Página 418 do Diário de Justiça do Estado do Pará (DJPA) de 28 de Maio de 2015

centavos) de uma conta da Caixa Econômica Federal pertencente à ofendida. A ré teve acesso aos documentos pessoais da vítima em razão da amizade existente entre ambas desde à época da faculdade, o que resultou numa convivência no mesmo imóvel. Consta na denúncia, ainda, que a ré usou a carteira de identidade da vítima para fazer o saque na instituição bancária, sendo que a acusada retirou a foto da ofendida no documento e colocou uma sua. A vítima só teve conhecimento da prática delitiva quando foi retirar determinada quantia para pagar o aluguel de seu imóvel e constatou que sua conta apresentava saldo insuficiente. A denúncia em desfavor da ré foi protocolada no dia 18 de abril de 2013, sendo recebida no dia 22 de abril de 2013. Foi determinada a citação da ré para responder à acusação, na forma e prazo estabelecidos do artigo art. 396, do CPP (fls. 47). A ré apresentou sua defesa preliminar às fls. 50/54. Por não se enquadrar em qualquer das hipóteses de absolvição sumária elencadas no art. 397, da Lei Adjetiva Penal, foi determinado o prosseguimento do feito com a designação da audiência de instrução e julgamento (fls.65). Durante a instrução criminal, foi ouvida a vítima Suellem Salime Sousa e interrogada a ré Jane Kelly Lemos de Amorim (depoimentos constantes no cd-rom de fls. 85). A Promotoria de justiça, na fase do art. 402, do CPP, requereu a certidão atualizada de antecedentes criminais da ré, pedido deferido e atendido. A defesa, por sua vez, não requereu qualquer diligência (fls. 82). Em alegações finais (fls. 87/89), o Ministério Público requereu a condenação da ré pela prática de um delito tipificado no art. 171, do CPB, pois vislumbrou o representante do Parquet que, ao término da instrução processual, restou demonstrada a autoria do delito por parte da acusada, tendo em vista o material probatório acostado aos autos, ressaltando o depoimento da vítima e a confissão da própria ré. A defesa apresentou memoriais finais às fls. 91/95, pleiteando, inicialmente, a aplicação da atenuante da confissão espontânea em favor da acusada. Por fim, pugna que seja aplicada à ré uma pena em seu patamar mínimo, tendo em vista suas condições pessoais favoráveis. É o relatório! Decido: A ré foi denunciada pela prática de um delito capitulado no artigo 171, caput, do CPB. Inicialmente, é importante se delinear a diferença entre ilícito penal (estelionato) e ilícito civil (inadimplemento contratual). O elemento subjetivo geral do crime de estelionato é o dolo, que deve ser anterior ao emprego do meio fraudulento. A presença do dolo antecedente e a intenção do estelionatário de auferir vantagem econômica patrimonial em desfavor de uma vítima caracterizaram o delito de estelionato. A fraude deve ter por fim o lucro ilícito e não inadimplemento de obrigação, pois, o mero descumprimento da obrigação, mesmo doloso, trata-se de mero ilícito civil. Por conseguinte, cumpre ressaltar que, para a configuração do crime de estelionato, é exigível que o agente empregue qualquer meio fraudulento, induzindo ou mantendo alguém em erro e obtendo, assim, uma vantagem ilícita para si ou para outrem, com a consequente lesão patrimonial da vítima. Sobre a conduta de induzir ou manter alguém em erro, diz Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 771.) o seguinte: ¿Significa conseguir um benefício ou um lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima. Esta colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus pertences. Induzir quer dizer incutir ou persuadir e manter significa fazer permanecer ou conservar. Portanto, a obtenção da vantagem indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofendido ao engano ou quando deixa que a vítima permaneça na situação de erro na qual se envolveu sozinha.¿ Sobre o tema, Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal. Vol. 7. Ed. Forense. São Paulo. p. 191) leciona: (...) O critério que nos parece menos precário é o que pode ser assim fixado: há quase sempre fraude penal quando, relativamente idôneo o meio iludente, se descobre, na investigação retrospectiva do fato, a idéia preconcebida, o propósito ab initio da frustração do equivalente econômico. Tirante tal hipótese de ardil grosseiro, a que a vítima se tenha rendido por indesculpável inadvertência ou omissão de sua habitual prudência, o inadimplemento preordenado ou preconcebido é talvez o menos incerto dos sinais orientadores na fixação de uma linha divisória nesse terreno contestado na fraude (...) Além disso, Cezar Roberto Bitencourt (Código Penal Comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 669) assevera que os atos maliciosos do comércio que não atingem o nível de burla, embora irregulares, não constituem estelionato, para o qual é insuficiente a habitual sagacidade do mundo dos negócios. Assim, configura-se ilícito penal apenas quando a malícia ou a habilidade ultrapassam os limites do moralmente legítimo, utilizandose o agente de engano ou de indução ao erro para a obtenção de vantagem econômica. Feitas estas considerações, observo que, no caso em tela, existem provas de que a ré agiu com dolo, com o propósito anterior e específico de obter a vantagem ilícita, elemento subjetivo do tipo penal do estelionato. Senão vejamos. Ao caso, não se apresentam preliminares. Urge ressaltar, inicialmente, que a materialidade delitiva encontra-se devidamente comprovada pelo extrato da conta bancária da vítima onde se constata a retirada do valor de R$ 3.352,71 (três mil, trezentos e cinquenta e dois reais e setenta e um centavos) e pelo cd-rom de fls. 36, que mostra as imagens da ré fazendo o saque do referido valor da conta da ofendida na agência bancária. Em relação ao mérito, destaco, inicialmente, o depoimento da vítima, Suellen Salime Sousa, em juízo (cd-rom de fls. 85), onde descreveu sua relação com a ré e como tomou conhecimento do fato delituoso, afirmando o seguinte: ¿Que a retirada do dinheiro na sua conta ocorreu no mês de novembro do ano 2012; que residia com a acusada na cidade de Medicilândia e que trabalharam juntas; que a acusada tinha acesso a todos os documentos pessoais da vítima vez que moravam juntas; que no mês de outubro de 2012 se mudou da mesma residência da acusada por conta de alguns desentendimentos, pois não concordava com alguns comportamentos da ré; que a acusada continuou em Medicilância, desempregada; que não sabe se a acusada, antes da data de se mudar, já havia furtado o seu RG; que não sabe como a acusada realizou o delito; que sabe apenas que o seu RG sumiu; que não lembra quanto foi o valor retirado, mas que lembra que é um valor superior a três mil reais; que descobriu o delito quando foi retirar o dinheiro para pagar o aluguel e verificou que foi zerada a sua conta; que como na caixa econômica não se pode ver extrato, seguiu até ao banco na cidade de Altamira e lá tomou conhecimento de que haviam feito uma guia de retirada; que foi até ao gerente da agência e este lhe afirmou que a guia de retirada somente ser feita na agência de origem; que sua agência de origem é Belém; que pra acusada ter acesso a sua conta, informou que ficou desempregada e que precisava de uma transferência de dinheiro vinda de uma tia disposta a ajuda e que como essa transferência devia ser feita por caixa econômica e a acusada não tinha, esta lhe pediu para que a transferência fosse feita a vítima; que foi até a caixa econômica em Belém; que entrou com um processo em Altamira, solicitando as filmagens da agência em Belém; que como a agência em Belém possui muitos usuários, o seu malote demorou muito a ser recebido e assim, veio até Belém pessoalmente para solicitar tal pedido; que fez essa solicitação no mesmo dia em que fez o boletim de ocorrência; que o gerente lhe mostrou as imagens; que nas imagens viu e reconheceu a acusada; que a acusada fez esse saque no caixa, com o seu RG...¿ O relato da ofendida foi ratificado integralmente pela própria ré em seu interrogatório (cd-rom de fls. 85), onde confessou a autoria do crime narrado na peça acusatória, descrevendo a prática delitiva da seguinte forma: ¿Que não tem nada contra a vítima, que a acusação é verdadeira; que estava grávida e não sabia; que quando descobriu sua gravidez, estava sozinha e com medo de falar para seus pais o ocorrido; que havia uma pessoa lhe cobrando uma dívida e ficou desesperada; que até pensou em abortar a criança; que quando cometeu o delito, voltou em casa e foi para o Estado de Pernambuco; que quando a vítima soube do caso, mandava mensagem ofensivas para o seu celular; que pediu perdão à vítima tanto por ligação como por mensagem; que não teve condições de pedir perdão pessoalmente, uma vez que estava grávida de oito meses e, assim, não podia sair de casa; que pediu perdão várias vezes; que quando pedia perdão alegava que ia pagar a dívida; que a vítima fazia coisas absurdas com ela; que antes do fato, já havia decidido morar em outro lugar, pois não conseguia conviver com a vítima; que responde por outro processo, que na época desse outro fato delituoso estava estagiando; que tinha conhecimento do número da conta da vítima, uma vez que uma tia sua iria depositar um dinheiro na conta da ofendida, mas esta pretensão não foi efetivada; que almejava conversar pessoalmente com a vítima; que sempre deixou bem claro que ia ressarcir o dinheiro; que está muito arrependida; que já pediu perdão por telefone, por mensagem...¿ Por conseguinte, analisando o material probatório acostado aos autos, entendo que a autoria delitiva imputada à ré restou demonstrada, tendo em vista o cd-rom que mostra as imagens da acusada praticando o crime, o depoimento da vítima e a confissão da própria ré, não se podendo falar em insuficiência de provas para caracterizar a acusada como a autora do crime ora em análise. Deste modo, presente a prova da existência do fato e autoria acerca do delito, bem como inexistente causa excludente de ilicitude ou culpabilidade, a condenação da ré é medida impositiva. Pelo exposto: JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para CONDENAR a ré JANE KELLY LEMOS DE AMORIM, qualificada nos autos, nas sanções punitivas previstas no artigo 171, caput, do CPB. Passo a analisar a dosimetria da pena a ser a aplicada à ré, atendendo ao disposto nos arts. 59 e 68, do CPB: Em relação à culpabilidade da ré, entendo ser de gravidade média, pois possuía, ao tempo dos fatos, a potencial consciência da ilicitude de seu ato, o que lhe exigia conduta diversa da que tivera. A ré apresenta outro antecedente criminal, todavia, de acordo com o entendimento sedimentado na Súmula nº 444 do STJ, é inviável a utilização dos registros criminais do acusado para elevar a sua pena-base, motivo pelo qual, considero a circunstância favorável à apenada. Em relação à conduta social, inexistem elementos nos autos para analisar a

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