Página 1936 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 13 de Novembro de 2014

SP)

Processo 101XXXX-81.2014.8.26.0003 - Procedimento Ordinário - Interpretação / Revisão de Contrato - FERNANDO SUCHOJ DA ROCHA - Vistos. FERNANDO SUCHOJ DA ROCHA ajuizou a presente ação revisional de contrato de financiamento, com pedido de tutela antecipada, contra BANCO VOLKSWAGEN, objetivando a revisão do contrato de financiamento para a aquisição de veículo, com pagamento em 48 parcelas de R$ 587,78. Sustentou que o contrato está eivado de ilegalidades constatadas, como juros abusivos, requerendo a revisão e a repetição em dobro do que foi pago a maior. Juntou documentos. É o relatório. Fundamento e Decido: O art. 285-A, do Código de Processo Civil, inserido pela Lei 11.277, de 07 de fevereiro de 2006 (D.O.U. 08/02/06), estabelece que “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.” Sendo este o caso, pois este magistrado já proferiu neste juízo outras sentenças no sentido da total improcedência de pleitos semelhantes ao aqui formulado, tenho por desnecessária a realização da citação da requerida, passando ao imediato julgamento do feito. Os pedidos não merecem acolhida. Com efeito, as prestações mensais estipuladas no contrato cuja revisão aqui é pretendida eram em valor fixo e previamente conhecido pela parte autora, que, mesmo não sendo expert em matemática financeira nem tendo conhecimento exato de como exatamente se compôs tal parcela, a ele se obrigou. A questão se relaciona, portanto, com a soberania e autonomia da vontade da parte, capaz de contrair direitos e obrigações, fazendo incidir a regra do pacta sunt servanda e, como preleciona ORLANDO GOMES, (“CONTRATOS”, 5ª ed., pág. 44) tem-se que: “Se aceitou condições contratuais extremamente desvantajosas, a presunção de que foram estipuladas livremente impede se socorra da autoridade judicial para obter a suavização ou libertação ‘pacta sunt servanda’.” A comparação entre o valor original dos empréstimos e o valor final da soma das contraprestações evidentemente não gera resultados próximos, pois no exercício de sua atividade primordial, que é emprestar dinheiro, não poderia a requerida fazê-lo de forma graciosa, sem acréscimos. Observo, nesse diapasão, que o princípio da boa-fé objetiva é via de mão dupla aos contratantes, fornecedores e consumidores, detentores do poder econômico ou não, aplicando-se indistintamente a qualquer pessoa capaz e que se proponha a assumir obrigações por meio de um contrato. Na relação estabelecida entre as partes, a requerida se comprometeu a emprestar dinheiro à parte autora, e de fato cumpriu sua promessa. A parte autora, por sua vez, se comprometeu a restituir-lhe o valor emprestado, com acréscimos, obviamente, pois a requerida não é entidade de benemerência, tendo como atividade a venda de dinheiro, no caso em 48 parcelas de R$ 587,78. Sabia o autor de sua condição financeira e se poderia pagar as prestações que assumiu, repito, livremente. Anoto, para que dúvida não paire ao autor, que o valor do financiamento, ao final dos pagamentos, será nominalmente muito superior ao valor do dinheiro emprestado, pela circunstância de que não poderia esperar que o dinheiro lhe fosse disponibilizado graciosamente, e pelo valor das prestações, que com os encargos e taxas de juros vêm claramente apresentadas no contrato, poderia a autora vislumbrar a viabilidade ou não da contratação, a partir do faturamento que auferia. É que as instituições bancárias não são casas de caridade, aliás, estão longe disso, e de todos é conhecido a circunstância de que o empréstimo bancário é oneroso, e não há qualquer óbice que assim seja, pois a “venda” do dinheiro constitui, precipuamente, a atividade empresarial bancária e, como toda empresa, visa lucros, que aqui advêm dos chamados juros remuneratórios. No caso em apreço, não poderia haver a alegada capitalização de juros (ao menos sob o ponto de vista jurídico), pois estes foram pré-fixados, e compuseram desde o início as parcelas previamente conhecidas. Aliás, avilta o próprio conceito de boa-fé objetiva a busca de revisão de parcelas com valores nominais invariáveis assumidas livremente sob o argumento de aplicação equivocada de juros. A propósito, NELSON NERY JÚNIOR (in “Código Civil Comentado e legislação extravagante, 3ª ed., RT., p. 381), leciona: “A cláusula geral da boa-fé objetiva é norma jurídica que, entretanto, possui características próprias que a distinguem de outras normas jurídicas positivas. É uma ordem geral da lei ao juiz para que profira sentença, observando a lealdade e a boa-fé, segundo os usos e costumes, ou que simplesmente possa agir mediante juízo lógico de subsunção. Essa norma (cláusula geral de boa-fé objetiva) se diferencia das outras regras de direito positivo somente por duas circunstancias: a) primeiro por intermédio de sua indeterminação (daí porque cláusula geral); e b) pela referência não aos preceitos positivos, mas a mandamentos (lealdade e boa-fé) ou critérios (usos e costumes) sociais e metajurídicos. A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica (lei, fonte de direito, regra jurígena criadora de direitos e obrigações) de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar”. No mesmo sentido o escólio de ARNALDO RIZZARDO (in “Contratos”, 3ª edição, Editora Forense, 2004, pág. 33): “A probidade envolve a justiça, o equilíbrio, a comutatividade das prestações, enquanto a boa-fé exige a transferência e clareza das cláusulas. Como já referia Orlando Gomes, o princípio da boa-fé diz respeito mais à interpretação: ‘Por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível. Ademais, subentendem-se, no conteúdo do contrato, proposições que decorrem da natureza das obrigações contraídas, ou se impõem por força de uso regular e da própria equidade.’”. Descabido falar-se em anatocismo, pois a dívida é composta dos valores nominais das contraprestações não pagas, com a incidência da correção monetária, os juros moratórios e da multa moratória, ou da comissão de permanência, como autoriza a lei e exige a jurisprudência consolidada sobre a matéria. Quanto à questão de eventual abusividade dos encargos ou “lesão usurária”, cumpre observar que o artigo 192, § 3º, da Constituição da República, observar que tal norma, além de ser de eficácia contida, conforme entendimento assentado pelo STF (Súmula nº 648), foi revogada pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003. Doutra parte, com o advento da Lei nº 4.595/64, o Conselho Monetário Nacional foi incumbido de formular a política de moeda e crédito, bem como limitar as taxas de juros, comissões e outras formas de remuneração, ficando revogado, quanto às operações com as instituições financeiras, o Decreto nº 22.626/33 (a respeito, Roberto Rosas, Direito Sumular, 7a edição, 1995, Malheiros editores, página 283). É o que se infere, pois, da Súmula 596, também do Excelso Supremo Tribunal Federal, verbis: “AS DISPOSIÇÕES DO DECRETO 22626/1933 NÃO SE APLICAM ÀS TAXAS DE JUROS E AOS OUTROS ENCARGOS COBRADOS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR INSTITUIÇÕES PÚBLICAS OU PRIVADAS, QUE INTEGRAM O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.” No mesmo passo e pela mesma razão, da regulamentação das operações com instituições financeiras ainda terem por base a Lei nº 4.595/64, aos contratos bancários também não se aplica a Lei nº 1.521/51, especialmente a norma do art. letra b, que proíbe o lucro patrimonial acima de um quinto do valor corrente ou custo da prestação feita ou prometida. Aliás, diante da omissão do Congresso Nacional em regulamentar a questão da taxa de juros no sistema financeiro nacional, não há como pretender ver na Lei nº 1.521/51 a concretização, em nível infraconstitucional, do disposto no artigo 173, parágrafo 4o, da Constituição da República. Como bem observado pelo eminente juiz Luiz Renato Bariani Perez, nos autos do processo nº 809/04, julgado em 18/04/2005 (Ivanice Muniz de Oliveira X Banco ABN Amro Real S/A), “a vantagem excessiva em percentual de 20% sobre o preço de bem se refere a bens de primeira necessidade, como se observa da leitura do Decreto nº 48.456, de 30 de junho de 1960, que assim disciplina: ‘Art. 1º. Entende-se por ‘valor corrente’, a que se refere a alínea ‘b’ do art. da Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951,

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