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1 de Maio de 2024

Fátima Bernardes pergunta: quem você salva, o policial levemente ferido ou o traficante gravemente ferido?

Publicado por Daniel Machado
há 7 anos

No programa Encontro da Rede Globo de 18/11/2016 a apresentadora Fátima Bernardes provocou uma polêmica em um quadro em que exibiu a cena de um filme onde haveria um policial levemente ferido e um traficante gravemente ferido, no caso, pelo próprio traficante. A partir dessa situação perguntou para alguns participantes quem eles salvariam primeiro. A grande maioria dos participantes escolheu salvar o traficante, inclusive a própria apresentadora assinalou nesse sentido, gerando reações contrárias nos mais diversos tons nas redes sociais.

Aparentemente quem escolhe salvar o policial pode ser visto como perigosamente intolerante, ao passo que quem escolhe salvar o traficante pode ser visto como perigosamente ingênuo. É o verdadeiro fla-flu que ocorre nas discussões sociais atualmente.

Eu não vi a cena e, por isso mesmo, na onda leviana da internet atual, vou tentar uma opinião diferente do padrão, ao mesmo tempo sem ser intolerante nem ingênuo:

Primeiro, vou tentar analisar o perfil do traficante e do policial. Parto da premissa de que o Estado não pode interferir nas relações negociais entre os indivíduos.

Segundo, parto da premissa de que ninguém pode definir o que é prejuízo senão o próprio prejudicado. Levo em conta que excepcionalmente para um menor de idade cabe ao responsável definir o que é bom ou ruim para o mesmo.

Isso quer dizer que, se você quiser que eu te carregue nas costas e eu também quiser te carregar nas costas de forma que certamente ninguém irá se sentir prejudicado com isso, o Estado não deve ter o poder de intervir.

Na mesma linha de raciocínio, ninguém não envolvido nessa negociação pode ter o poder de determinar se há ou não prejuízo, senão cada uma das partes envolvidas no combinado.

Da mesma forma, quando um cidadão resolve vender drogas para outro, não cabe ao Estado se envolver, tampouco cabe a terceiros determinar que há ali um prejuízo.

Terceiro, parto da premissa de que há crime quando há prejuízo à sociedade, mesmo em detrimento do cumprimento ou não de determinada lei. Portanto, nem sempre que se age fora da lei há crime, mas sempre que há prejuízo há crime. A falta desse entendimento tem causado muita confusão. Um exemplo foi o desenrolar do impeachment da Dilma, que dividiu as opiniões tanto no que se refere às pedaladas quanto ao rito do processo de impeachment.

Sendo assim, parto de uma quarta premissa, a de que nem sempre um traficante está necessariamente gerando prejuízo à sociedade, da mesma forma que nem sempre um policial é cidadão do bem. Vejo que a sociedade comumente associa a figura do traficante com a de assassino de policiais e de destruidor de famílias e da sociedade de maneira geral. Não vejo relação inequívoca entre as duas coisas e sim um preconceito. E acho que cada cidadão deve ser julgado pelos seus atos sem preconceitos, ou seja, sem julgamentos prévios em função de seu perfil. Esse é o ponto de partida.

Sendo assim, creio que a pergunta é inconclusiva e que o correto seria a escolha entre salvar um policial idôneo em situação aparentemente menos arriscada que a do bandido.

Nesse caso, proponho o entendimento do termo bandido como um sujeito prejudicial ao bem comum, seja um traficante ou um padre, elevando dessa forma a questão a um nível livre de preconceitos.

Nesse sentido, entendo a sociedade como uma espécie de clube em que há um preço a ser pago para participar e, ao mesmo tempo, ninguém é obrigado a pagar esse preço. E o preço, como em qualquer clube, são dois: a mensalidade e o cumprimento das regras. Entenda-se mensalidade, nesse caso, como o pagamento dos impostos, e o cumprimento das regras, de maneira geral, como "não causar prejuízos". Então o bandido, exercendo seu direto, opta por não pagar o preço, e assim não faz jus ao clube. Logo, não tem direito aos benefícios do clube. E isso inclui assistência médica. O bandido que não paga o ônus não deve usufruir do bônus, portanto, mesmo moribundo deve viver a lei que ele próprio aderiu, ou seja, cada um por si.

Por último, cabe definir para mim, que sou o terceiro envolvido na situação, se o suposto confronto foi flagrante ou não. Se foi, então eu tenho condições de definir de prontidão se o sujeito é bandido ou não. Do contrário, vale a presunção de inocência até julgamento com amplo contraditório e, preferivelmente, transitado em julgado. Portanto, se para mim é possível identificar o acusado como bandido de fato, e que o policial agira exclusivamente no exercício de seu dever, eu salvo somente o policial, do contrário não é possível ter critério de prontidão para escolher quem salvar primeiro.

É claro que, se eu estou levantando uma bandeira de evitar julgamentos prévios mesmo com traficantes, a mesma bandeira deve valer para os policiais que não podem ser subjugados, ao contrário, devem ter seu papel, de arriscar cotidianamente a própria vida para proteger os cidadãos de bem, reconhecido de prontidão, a menos é claro que se prove o contrário.

Por isso essa questão é polêmica, porque carece de uma análise racional e profunda.

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11 Comentários

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Pois é. Até concordo que nem sempre o policial é correto e honesto, nem discuto isto. Mas "nem sempre um traficante está necessariamente gerando prejuízo à sociedade"? Sério mesmo? Até dou de barato que muitas Leis que temos são péssimas, mas será que violá-las é a solução para uma sociedade melhor?Quais Leis podemos sair violando sem prejuízo à sociedade? continuar lendo

Edu, você tem razão. Se o traficante não obedece a lei deve ser reconhecido como bandido. De qualquer forma, reafirmo que a lei que trata a venda de drogas como algo ilegal fere princípios básicos do direito e que não rever esse tipo de lei pragmaticamente falando é extremante prejudicial para a sociedade. continuar lendo

Daniel, que princípio básico é violado com a proibição do comércio de drogas? continuar lendo

Como eu sugeri, dois:
- O Estado não pode intervir nas negociações entre dois indivíduos.
- O Estado não pode definir quando alguém está sendo prejudicado.
Quando isso ocorre, na minha visão, fere-se o Estado de Direito e instaura-se a tirania.
Por isso os traficantes que desobedecem essas leis podem julgar ter razão, o que gera um impasse entre a manutenção da ordem e o exercício da individualidade. continuar lendo

Parei em "nem sempre um traficante está necessariamente gerando prejuízo à sociedade" vlw continuar lendo

Suponho que você "parou" para refletir. continuar lendo

Você pode explicar melhor? continuar lendo

http://valdonidireito.jusbrasil.com.br/artigos/402321438/procedimentos-judiciais-apos-extincao-cumprimento-da-pena-que-devem-ser-requisitados-pelo-interessado-logo-aposocumprimento-da-pena-para-fins-de-reintegracao-na-sociedade continuar lendo

"Da mesma forma, quando um cidadão resolve vender drogas para outro, não cabe ao Estado se envolver"

...Você sabe que existe algo chamado Lei certo? continuar lendo

Sim, mas algumas são equivocadas e não há meios estruturados de quem se sente prejudicado consertá-las. continuar lendo