Página 489 do Diário de Justiça do Estado do Paraná (DJPR) de 3 de Agosto de 2015

greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 23 Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõese traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil]e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 24 No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil. (grifo nosso) Assim, é o Supremo Tribunal Federal que reconhece o direito de greve dos servidores públicos e diz que ele pode ser exercido, desde que observado o princípio da razoabilidade. Celso Antônio Bandeira de Mello com muita propriedade, assim preleciona: "Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover os interesses públicos assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições.". (g.n.) No caso em tela os servidores são regidos pela Lei 16024/2008, que define o Estatuto dos Funcionários do Poder Judiciário. Referida Lei traz em seu texto: Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 25 Art. 248. O direito de greve será exercido na forma prevista em lei federal. Logo, o direito de greve dos impetrantes deve ser regido por Lei Federal 7783/1989 e Lei 16024/2008. É cediço que o direito de greve é assegurado aos servidores públicos; todavia, devem ser respeitadas as devidas proporções e adequações pertinentes, nos termos da Lei em referência, que define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e dá outras providências. O artigo 68 do Estatuto dos Servidores do Poder Judiciário impede o desconto em razão de greve, pois a falta em razão do movimento paredista não é uma falta comum e deve ser tratada como tal. Art. 68. Não incidirá desconto sobre o vencimento ou a remuneração, salvo por imposição legal, ordem judicial ou autorização escrita do funcionário, observando-se que, nesta última hipótese, a consignação do desconto fica a critério da administração pública. O Sindicato alega que manteve todos os servidores essenciais e urgentes regularmente funcionando. No presente caso, foram respeitados todos os requisitos para a greve, inclusive, mantendo-se os serviços públicos mínimos, visando o menor impacto Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 26 para a população. O Sindicato autor ressalta que o movimento suspendeu a Greve com a "expressa condição" de que os dias parados não seriam descontados dos servidores. Assim, o sindicato quer o imediato cumprimento do acordo, tendo em vista que o movimento foi suspenso no dia 16 de junho, conforme acordado em mesa de negociação. Esta é a razão pela qual se impetra o presente Mandado de Segurança, em razão dos descontos nos salários dos servidores mesmo após acordo e de já existirem negociações entre o Sindicato da categoria e o Presidente do Tribunal de Justiça para compensação das horas não trabalhadas durante o período de greve. Nesta mesma linha de pensamento, há o seguinte julgado que explicita o mencionado a respeito dos descontos em razão da greve: A regulamentação e a interpretação das normas constitucionais devem ser consentâneas com suas diretrizes, sendo vedado qualquer conduta no sentido de inviabilizar seus comandos. Como cediço, há a garantia do exercício do direito de greve. Entender que com ela ocorre a suspensão do contrato de trabalho e, portanto, não deve haver pagamento de salários é confundir a falta em face de um direito com a falta imotivada, esta sim geradora do desconto do dia parado (Lei nº 8.112/90, art. 44, I). São hipóteses completamente diversas: naquela, a ausência é motivada, garantida pela CF/88; nesta, não há qualquer justificativa para a falta, gerando, por conseqüência, o não pagamento do dia não trabalhado. Assim se manifestou o TRF da 4ª Região: a mora do legislador não pode impedir o exercício do direito de greve e não autoriza a administração a imputar faltas injustificadas aos servidores grevistas, à míngua de autorização legal ou de deliberação negociada.(6 AC 96.04.0517-6/ RS, relator Desembargador Ramos de Oliveira, publicação DJ 25/04/2001) - grifo nosso. Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 27 Nesse viés, sob pena de ilegalidade, não poderá haver descontos impostos pelo Estado do Paraná mediante falta despendida em razão da paralisação do dia 26 de maio de 2015 e que durou 22 dias, principalmente porque se encontra em negociação com o Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná para realização de reposição dos dias não trabalhados. Sobre esta possibilidade temos recente julgado do TJPR: DECISÃO: ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso de agravo de instrumento e lhe negar provimento, nos termos do voto.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS. DIREITO RECONHECIDO NA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI Nº 7789/1989, POR FORÇA DE DECISÃO DO STF -LEGALIDADE RECONHECIDA - POSSIBILIDADE DE DESCONTO NO SALÁRIO DOS DIAS PARALISADOS - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. O direito de greve dos servidores públicos encontra-se previsto expressamente no artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal. Em virtude da inexistência de lei específica quanto ao exercício do direito de greve, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar os Mandados de Injunção nº 712-PA e nº 670-ES, decidiu que aos casos de greve de servidores públicos aplica-se subsidiariamente a Lei n.º 7.738/1989.O STJ é pacífico no sentido de que, ainda que a greve seja legal, os empregadores achamse autorizados a efetuar descontos remuneratórios pelos dias não trabalhados, a menos que haja entendimento entre os interessados para assegurar a reposição. (TJPR - 5ª C.Cível - AI - 1324297-2 - São José dos Pinhais - Rel.: Luiz Mateus de Lima - Unânime - - J. 07.04.2015) Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 28 O que se busca é a compensação dos dias, portanto, amparado na decisão do próprio TJPR. E também: RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO. GREVE. CONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO Nº 188/2004. IRRETROATIVIDADE. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DOS DESCONTOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO DOS DIAS NÃO-TRABALHADOS. 1. O direito dos servidores públicos à greve, assegurado constitucionalmente, não pode ser tolhido pela mora do Congresso Nacional em regulamentá-la. Consagrado no artigo da Carta Maior o direito de greve aos trabalhadores, fere o princípio da isonomia a vedação aos servidores públicos, com fundamento na ausência de regulamentação pelo Legislativo de um direito consagrado há quase duas décadas pela Constituição Federal, de defenderem seus direitos por meio de movimentação grevista. 2. A Resolução nº 188/2004 do TJSP, que vedou aos servidores o recebimento de seus vencimentos quanto aos dias de paralisação, não pode ser aplicada ao período anterior à data da sua publicação, sob pena de violação do princípio da irretroatividade das normas. 3. Ante a inexistência de regras claras aos servidores da Associação dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de São Paulo no período anterior à Resolução nº 188/2004, o parâmetro adotado para a greve em análise deve ser o mesmo observado pelas Cortes do país e pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quanto à compensação dos dias não trabalhados em greves precedentes. 4. Recurso ordinário provido em parte. Concessão da segurança apenas aos servidores associados à recorrente que compensarem os dias não- trabalhados no período anterior à publicação da Resolução nº 188/2004, determinando a restituição a estes das parcelas descontadas de seus vencimentos, a partir da impetração, referentes ao período de Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 29 paralisação até a publicação da referida Resolução, bem como afastando a aplicação de qualquer medida punitiva referente àquele período". O desconto ou não do dia de greve deve ser resultado de negociação entre as partes e não decisão unilateral do gestor público, segundo alega o Impetrante. O compromisso de reposição integral dos dias de greve não autoriza o desconto na remuneração e da forma como pode ocorrer caracteriza ato abusivo ofensivo ao exercício constitucional do direito de greve, patrocinando o enriquecimento ilícito do Estado. Tão ou mais ilegais ainda são os reflexos que poderão advir nas gratificações e crescimento de carreira em decorrência justamente dessas faltas. Percebe-se, destarte, sempre segundo o Impetrante, que os servidores serão duplamente prejudicados, de forma abusiva, tão- somente por exercerem seu direito à paralisação, constitucionalmente garantido. Assim, da greve que teve início em 26 de maio e durou 22 dias, não deve subsistir aplicação de qualquer penalidade ao Sindicato requerido e aos servidores, sob pena de ofensa ao direito de greve e mobilização, e ofensa à negociação em tramite. O servidor não pode ser punido pela simples participação na mobilização, até porque, de acordo com a Súmula nº. 316, para o próprio Supremo Tribunal Federal"a simples adesão à greve não constitui falta grave". Fagundes Cunha Desembargador Relator p. 30 Havendo um movimento organizado e regular, tal como está ocorrendo no presente caso e de já estar em negociação a reposição dos dias de greve, não há que ser aplicada punição aos servidores, tendo em vista que não houve qualquer manifestação de abuso e excesso decorrentes do exercício do direito de greve e o Estado/TJPR não fez qualquer questionamento quanto à legitimidade da greve. Ademais, veja-se decisão da Corte Especial do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região:"O governo está ficando refém de sua odiosa política de amesquinhamento do servidor público com o achatamento perverso dos salários e o corte de vantagens já auferidas há anos. As greves estão estourando em diversos setores da Administração, direta ou indireta. Nesse momento temos greve dos professores, dos servidores da previdência, da Imprensa Nacional. Paralisações de outros serviços já ocorreram. Essa desastrosa política está

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