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7 de Maio de 2024
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    Vítimas de discriminação ou preconceito passam a contar com serviço especializado em Curitiba

    Vítimas de racismo, homofobia, xenofobia e outras formas de preconceito passaram a contar com atendimento especializado em Curitiba. A partir de solicitação do Ministério Público do Paraná, por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça (Caop) de Proteção ao Direitos Humanos, a Secretaria de Segurança do Paraná (Sesp) criou o Setor de Atendimento ao Vulnerável, no âmbito da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil. A unidade policial, a primeira no Paraná com esse perfil, começou a funcionar no início de dezembro e atua no registro e investigação de crimes de ódio.

    “Merece realce a importância desta iniciativa, que coloca o Paraná como pioneiro no atendimento policial especializado e humanizado das vítimas de crime de ódio”, destaca a secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do governo federal, Luislinda Valois, que na última semana visitou o setor especializado, na companhia do coordenador do Centro de Apoio, procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, e da promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, responsável pelo Núcleo de Promoção de Igualdade Racial (Nupier) do MP-PR.

    O coordenador do Caop lembrou que a criação da unidade começou a ser discutida no final do ano passado, sendo definida em uma reunião realizada em outubro com o governador Beto Richa, com a participação da secretária e de advogadas integrantes da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PR, entre outras autoridades. “Na ocasião, houve a orientação, por parte do Ministério Público do Estado, da Seppir e da OAB-PR, para a criação efetiva do setor, o que foi acolhido pelo governo”, diz Olympio. “Os crimes de ódio, de preconceito, são formas de agressão que devem ser coibidas e punidas com todo rigor. A instalação da unidade especializada vem neste sentido, de oferecer uma alternativa às vítimas e seus familiares, em local onde receberão o acolhimento necessário”, afirma o procurador.

    Suporte às vítimas – O delegado titular da DHPP, Fabio Amaro, diz que a intenção é oferecer atendimento diferenciado às vítimas deste tipo de crime e seus familiares. “São pessoas que chegam em um contexto de vulnerabilidade grave e que precisam ser amparadas de acordo com cada situação”, afirma. Ele conta que a equipe do novo setor recebeu capacitação para tratar da matéria. “Com o atendimento específico também poderemos realizar um levantamento a respeito das demandas de casos ligados a crimes de ódio, que ficavam difusos entre os registros feitos por todas as delegacias de polícia”, diz Amaro. “Isto deve auxiliar inclusive a ampliar a atuação do setor especializado, que, se necessário, poderá se transformar em uma delegacia”, explica.

    O novo setor foi instituído pelo Decreto 5241, de outubro de 2016 (aqui), que alterou o Decreto-Lei 10.713/14, passando a incluir, entre as atribuições da DHPP, “a apuração de crimes dolosos, incluindo o homicídio, em que for identificada a motivação por discriminação ou preconceito de cor, raça ou etnia, religião, procedência nacional, idade, identidade de gênero, orientação sexual, bem como em razão de a pessoa ser deficiente ou estar em situação de rua, dentre outros”.

    Números impressionam – A grande maioria dos casos que podem ser classificados como “crimes de ódio” (tipificação literal ainda inexistente) se refere a racismo e intolerância, práticas criminosas previstas na Lei Federal 7.716/89, que define punições para os crimes resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. A Constituição Federal também estabelece como imprescritível o crime de racismo. Uma pessoa que comete este tipo de crime está sujeita a reclusão de até cinco anos.

    Segundo dados do sistema PRO-MP levantados pelo Caop de Proteção ao Direitos Humanos, a cada quatro dias, três pessoas, em média, são vítimas de racismo ou injúria racial no Paraná (dados de2016). Até o dia 12 de dezembro, foram instaurados 207 inquéritos policiais no estado para apuração de crimes raciais. Números da ONG SaferNet, entidade que desde 2006 monitora crimes e situações de agressão na internet no Brasil, apontam que só em 2015 houve 86.279 registros de denúncias envolvendo crimes de ódio praticados na internet no país – casos de racismo, intolerância religiosa, homofobia, neonazismo e apologia/incitação à violência. Só o racismo responde por 55.369 registros. Estas são situações verificadas apenas na internet, sem contar os casos ocorridos no “mundo real”.

    Condenação internacional –
    A promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, responsável pelo Núcleo de Promoção de Igualdade Racial (Nupier) do MP-PR, do CAOP de Proteção aos Direitos Humanos, destaca que além dos números relativos a vítimas de racismo no Estado, existem os que não fazem o registro. “Há ainda que se ressaltar que é constante a reclamação de ofendidos que não conseguem registrar crimes raciais, sendo dissuadidos pelos agentes policiais de formalizar a ocorrência ou encaminhados aos Juizados Especiais Criminais como vítimas de injúrias simples”, aponta a promotora. Ela lembra ainda que o Brasil segue condenado junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por não ter prestado o atendimento adequado a uma vítima de racismo.

    No caso, ocorrido em 1997, em São Paulo (SP), uma mulher havia colocado anúncio para contratar empregada doméstica, com o adendo de que candidatas “da cor branca” teriam preferência. A vítima, sem conhecimento deste detalhe, buscou informações sobre a vaga de trabalho, mas, como informou ser negra, foi dispensada por “não preencher os requisitos para o cargo”. “Este julgamento é emblemático porque demonstra a vulnerabilidade a que são submetidas as vítimas de racismo, até hoje, bem como uma situação generalizada de desigualdade no acesso à justiça, também ainda presente”, afirma Mariana.

    População de rua – Além dos registros de racismo, a unidade especializada tratará dos casos envolvendo moradores de rua. “É uma parcela da população absolutamente vulnerável e que encontra muita dificuldade em buscar auxílio quando é vítima de agressão”, conta a promotora de Justiça Ana Paula Pina Gaio, que também atua junto ao Caop de Direitos Humanos, no Núcleo de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua (Pop Rua). “A imensa maioria não registra as situações de violência que sofre. Quando os registros ocorrem, a regra é a subnotificação da ocorrência”, diz.

    Ana Paula conta que o “Pop Rua” faz um trabalho de acompanhamento dos homicídios envolvendo pessoas em situação de rua, a partir de casos que chegam ao MP-PR ou através da imprensa. A partir desta demanda, a Polícia Civil informou que, de 2014 até julho deste ano, foram abertos 21 inquéritos policiais que tratam de pessoas em situação de rua, mortas em Curitiba. Deste total, foi identificada a autoria em três situações. “É este quadro que esperamos que seja revertido a partir da instalação do setor especializado. Que estes crimes recebam o acompanhamento diferenciado e que os agressores sejam responsabilizados”, diz a promotora.

    Um crime, muitas vítimas – Para o especialista na matéria, promotor de Justiça Christiano Jorge Santos, do Ministério Público de São Paulo, autor do livro Crimes de Preconceito e de Discriminação, um dos grandes desafios em relação à persecução de crimes de ódio está no fato de não haver definição legal do delito. “O crime de ódio abrange uma série de crimes. É como nos casos de cyberbullying, a perseguição na internet: há pessoas que são vítimas deste tipo de agressão por serem negras, outras por serem obesas. Normalmente são casos de racismo, mas fato é que por trás desta denominação não há parâmetro ou limitação”, explica.

    Santos observa também que há pouco conhecimento a respeito da Lei 7.716/89 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor), até mesmo por parte dos operadores do Direito e da Polícia. “É fundamental que se conheça a lei, que se saiba como tipificar estas condutas, para que haja a punição devida dos criminosos”, avalia. “Defendo uma mudança de mentalidade inclusive nossa, como promotores de Justiça, que muitas vezes, tendemos a evitar ou a não dar a devida atenção a este tipo de crime. Damos mais ênfase a um caso de furto do que a um de racismo”, afirma. “Precisamos mudar e nos preparar melhor neste sentido. Há uma demanda social imensa e cada vez maior envolvendo esta forma de agressão”, avalia.

    Racismo institucionalizado
    O presidente do Conselho Municipal de Política Étnico Racial (Comper) de Curitiba e presidente estadual da União de Negros pela Igualdade (Unegro/Paraná), Denis Denilto Laurindo, afirma que há uma grande expectativa em relação à instalação da unidade de polícia especializada. “Vemos a criação do setor de atendimento em Curitiba como uma vitória do movimento social, mas esperamos que seja o início de algo maior, a ser replicado em todo estado do Paraná”, propõe, destacando o fato de 23% da população curitibana declarar-se negra.

    Laurindo diz ainda que a criação do atendimento especializado deve auxiliar a coibir o que ele define como “racismo institucional”, que seria generalizado no Brasil. “Esta forma de racismo é a mais presente em nosso país, está incutida profundamente na sociedade brasileira”, explica o presidente do Comper. “É o racismo inerente às instituições, ao Estado, ao Poder Público, às grandes corporações, que vê como natural, por exemplo, o fato de uma grande empresa, com milhares de funcionários, ter apenas um gerente negro. É o racismo que busca convencer que isto é normal, mesmo quando mais da metade da população do país é negra”, sustenta.





























    O delegado Fábio Amaro, a promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, a secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Luislinda Valois e o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto

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