Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    Voto brasileiro contra a Resolução do Conselho de Direitos Humanos é símbolo do retrocesso

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Noticia-se que Brasil votou contra Resolução do Conselho de Direitos Humanos para monitorar os impactos das políticas fiscais sob o argumento de que a medida é contrária às reformas econômicas do governo[1].

    Antes de comentar, cumpre aclarar que o Conselho de Direitos Humanos (antes comissão) tem por atribuição proteger os direitos humanos em virtude dos direitos previstos na Carta da ONU e na Declaração Universal de Direitos Humanos. Trata-se de órgão vinculado à Assembléia Geral da ONU e também ao Conselho Econômico Social. Realiza procedimentos especiais para investigar violações de direitos humanos (com peritos especiais), relatorias especializadas (com relatores) e recebe denúncias (de indivíduos ou grupo de indivíduos) para comprovados casos de graves violações que sejam padrão no país[2]. É composto pelo mecanismo de revisão periódica universal (em que os Estados submetem relatórios anuais), pelo comitê consultivo e pelo procedimento de reclamação[3].

    Deve-se ter clara a distinção entre o sistema de proteção advindo da Carta da ONU (Assembléia Geral, Conselho de Direitos Humanos, Conselho de Segurança, Secretaria Geral e Alto Comissariado) e o sistema de proteção advindo de tratados que contam os respectivos comitês (que contam com o apoio da Secretaria Geral). Quando da notícia da petição de Lula, ficou patente a desinformação sobre a diferença entre conselho e comitê, inclusive por parte de professores em direito.

    Grosso modo, a possibilidade de envio de relatores especiais compõe o monitoramento internacional dos direitos humanos, que também é feito pela sociedade civil. Tanto é assim que a organização da sociedade civil Conectas exerce um papel importante, acompanhando reuniões da ONU e apresentando notas técnicas em coalizão com a sociedade civil organizada mundial. A notícia que ora se comenta sobre medidas de austeridade fiscal surgiu pelo trabalho da combativa associação, que acompanha nossa política externa em matéria de direitos humanos.

    Mas como se sabe, muitas vezes, a diplomacia não passa de um teatro, pois quem vem das relações internacionais, como o que subscreve, sabe que determinantes são os atores por detrás das decisões. Existe gente lucrando com a austeridade fiscal. Referida organização da sociedade civil também se preocupa com direitos humanos e empresas, daí porque se deva ter uma compreensão maior da restrição orçamentária dos direitos sociais, pois aí estão imbricados atores internacionais privados – leiam-se bancos – sem responsabilidade pelos danos que causam a direitos humanos.

    O debate entre avaliação de políticas públicas e direitos humanos vem sendo travado recentemente[4] e, atualmente, insere-se em meio ao tema do monitoramento de direitos humanos por meio de indicadores sociais, o que na literatura estrangeira se nomina por metrics and human rights[5], ou mais especificamente, por indicadores de direitos econômicos, sociais e culturais.

    A questão dos indicadores de direitos humanos já veio tratada pelo chamado mecanismo dos tratados (vide Resolução do Conselho Permanente da OEA n. 1022 e Observações Gerais ns. 3 e 12 do Comitê em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU), que além de estabelecer critérios para os Estados apresentarem seus relatórios de progressividade em direitos sociais, também determina a obrigação de tomar todas as medidas no máximo de seus recursos orçamentários, com as respectivas obrigações de respeitar (abstenção de interferir em direitos humanos); proteger (medidas que o Estado deve assumir para que empresas, bancos ou indivíduos não privem os indivíduos da fruição de direitos); e cumprir (atingir um nível mínimo de realização dos direitos)[6].

    Para além do sistema de tratados, as resoluções do Conselho de Direitos Humanos constituem mais uma possibilidade de atuação de monitoramento e também de raciocínio aos juízes constitucionais de que em matéria de direitos humanos é vedado o retrocesso social, donde a importância de se votar uma Lei de Responsabilidade Social, pois para que além de metas fiscais (ou prisionais para gratificar policiais), que se tenham metas sociais passíveis de fiscalização e acompanhamento da sociedade civil e que os números sejam traduzíveis e compreensíveis ao cidadão comum.

    Dita resolução sobre impactos de políticas de austeridade foi aprovada, porém com o voto contrário da diplomacia brasileira, que mudou de posição, dado que historicamente vinha dando apoio a resoluções com o mesmo teor (2008, 2011 e 2014). A virada de posição é extremamente preocupante dada a influencia brasileira no retrocesso em direitos humanos no campo internacional, mas não deixa de ser compreensível e coerente com as medidas regressivistas impostas pelo governo no plano doméstico.

    A resolução dispõe sobre a extensão de prazo do mandato do relator especial, para que ele preste especial atenção para: os efeitos da dívida pública e outras obrigações financeiras internacionais e a correspondente capacidade do Estado em atender a promoção e realização dos direitos sociais; os efeitos de reformas econômicas na realização das metas de desenvolvimento sustentável da ONU; bem como o impacto dos fluxos financeiros ilícitos na fruição de direitos humanos.

    Esse é o tema das emendas constitucionais que ensejam o Estado brasileiro em responsabilidade internacional por descumprimento de obrigação de progressividade em direitos sociais. A emenda do teto dos gastos públicos agora está sob mira internacional. No sistema de tratados, isso tem nome: emendas constitucionais inconvencionais.

    Em tempos de narrativas e contranarrativas sobre a reforma da previdência e seu propagandeado déficit, é tempo de seguirmos nosso apoio à ADPF 415 para declarar o estado inconstitucional de coisas na seguridade social e rechaçar a postura da diplomacia brasileira que não nos representa, pois ela não é brasileira, é a diplomacia de Michel Temer, aquela que representa os atores das finanças internacionais.

    Konstantin Gerber é advogado, mestre e doutorando em filosofia do Direito, PUC SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais. Bacharel em Relações Internacionais, PUC SP. Professor convidado do curso de especialização.

    [1] MELLO, Patrícia Campos. Por austeridade, Brasil vota contra resolução de direitos humanos da ONU. 23 de março de 2017, Folha de São Paulo

    [2] Item 85, Human Rights Council resolution 5/1 of 18 June 2007

    [3] CARDIA, Ana Cláudia Ruy. A situação do Brasil no grupo de trabalho da revisão periódica universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU. In: FINKELSTEIN, Cláudio & SILVEIRA, Vladmir Oliveira da Silveira (Coord.) CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio (Org.) Direito internacional em análise. Segundo volume. Clássica, Curitiba: 2013, pp. 278-279

    [4] No tema, como sugestão de pesquisa e estudo podem ser referidas as seguintes publicações: DEMO, Pedro & OLIVEIRA, Liliane Lúcia Nunes de Aranha. Cidadania e Direitos Humanos sob o olhar das políticas públicas. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3545; LANDMAN, Todd. Measuring human rights: principle, practice, and policy. Human Rights Quarterly Vol. 26, n. 4, November 2004, disponível em: http://www.uottawa.ca/academic/grad-etudesup/ukr/pdf/Landman%202006.pdf; AGENDA PÚBLICA. Guia de apoio para alcance das metas – Agenda de compromissos dos ODM – Governo Federal e Municípios 2013-2016. Disponível em: http://www.agendapublica.org.br/products/guia-de-apoio-paraoalcance-das-metas-agenda-de-compromissos-dos-odm-governo-federalemunicipios-2013-2016/; eMARTINS, Marianne Rios de Souza & KROHLING, Aloíso. O papel das políticas públicas na efetividade dos direitos humanos fundamentais de 2ª dimensão. Disponível em: http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadepoimentos/n10/5.pdf

    [5] A propósito, foi este o tema da publicação especial do Nordic Journal of Human Rights, quantifying human rights, disponível em: http://www.uio.no/english/research/interfaculty-research-areas/leve/publications/2012/njhr-special-issue-quantifying-human-rights.html

    [6] LANGFORD, Malcolm. The justiciability of social rights: from practice of theory. In: LANGFORD, Malcolm. Social Rights Jurisprudence.Emerging trends in International and Comparative Law.CambrigdeUniversityPress, New York: 2009, pags. 12-24.

    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
    • Publicações6576
    • Seguidores949
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações18
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/voto-brasileiro-contra-a-resolucao-do-conselho-de-direitos-humanos-e-simbolo-do-retrocesso/441945233

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)