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8 de Maio de 2024
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    Voto distrital e voto facultativo: entulhos autoritários e elitistas

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Novamente, ficou visível – estatisticamente – o quanto de antidemocrático e antipopular tem inerentemente o voto distrital, em detrimento do voto proporcional e representativo.

    Na França, 15,8% de votos no partido de Macron, o República em Frente!, entre os eleitores possíveis podem fazer uma maioria de até 79% do Parlamento. Na Inglaterra, uma diferença de 800 mil votos (em 32 milhões de eleitores) ou 2,4% dos votos entre o Partido Conservador de Theresa May e o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn não se traduz no número de cadeiras resultantes no Parlamento inglês, graças ao voto pelos distritos: May terá 48,9% do colegiado (50,4% somado com a extrema-direita da Irlanda do Norte, o DUP), ante 40,3% dos trabalhistas de Corbyn.

    Isto se dá pelo sistema da espécie de “winner takes all”: o sujeito que ganha o distrito, por um voto que seja, e leva toda a representação local. Diferentemente do modelo proporcional, em que há uma conjugação relativa das forças presentes em cada localidade, ou se preferir distrito.

    Ilustrando o exemplo: supondo dez representantes em dado local, no distrital são 10 parlamentares eleitos de um mesmo partido caso tenha 50%+1 voto. No sistema proporcional, com o mesmo resultado de 50%+1 voto, teríamos 6 parlamentares eleitos pelo partido vencedor e 4 do perdedor.

    Se somar a representação da “centro-direita” do banqueiro Macron com a República de Sarkozy/Fillon, podemos dizer que a bancada que quer destruir as avançadas leis trabalhistas francesas (como jornada de 35 horas semanais, enquanto a nossa é de 44 hrs – antes da deforma de Temer) poderá ter até 84% do Parlamento – isso considerando, na estimativa do Ipsos, o mínimo de deputados eleitos no próximo domingo, 485 em 577 das duas legendas.

    Qual a legitimidade para a coalizão Macron/Republicanos atropelar os direitos e os empregos da avançada legislação trabalhista francesa? Com possíveis 84% do Parlamento eleito domingo que vem, mesmo sendo sufragados por somente 26,4% do conjunto dos eleitores.

    O “resto”, os 16% ficariam entre Frente Nacional de Le Pen, Frente Insubmissa de Melenchon, e o falecido Pex-S de Benoit Hamon – que sequer passou ao 2º turno em seu distrito em Trappes, subúrbio de Paris, derrotado pelo partido de Macron e pelos Republicanos. Aliás, o líder do PS Jean-Christophe Cambadélis também foi derrotado em Paris, onde era deputado vencedor há 20 anos.

    O distrital ainda revela que a metade da população que não votou domingo possivelmente não vê sentido nenhum no sufrágio, uma vez que seus candidatos já não tinham chance de serem majoritários em um hipotético 2º turno. Ora, não devem ser levados em conta, proporcionalmente a sua representação na sociedade e no eleitorado francês, no que tange ao Parlamento?

    A Frente Nacional de Le Pen caiu de 7,6 milhões em 23 de abril (1º turno das presidenciais) para 3 milhões de votos no domingo. A Frente Insubmissa de Melenchon de 7 milhões para 2,5 milhões. O PS de Hamon de 2,2 milhões para 1,7 mi. Inclusive os Republicanos caíram de 7 milhões de votos em Fillon para 3,5 milhões nas Legislativas.

    Será mesmo que Macron representa 79% do povo francês? Em um 1º turno em que a diferença entre o 1º e o 4º (Macron e Melenchon) foi de 4 pontos percentuais: ou 1,6 milhão de votos num universo de 47 milhões de eleitores.

    O levantamento feito pelo Le Monde é explícito em quanto autoritário e falso é o resultado produzido pelo voto distrital e facultativo: a coalizão para promover os retrocessos que os mercados financeiros exigem em arrochos sociais e salariais teria 53,5% (32 + 21,5) de apoio parlamentar no voto proporcional, com estimados 186 (Macron) e 124 (Republicanos) parlamentares, em um universo de 577 deputados. Bem diferente de até 84% que pode sair das urnas no domingo, pelo voto distrital.

    Le Pen – a priori, contra as reformas e o austericídio fiscal (15%, 85 deputados) -, Melenchon (15%, 84 deputados) e Hamon/PS (14%, 80 deputados) – também a priori contra os arrochos aos trabalhadores – somariam 44% de apoio parlamentar pelo voto proporcional, ante menos de 16% no cenário do voto distrital.

    Eis o quadro da “democracia” francesa.

    Na Grã-Bretanha, 42,4% de votos para os Conservadores lhes darão 48,9% de representação no Parlamento (318 em 650 cadeiras). E 40% de votos para os trabalhistas lhes darão 40,3% de cadeiras (262/650 parlamentares). A participação na eleição britânica, modelo parlamentarista puro com voto distrital (francês é presidencialista), teve 69% de comparecimento e se deu em um único dia.

    Vale dizer: uma diferença de 2 pontos entre May e Corbyn virou 9 por causa do distrital, pontos decisivos na aplicação dos programas de austericídios fiscais e as políticas neoliberais de Bruxelas e de Merkel.

    Afinal, o “Brexit” à direita só tende a piorar a situação dos trabalhadores, cortando direitos, arrochando salários e aumentando o desemprego.

    Como a politização e a consciência cidadã sobre o exercício do voto não é universal e demanda serviços públicos de educação de qualidade universal, os dados mostram também como o voto facultativo favorece a ocupação dos espaços de poder pelas elites, que sufragam amplamente mesmo com a facultatividade do voto.

    E o distrital apenas favorece a chamada ditadura das maiorias, que no parlamentarismo é na maioria das vezes o poder com o rentismo, ganhando os candidatos dos banqueiros ou os mais fisiológicos. O “winner takes all” exclui em absoluto do processo as minorias e as representações dos movimentos sociais e dos trabalhadores.

    Na Grã Bretanha, 63% dos jovens entre 18-34 anos votou em Jeremy Corbyn e nos Trabalhistas. Esta claro que o sistema distrital francês e inglês, somado ao voto facultativo, é altamente antidemocrático e elitista.

    Que fiquemos atentos às nefastas tentativas de implantação desse modelo autoritário no Brasil, tanto o distrital misto quanto o distritão.

    Se a representação parlamentar proporcional e a soberania popular já são corrompidas e distorcidas pelo poder graúdo dos banqueiros e capitalistas a bancar as campanhas eleitorais com dinheiro grosso, imagine se o próprio sistema institucionalizar que metade da sociedade ficará de fora do Parlamento.

    Como regra formal do jogo.

    André Esteves Cardozo de Mello é estagiário Crivelli Advogados Associados.

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