Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    VÍTIMAS DE TORTURA NA CADEIA IGNORAM DIREITO À INDENIZAÇÃO

    há 13 anos

    Entre 2008 e 2010, ouvidoria do Estado recebeu 1.556 denúncias

    Choques elétricos, humilhações, chutes e ameaças fizeram parte da rotina de Ricardo*, 23, em um período de um ano, entre 2009 e 2010. Preso por furto no presídio de Caratinga, no Vale do Rio Doce, ele acusa o ex-diretor do local, Nilton Rodrigues, e seis agentes penitenciários pelas agressões. Todos foram exonerados do cargo há duas semanas.

    Na teoria, a lei nº 19.488, em vigor desde janeiro, seria uma resposta do Estado às atrocidades cometidas atrás das grades. A norma prevê a indenização para qualquer vítima de tortura praticada por um agente do Estado. Na prática, no entanto, o medo de retaliações e a burocracia ainda não permitiram qualquer mudança. Entre 2008 e 2010, a Ouvidoria do Sistema Penitenciário recebeu 164 denúncias de tortura. O número sobe para 1.556 se considerados maus-tratos, abuso de autoridade e lesão corporal.

    Apesar do índice elevado, nenhum processo de indenização está em curso e ninguém até o momento foi ressarcido (exceto vítimas de tortura no período da ditadura).

    A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) é a responsável por analisar as ocorrências e pagar o valor devido. Uma das exigências da lei é que o servidor público acusado tenha sido julgado e condenado em todas as instâncias.

    Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, o promotor Rodrigo Filgueira diz que a dificuldade na comprovação da violência é um entrave para a punição dos culpados e o pagamento das indenizações. "A vítima permanece no próprio local, sob a vigilância dos algozes. As marcas da agressão desaparecem rápido. Os depoimentos são comprometidos pelo medo de represálias", diz.

    O desconhecimento da lei é outro problema, afirma o diretor do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da Sedese, Emílcio Vilaça."O Estado percebeu o crescimento dos casos e fez mea-culpa. As pessoas ainda não recorreram aos seus direitos".

    O deputado Durval Ângelo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, recomenda a busca pela indenização. Segundo ele, 60% das denúncias que recebe envolvem o sistema penitenciário. "A violência não é isolada. Se há o relato de uma tortura em um lugar, logo aparecem outros", afirma o deputado. Ele avalia, no entanto, que a corregedoria da polícia tem atuado na punição dos envolvidos.

    * Nome fictício

    Minientrevista: Rodrigo Filgueira promotor de defesa dos direitos humanos

    O número de denúncias de tortura cresceu? sistema prisional cresceu muito, e para isso houve uma contratação em massa de pessoas que não são concursadas e não têm preparação para atuar na função de agente.

    O senhor considera que a qualificação dos profissionais que lidam com os presos está relacionada às agressões? O treinamento do Estado tem sido aquém do desejado. Essas pessoas precisariam passar por uma avaliação psicológica e por uma preparação. Muitas atuam sem ter o perfil adequado, já que essa é uma área tensa.

    Como o Ministério Público age quando recebe uma denúncia? Pedimos uma investigação da Justiça. Encaminhamos a denúncia para a ouvidoria e para a Secretaria de Estado de Defesa Social (Sedese).

    Quais as dificuldades em comprovar a tortura? A produção de provas. A pessoa denuncia geralmente durante uma visita. Entre a agressão e esse momento, as marcas podem desaparecer. Outra dificuldade é que muitas agressões não deixam rastros, como, por exemplo, a colocação de saco plástico na cabeça para asfixia.

    Minientrevista: Marlene Alves ouvidora do sistema penitenciário

    Como os casos de denúncia chegam até a ouvidoria? As pessoas têm que apresentar suas queixas nos postos de atendimento, por telefone, e-mail ou carta.

    Como vocês apuram os casos reclamados? A ouvidoria é uma instituição independente, criada em 2004. Temos total autonomia para agir. O ouvidor contratado por seleção tem toda a imparcialidade. Esse é o canal mais rápido para o cidadão conseguir o retorno de uma demanda e o cumprimento das leis.

    Para onde as denúncias são encaminhadas? Todas as queixas são levadas à Corregedoria do Sistema Prisional. Eles apuram se o agente cometeu alguma infração. As denúncias mais graves são encaminhadas diretamente para o Ministério Público Estadual.

    Quem fica a cargo de investigar a veracidade da tortura? A corregedoria. A ouvidoria acompanha o trabalho que eles desempenham. Mas nós não investigamos nem punimos ninguém. A lei nº 15.298 estabelece uma multa de R$ 1.090 caso algum órgão, como a corregedoria, por exemplo, não envie explicações sobre a denúncia dentro dos prazos estabelecidos.

    "Ele levou chutes no rosto"

    Diretor de presídio se afastou do cargo após inúmeras denúncias

    Ao chegar para visitar o filho de 21 anos na prisão, no domingo do Dia das Mães do ano passado, a desempregada Ângela de Paulo não imaginava que o encontraria todo machucado e mais magro. "Ele levou chutes no rosto. Soltaram cachorros nele e o arrastaram desmaiado pelo chão. Sei que ele errou e precisa pagar. Só peço que seja com dignidade", afirma ela.

    O filho de Ângela cumpre pena por roubo há um ano e meio no presídio de Muriaé, na Zona da Mata. O jovem tem esquizofrenia e, segundo a desempregada, foi vítima de tortura por diversas vezes. Ele não seria o único. Depois de várias denúncias, o diretor da unidade, João Silas, pediu afastamento em outubro passado.

    Ângela registrou queixa na delegacia local e espera o fim do processo para entrar com um pedido de indenização contra o Estado. Pela lei, o valor parte de R$ 5.453 (lesão corporal), mas pode chegar a R$ 109 mil em caso de morte.

    Relatos de abusos de autoridade no sistema penitenciário são comuns. Parentes dos presos exigem que a punição aos crimes se restrinja à sentença determinada pela Justiça. "Eles (agentes) não precisam de desculpa para bater", lamenta Ângela.

    O medo de represálias ainda tira a coragem de muitas famílias para denunciar. A comerciante J.S conta que o filho de 21 anos, preso por tráfico, já foi vítima de violência quando estava preso no Ceresp da Gameleira, na capital. Ela diz que não vai à Justiça por medo de o filho ser perseguido. "Policiais e agentes moram aqui perto de casa", conta.

    O promotor Joaquim Miranda, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais, avalia que a ação da família deve ser rápida. "Em alguns dias, as marcas desaparecem. O preso deve ser levado a um hospital ou chamar um promotor que determine o exame de corpo de delito. Em caso de suspeita, pedimos a filmagem das unidades", informa.

    Violência. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia é um dos canais de denúncia mais procurados. Ao tomarem conhecimento de um caso de tortura, deputados visitam a unidade e convocam parentes para audiência pública.

    O presidente da comissão, Durval Ângelo (PT), observa que os agressores costumam usar toucas ninjas, o que dificulta o reconhecimento do autor. "As agressões não acontecem em público. Elas se dão em salas reservadas, de maneira muito particular", denuncia.

    Abusos em Minas

    - Abril/2011 - Em Caratinga (Zona da Mata), o diretor do presídio Nilton Rodrigues é exonerado, acusado de torturar os presos com balas de borracha e choques elétricos ao som de música evangélica.

    - Março/2010 - Em São Sebastião do Paraíso (Sul de MG), o diretor Osvaldo Rattis e agentes são acusados de torturar dez presos. Eles teriam colocado granada na boca deles.

    - Janeiro/2010 - O diretor do presídio de Coronel Fabriciano (Vale do Aço), Ulisses Melo, e agentes são denunciados por agressões. Um interno quase ficou cego pelo uso de spray de pimenta e outro teve o tímpano perfurado.

    Transcrito do jornal “O Tempo” (09/05/2011)

    • Publicações7681
    • Seguidores48
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações116
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/vitimas-de-tortura-na-cadeia-ignoram-direito-a-indenizacao/2677636

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)