa de proteção de vítimas ameaçadas para que uma pessoa protegida não seja ouvida pela CPI antes do juiz.

    Gilmar - Como é que é?

    Demóstenes - É isso mesmo! Dois promotores entraram com o pedido e o juiz estadual interferiu na agenda da CPI . Tem cabimento?

    Gilmar - É grave.

    Demóstenes - É uma vítima menor que foi molestada por um monte de autoridades de lá e parece que até por um deputado federal. É por isso que nós queremos ouvi-la, mas o juiz lá não tem qualquer noção de competência.

    Gilmar - O que você quer fazer?

    Demóstenes - Eu estou pensando em ligar para o procurador-geral de Justiça e ver se ele mostra para os promotores que eles não podem intervir em CPI federal , que aqui só pode chegar ordem do Supremo. Se eles resolverem lá, tudo bem. Se não, vou pedir ao advogado-geral da Casa para preparar alguma medida judicial para você restabelecer o direito.

    Gilmar - Está demais, não é, Demóstenes?

    Demóstenes - Burrice também devia ter limites, não é, Gilmar? Isso é caso até de Conselhão.

    (risos)

    Gilmar - Então está bom.

    Demóstenes - Se eu não resolver até amanhã, eu te procuro com uma ação para você analisar. Está bom?

    Gilmar - Está bom. Um abraço, e obrigado de novo.

    Demóstenes - Um abração, Gilmar. Até logo.

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