Você confia na sua memória? Infelizmente, o processo penal depende dela
A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro (especialmente na criminalidade clássica) e, ao mesmo tempo, o mais perigoso, manipulável e pouco confiável. Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário.
O processo penal acaba por depender, excessivamente, da ‘memória’ das testemunhas, desconsiderando o imenso perigo que isso encerra. Nossa memória é fragilíssima, manipulável, traiçoeira ao extremo. O mais interessante é ver como o processo acredita na ‘memória’ em relação a um fato ocorrido há muitos meses (senão até anos), sem perceber que no nosso dia a dia, muitas vezes, sequer somos capazes de recordar o que fizemos no dia anterior... Quantas vezes você não chegou em casa a noite e disse: eu não recordo o que eu fiz hoje de manhã!
Isso decorre da impossibilidade de armazenarmos tudo o que vemos e ouvimos em um dia, acrescido do fato de que vivemos em uma sociedade hiperacelerada, com milhares de estímulos visuais e informativos diários, que fazem com que a velocidade dos fatos não permita que eles se fixem na memória.
Não lembramos o que fizemos de manhã, mas acreditamos no depoimento de alguém, meses depois do fato.
Mas, como se não bastasse toda a complexidade que encerra a questão ‘memória’, ainda temos as manipulações (endógenas ou exógenas) e as defraudações da memória. Neste terreno, muito se tem falado das ‘falsas memórias’. É delas que nos ocuparemos neste breve espaço[i].
As falsas memórias se diferenciam da mentira, essencialmente, porque, nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando, pois a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso. Já a mentira é um ato consciente, em que a pessoa tem noção[1] do seu espaço de criação e manipulação.
Ambos são perigosos para a credibilidade da prova testemunhal, mas as falsas memórias são mais graves, pois a testemunha ou vítima desliza no imaginário sem consciência disso. Daí por que é mais difícil identificar uma falsa memória do que uma mentira, ainda que ambas sejam extremamente prejudiciais ao processo.
É importante destacar que, diferentemente do que se poderia pensar, as imagens não são permanentemente retidas na memória[2] sob a forma de miniaturas ou microfilmes, tendo em vista que qualquer tipo de “cópia” geraria problemas de capacidade de armazenamento, devido à imensa gama de conhecimentos adquiridos ao longo da vida.
É o que explica António Damásio:[3] “as imagens não são armazenadas sob forma de fotografias de coisas, de acontecimentos, de palavras ou de frases. O cérebro não arquiva fotografias Polaroid de pessoas, objetos, paisagens; não armazena fitas magnéticas com música e fala; não armazena filmes de cenas de nossa vida; nem retém cartões com ‘deixas’ ou mensagens de teleprompter do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida. (...) Se o cérebro fosse uma biblioteca esgotaríamos suas prateleiras à semelhança do que acontece nas bibliotecas”.
Nessa complexidade insere‑se a questão da prova testemunhal e dos reconhecimentos, pois, em ambos os casos, tudo gira em torno da (falta de) “memória”.
Provavelmente a maior autoridade nessa questão das falsas memórias, na atualidade, seja Elizabeth Loftus,[4] cujo método revolucionou os estudos nessa área ao demonstrar a possibilidade de implantação...
Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico
5 Comentários
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Para quem se interessa sobre o assunto, dois vídeos muito interessantes!
The fiction of memory - 17 min
http://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_the_fiction_of_memory.html
Why eyewitnesses get it wrong - 18 min
http://www.ted.com/talks/scott_fraser_the_problem_with_eyewitness_testimony.html continuar lendo
Este assunto não é interesse apenas da área forense.
No vídeo de Elizabeth Loftus aparece também aplicação comercial.
Mas os doutores no assunto são dos GRAMSCIANOS, que por meios de técnicas de desinformação manipulam o inconsciente coletivo, conseguindo alterar, de acordo com sua conveniência, a percepção da população acerca de sua própria história. continuar lendo
A minha memória tem registrado fatos importantes de minha vida passada, e, que, foi participada por pessoas próximas, que devido a relevância são lembradas. continuar lendo
Quem milita na área criminal, sabe que policiais militares e civis costumam ser donos de uma memoria prodigiosa, capaz de narrar com mínimos detalhes fatos ocorridos há vários meses ou até anos, mesmo que esses profissionais façam a mesma coisa todos os dias. É incrível mesmo! continuar lendo
É por isso e tantos outros, que a perícia realizada por profissional experiente e da área específica, bem como, no tempo certo é importante, pois uma prova de tão relevância para o processo esta pode se perder pela falha na colheita. Atualmente, já se sabe que a perícia mal realizada pode comprometer significativamente o andamento do processo. continuar lendo