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17 de Junho de 2024

Aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial nos Contratos de Alienação Fiduciária: Análise evolutiva da Doutrina e Jurisprudência brasileira

Direito Empresarial

há 4 anos

1. Conceito

A teoria do adimplemento substancial nos contratos de alienação fiduciária vem sendo usada amplamente na jurisprudência brasileira.

Como afirma Flavio Tartuce:

Por essa teoria, nos casos em que o contrato tiver sido quase todo cumprido, sendo a mora insignificante, não caberá sua extinção, mas apenas outros efeitos jurídicos, como a cobrança ou o pleito de indenização por perdas e danos (TARTUCE/JUSBRASIL, 2015).

O autor acima afirma que se deve buscar uma solução que seja menos gravosa para as partes.

2. Origem

A teoria do adimplemento substancial se originou da doutrina e jurisprudência inglesa, através da doutrina “substancial performance”, no ano de 1779, a qual os autores, para aplicá-la atualmente, formulam três requisitos: a) insignificância do inadimplemento; b) satisfação do interesse do credor; e c) diligência por parte do devedor no desempenho de sua prestação, mesmo que se tenha operado inapropriadamente (RODRIGUES JUNIOR, 2006).

Legalmente esta teoria não tem previsão no Direito brasileiro, porém tem seus fundamentos nos princípios contratuais atuais, como o princípio da conservação dos contratos, a função social e a boa-fé objetiva. A IV Jornada de Direito Civil traz o entendimento em relação a esses princípios através do Enunciado 361 CFJ/STJ em que afirma: "O adimplemento Substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475" (ENUNCIADO 361, 2006).

3. Evolução doutrinária e jurisprudencial no Brasil

No Brasil, o implemento da teoria se deve ao professor Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que através do Direito Comparado trouxe às suas aulas de pós-graduação os vários institutos, como a violação positiva do contrato, a perturbação das prestações, a quebra da base do negócio e o adimplemento substancial.

É no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que se registram os primeiros acórdãos sobre a teoria do adimplemento substancial, por intermédio do desembargador Ruy Rosado.

O STJ registra o primeiro acórdão sobre o tema em 11 de dezembro de 1995, sob o Resp 76.362/MT, julgado pela 4a turma cujo relator foi o agora Ministro Ruy Rosado, que em sua ementa traz:

SEGURO. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio, por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro: b) a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando será possível avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio. Recurso conhecido e provido. (STJ, 1995)

Como se observa na ementa acima, com base na doutrina do adimplemento substancial apresentada pelo professor Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, o relator ministro Ruy Rosado de Aguiar deu provimento ao recurso.

Desde então existem vários julgados favoráveis e desfavoráveis, baseando-se na função social do contrato, a boa-fé objetiva, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa, concluindo com isso que ainda não tem jurisprudência pacificada quanto ao requisito objetivo para aplicação da teoria.

Em seu voto, no REsp 1581505 - SC, o ministro relator Antonio Carlos Ferreira citou vários julgados nos quais se permitiu a invocação da teoria do adimplemento substancial e afastar os efeitos da mora:

a) Atraso na última parcela: REsp. 76.362/MT.

b) Inadimplemento de 2 parcelas: REsp. 912.697/GO.

c) Inadimplemento de valores correspondentes a 20% do valor total do bem: REsp. 469.577/SC.

d) Inadimplemento de 10% do valor total do bem: AgRg no AgREsp 155.885/MS.

e) Inadimplemento de 5 parcelas de um total de 36, correspondendo a 14% do total devido: Resp. 1.051.270/RS (STJ, 2016).

Há pouco tempo, em 2017, o STJ trouxe esse tema de volta quando mudou seu entendimento, embora equivocado, de que a tese do adimplemento substancial não se aplica aos casos de alienação fiduciária. Segue-se a ementa:

RECURSO ESPECIAL. Ação de busca e apreensão. Contrato de financiamento de veículo, com alienação fiduciária em garantia regido pelo decreto-lei 911/69.incontroverso inadimplemento das quatro últimas parcelas (de um total de 48). Extinção da ação de busca e apreensão (ou determinação para aditamento da inicial, para transmudá-la em ação executiva ou de cobrança), a pretexto da aplicação da teoria do adimplemento substancial. Descabimento. 1. Absoluta incompatibilidade da citada teoria com os termos da lei especial de regência. Reconhecimento. 2. Remancipação do bem ao devedor condicionada ao pagamento da integralidade da dívida, assim compreendida como os débitos vencidos, vincendos e encargos apresentados pelo credor, conforme entendimento consolidado da segunda seção, sob o rito dos recursos especiais repetitivos (resp n. 1.418.593/ms). 3. Interesse de agir evidenciado, com a utilização da via judicial eleita pela lei de regência como sendo a mais idônea e eficaz para o propósito de compelir o devedor a cumprir com a sua obrigação (agora, por ele reputada ínfima), sob pena de consolidação da propriedade nas mãos do credor fiduciário. 4. Desvirtuamento da teoria do adimplemento substancial, considerada a sua finalidade e a boa-fé dos contratantes, a ensejar o enfraquecimento do instituto da garantia fiduciária. Verificação. 5. Recurso especial provido. (STJ, 2017)

Apesar de equivocada, a decisão não muda o entendimento que a teoria do adimplemento substancial deva ser amplamente aceita em nosso ordenamento jurídico, contudo, sua aplicação deve se dar no contexto contratual junto aos demais princípios que regem os contratos.

4. Conclusão

Em suma, vê-se que o entendimento acerca da teoria do adimplemento substancial não é unânime, pois em razão de não está positivada, entendem alguns doutrinadores e magistrados, que traria insegurança jurídica. Há, também, tribunais que entendem que a aplicação dessa teoria implicaria no inadimplemento.

A fim de se aplicar a teoria do adimplemento substancial deve-se analisar em cada caso concreto o que levou ao inadimplemento, o valor econômico, social e emocional do bem, pois quando se evidencia a aplicação de tal teoria nos contratos de alienação fiduciária já se tem pago um valor maior que o bem dado em garantia, devido a exorbitante taxa de juros praticada pelos agentes financeiros no Brasil.

Portanto, conclui-se que a aplicação da teoria do adimplemento substancial trouxe, com base nos princípios da função social, boa-fé objetiva e conservação dos contratos, solução equânime para as relações contratuais no ordenamento brasileiro.

Referências

ENUNCIADO 361, C. S. IV Jornada de Direito Civil. CJF - Enunciados, 2006. Disponivel em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/472>. Acesso em: 13 maio 2020.

RODRIGUES JUNIOR, O. L. REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS: Autonomia da Vontade e Teoria da Imprevisão. 2a. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 310 p. ISBN 9788522442836.

STJ. Recurso Especial no 76.362 - MT 1995, Relator Ministro Ruy Rosado, DJ: 11/12/1995, T4 - QUARTA TURMA. Superior Tribual de Justiça - AtoM, 11 Dez 1995. Disponivel em: <http://arquivocidadao.stj.jus.br/index.php/recurso-especialn 76-362-mt>. Acesso em: 13 Mai 2020.

STJ. REsp 1.581.505 - SC 2016, Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJ: 18/10/2016, T4 - QUARTA TURMA. Consultor Jurídico, 2016. Disponivel em: <https://www.conjur.com.br/dl/adimplemento-substancial-stj.pdf>. Acesso em: 13 Mai 2020.

STJ. REsp: 1622555 MG 2015/0279732-8, Relator: Ministro MARCO BUZZI, DJ: 22/02/2017, S2 - SEGUNDA SEÇÃO. Consultor Jurídico, 2017. Disponivel em: <https://www.conjur.com.br/dl/acordao-segunda-seção-stj.pdf>. Acesso em: 13 Mai 2020.

TARTUCE, F. A teoria do adimplemento substancial na doutrina e na jurisprudência. Jusbrasil, 2015. Disponivel em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/180182132/a-teoria-do-adimplemento-substancial-na-doutrinaena-jurisprudencia>. Acesso em: 12 maio 2020.

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