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5 de Maio de 2024

Mercosul e o Tribunal Permanente de Revisão (TPR)

Morfologia do procedimento de solução das controvérsias e limites da jurisdição consultiva da Corte Comunitária do Cone Sul

há 2 anos

A norma fundamental do mercado comum limita-se a criar uma regra de transição consoante a qual as controvérsias instaladas entre membros serão submetidas a um regime geral no qual a solução direta e o juízo arbitral são os principais mecanismos.

A citada regra transitória, contudo, impôs que fosse criado um sistema permanente de resolução das disputas até a data limite de 31/12/1994.

Tal disposição, contudo, somente foi atendida com a instituição do protocolo de Olivos, em 18/2/2002.

Nesse marco, os Estados são concitados a resolver suas disputas a nível bilateral ou mesmo multilateral, por meio da negociação direta, privilegiando-se, assim, a forma consensual.

Contudo, frustrada a autocomposição, o protocolo de Olivos assegura aos litigantes a intervenção opcional do Grupo Mercado Comum (GMC), órgão responsável por sistematizar um procedimento arbitral simplificado, não vinculativo.

Não escolhido esse procedimento arbitral simplificado ou acaso sua resolução seja incapaz de desfazer a disputa instalada, os Estados podem verter o objeto da controvérsia ao Tribunal Arbitral Ad Hoc, composto de árbitros especialistas designados de comum acordo, cujo laudo embora também de natureza arbitral, é qualificado porquanto produzido por especialistas de notável conhecimento sobre o tema.

Na eventualidade de manutenção do litígio ou mesmo diante da opção por acesso direto, é admissível ainda que a disputa entre pelo Estados-membros, seja conhecida pelo Tribunal Permanente de Revisão (TPR), cujo pronunciamento final tem força de coisa julgada e é dotado de efeito vinculante, ex vi art. 23 numeral 1 e 2 do tratado.

Este tribunal é o mesmo responsável por deliberar sobre as consultas (FEDER, 2003, p. 163), objeto da presente investigação.

Muito embora o protocolo de Olivos não disponha tal competência expressamente, o art. 3º da norma regente assegura a existência do procedimento consultivo. Porém, não o regulamenta, atribuindo sua disciplina a ato do Conselho do Mercado Comum, quem define ao fim e ao cabo o alcance e morfologia do procedimento da consulta.

A escolha por essa estilo programático do Protocolo quanto a regulação do instituto consultivo, é resultado prático de um dissenso estabelecido entre os membros do tratado.

Boldoniri (2003, p. 139) [1] registra acerca disso que, de um lado, Uruguai e Paraguai propuseram a criação de um mecanismo de consulta amplo, capaz de autorizá-los a indagar o Tribunal Permanente de Revisão acerca da aplicação, interpretação e não-cumprimento de quaisquer das normas mercosulinas, enquanto que Argentina e Brasil demonstraram reticência a este modelo.

Estes últimos temiam, em suma, que a consulta demasiadamente ampla pudesse criar uma espécie de pré-julgamento capaz de fulminar o procedimento da controvérsia acima analisado.

Contudo, admitiram que o alcance da consulta fosse balizado por norma ordinária do Conselho, uma vez que mais facilmente alterável, acaso a experiência demonstrasse necessário ampliar ou restringir o espectro consultivo.

O Conselho do Mercado Comum, na XXV reunião de 15/11/2003, regulamentou a morfologia do rito da opinião consultiva. Por seu ato, são legitimados a submeter a consulta todos os membros integrantes do tratado, os órgãos com capacidade decisória do MERCOSUL, bem como os Tribunais Nacionais Superiores de cada Estado, ex vi art. 2º do regulamento.

Para cada legitimado, uma característica própria a ser aplicada quanto ao rito.

Membros e órgãos decisórios poderão dirigir dúvidas “sobre qualquer questão jurídica” ao Tribunal Permanente de Revisão, desde que compreendida “no Tratado de Assunção, no Protocolo de Ouro Preto, nos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, nas Decisões do CMC, nas Resoluções do GMC e nas Diretrizes da CCM”.

Significa dizer que toda dúvida cuja causa de pedir relacione-se com as normativas do mercado comum, estão plenamente suscetíveis a este rito. (art. 3º, numeral 1 e 2 do regulamento).

Assim, em princípio, é possível considerar que a disciplina atual se aproxima da proposição originariamente formulada por Uruguai e Paraguai.

Nada obstante, para habilitar-se a suscitar a dúvida, o Estado-parte deve propor um projeto de solicitação que somente seguirá ao conhecimento do Tribunal quando todos os demais membros, assentirem quanto ao objeto e conteúdo da consulta, exercendo-se, assim, um verdadeiro juízo de admissibilidade muito curiosamente não pautado na forma, mas, antes de tudo, na conveniência política e econômica da indagação. Ou melhor, na conveniência que se vislumbra da resposta que pode advir à vista da consulta.

De outro lado, acaso a opinião consultiva seja deflagrada por Tribunais Superiores integrantes do âmbito nacional dos Estados-parte, os requisitos tornam-se mais restritos, circunscrevendo-se, exclusivamente, “à interpretação jurídica da normativa MERCOSUL, sempre que se vinculem a causas que estejam em tramitação no Poder Judiciário do Estado Parte solicitante” [2], motivo pelo qual a consulta, nestes casos, jamais poderá ser feita em termos abstratos como, e.g., sobre projetos normativo, porquanto a literalidade exige um litígio interno já instalado, cujo desfecho no plano nacional depende da interpretação da Corte comunitária, de modo a preservar a integralidade do programa normativo do mercado comum.

Em todos os casos, contudo, o pedido é escrito, formulando-se “em termos precisos a questão (...) indicando-se ainda as normas MERCOSUL vinculadas à petição” (art. 5º caput).

Essa exigência, pretende balizar os limites da resposta a ser dada pelo Tribunal, porquanto ao exigir a indicação das “normas MERCOSUL vinculadas a questão objeto da indagação”, o intérprete poderá exercer seu juízo de admissibilidade formal, excluindo aquelas consultas cujas normas envolvidas não sejam vinculadas ao conjunto do MERCOSUL.

O propósito, importante registrar, não é exigir que as questões ventiladas digam respeito somente acerca de direito vigente, mas disciplinar a consulta de modo que qualquer questão que possa resvalar em alguma das normas vigentes do mercado comum, possa também ser objeto de indagação.

Assim, entendo que qualquer ato tomado por uma das Partes que seja efetiva ou potencialmente tendente a afetar a disciplina do tratado, como, e.g., um anteprojeto normativo que pretenda extinguir ou instituir no plano interno uma política tarifária unilateralmente gravosa ao comércio inter partes, pode ser objeto da opinião consultiva.

Não se poderia concluir diferentemente.

Em sua essência, o procedimento consultivo pretende servir como um verdadeiro mecanismo de prevenção da controvérsia. O Estado-parte, portando, valendo-se de uma dúvida legítima acerca do que deve ou não fazer, pode muito bem indagar o Tribunal ex ante factum a fim de evitar que sua ação possa, no futuro, perturbar o equilíbrio do ajustado no acordo de comércio regional.

Porventura fosse restrita a possibilidade de consulta sobre anteprojeto normativo tendente a afetar norma integrante do condomínio do mercado comum, inadmitir-se-ia a prevenção da disputa em privilégio do litígio, raciocínio totalmente oposto a finalidade do próprio sistema de mercado comunitário para o qual o conflito traduz-se em inoportuno risco a viabilidade dos acordos.

Por fim, observe-se que as objeções anteriormente opostas por Brasil e Argentina quanto à amplitude da consulta não são ignoradas com a conclusão aqui adotada porque a manifestação dada pelo Tribunal em sede de consulta consoante art. 11 do regulamento, não é vinculante, tampouco obrigatória [3], de tal forma que não se consubstancia em espécie de “pré-julgamento”, aproximando-se de uma verdadeira recomendação, característica que serve para reforçar sua natureza preventiva.

Assim, quando a consulta é dirigida por Estados-parte ou órgãos integrantes do MERCOSUL dotados de capacidade decisória, é admissível a consulta opinativa em termos abstratos, incluído ato político ou normativo em fase de elaboração, desde que seja possível razoavelmente vislumbrar dele potencial perturbação a disciplina comunitária e desde que da questão haja, ipso facto, aderência às normas do MERCOSUL.

Contudo, acaso a consulta seja dirigida por Tribunais Superiores integrantes do plano interno de quaisquer dos Estados-parte, a consulta opinativa não será admitida em modo abstrato, permitida apenas à vista de litígio interno anterior, cujo desfecho no plano nacional dependa diretamente da interpretação da Corte comunitária sobre matéria de comércio comum afeta ao tratado.

Siga-me nas redes sociais: @pedro.moreira.viana


[1] BOLDORINI, Maria Cristina. Protocolo de Olivos. Innovaciones en el sistema de solución de controvérsias del Mercosur. In: Câmara dos Deputados e Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul. Solução de controvérsias no Mercosul. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003.

[2] v. ainda as Decisões do CMC nº 15/2010 e 7/2020, disponível em https://normas.mercosur.int/simfiles/normativas/84367_DEC_002-2007_PT_Opini%C3%B5es%20Consultivas_At...

[3] Diferentemente de quando o Tribunal atua em sede contenciosa, quando em direto ou último grau, decide a disputa em grau final com autoridade vinculante.

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