O registro em cartório de escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária não obsta o direito à resolução por inadimplemento fundado no artigo 475 do Código Civil.
Comentário
A corrente jurisprudencial em questão defende a tese de que o registro em cartório de escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária não obsta o direito à resolução por inadimplemento fundado no artigo 475 do Código Civil. Essa controvérsia tem sido objeto de análise pelos tribunais, que têm se posicionado de forma favorável à aplicação do referido dispositivo legal.
Um dos precedentes jurisprudenciais relevantes que compõem essa corrente é o REsp 2095461/MG, no qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou uma ação de adjudicação compulsória. No caso, o promitente vendedor não cumpriu a obrigação de celebrar o contrato definitivo, o que deu ao promitente comprador o direito de pleitear a adjudicação compulsória. O tribunal entendeu que esse direito não se condiciona ao registro do contrato no Registro de Imóveis, pois possui caráter pessoal. No entanto, ressaltou que a ausência de registro impede a adjudicação compulsória se o mesmo imóvel for alienado a terceiro mediante contrato registrado no Registro de Imóveis. Nesse sentido, o tribunal concluiu que, no caso em questão, o registro do contrato de alienação fiduciária fez surgir para o credor fiduciário o direito de propriedade resolúvel sobre o imóvel, o que obsta a adjudicação compulsória.
Outro precedente relevante é o REsp 1992178/MA, no qual o STJ analisou a rescisão de contrato de compra e venda de imóvel. O tribunal entendeu que a existência de cláusula de alienação fiduciária em contrato de compra e venda não permite a aplicação dos procedimentos previstos nos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997 para a hipótese de inadimplemento do vendedor/credor fiduciário. Assim, o registro em cartório de escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária não obsta o direito à resolução por inadimplemento fundado no artigo 475 do Código Civil.
Além disso, o REsp 1739994/DF e o REsp 1848385/DF também corroboram essa corrente jurisprudencial. Ambos os precedentes reforçam que o registro em cartório de escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária não impede a resolução por inadimplemento com base no artigo 475 do Código Civil. Destaca-se que a existência de cláusula de alienação fiduciária em contrato de compra e venda não permite a aplicação dos procedimentos previstos nos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997 para a hipótese de inadimplemento do vendedor/credor fiduciário.
Por fim, o REsp 1867209/SP também é relevante para essa corrente jurisprudencial. Nesse caso, o STJ analisou uma ação de resolução de contrato com pedido de restituição de valores pagos referente a uma compra e venda de imóvel garantida mediante alienação fiduciária em garantia. O tribunal entendeu que o pedido de resolução do contrato por desinteresse do adquirente, mesmo que ainda não tenha havido mora no pagamento das prestações, configura quebra antecipada do contrato. Dessa forma, é possível aplicar o disposto nos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997 para a satisfação da dívida garantida fiduciariamente e devolução do que sobejar ao adquirente.
Diante desses precedentes jurisprudenciais, é possível concluir que a corrente jurisprudencial em análise defende que o registro em cartório de escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária não impede o direito à resolução por inadimplemento fundado no artigo 475 do Código Civil. Essa tese tem sido acolhida pelos tribunais, que têm interpretado que a existência de cláusula de alienação fiduciária não afasta a aplicação do referido dispositivo legal.
Jurisprudência que aplica esta corrente
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MG XXXX/XXXXX-3
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 21/11/2023CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADA. SEGUNDA ALIENAÇÃO DO MESMO BEM. VENDA A NON DOMINO. INOCORRÊNCIA. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE. BEM OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA REGISTRADA. PROPRIEDADE PERTENCENTE AO CREDOR FIDUCIÁRIO. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. POSSIBILIDADE. 1. Ação de adjudicação compulsória ajuizada em 03/05/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 15/09/2021 e concluso ao gabinete em 12/08/2022.2. O propósito recursal consiste em definir se a) houve negativa de prestação jurisdicional; b) está configurada a venda a non domino;c) estão presentes os requisitos para a adjudicação compulsória e d) é possível a conversão da adjudicação compulsória em perdas e danos.3. É de ser afastada a existência de omissões e de erro material no acórdão recorrido, pois as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.4. A venda a non domino é realizada por quem não detém a propriedade da coisa, mas é existente, válida e eficaz entre os contratantes, sendo apenas ineficaz em face do proprietário do bem. A promessa de compra e venda sem cláusula de arrependimento e registrada no Registro de Imóveis gera direito real de aquisição ao promitente comprador (art. 1.417 do CC/02 ). O registro produz efeitos erga omnes, impedindo a realização de negócios sucessivos sobre o mesmo bem. Ausente o registro, a propriedade plena do imóvel permanecerá com o vendedor, de modo que a venda do mesmo bem a terceiro não se caracterizará como venda a non domino.5. Se o promitente vendedor não cumprir a obrigação de celebrar o contrato definitivo, o promitente comprador tem o direito de pleitear, em juízo, a adjudicação compulsória (art. 1.418 do CC/02 ).Esse direito não se condiciona ao registro do contrato no Registro de Imóveis, haja vista seu caráter pessoal (Súmula 239 /STJ). Nada obstante, a ausência de registro obstará a adjudicação compulsória se o mesmo imóvel for alienado a terceiro mediante contrato registrado no Registro de Imóveis. Todavia, ressalva-se ao promitente comprador a possibilidade da conversão da execução específica em indenização (art. 248 do CC e art. 499 do CPC/2015 ).6. O registro do contrato de alienação fiduciária faz surgir para o credor fiduciário o direito de propriedade resolúvel sobre o imóvel que lhe foi transmitido e confere ao devedor fiduciante o direito real de aquisição (art. 22 da Lei nº 9.514 /1997 e art. 1.368-B do CC/02 ). Apenas é reservado ao fiduciante um direito expectativo à aquisição da propriedade.7. Na espécie, o recorrente celebrou promessa de compra e venda com os recorridos, tendo por objeto um apartamento. Esse contrato não foi registrado na matrícula do imóvel. O mesmo imóvel foi objeto de uma nova promessa de compra e venda. Essa segunda venda não se caracteriza como venda a non domino em face do recorrente, já que a propriedade plena se manteve com o alienante.8. Após a primeira promessa de compra e venda o imóvel foi objeto de alienação fiduciária à Caixa Econômica Federal, a qual foi registrada no Registro de Imóveis. Por sua vez, os segundos adquirentes assumiram a dívida perante a CEF. Desse modo, quando exercida a pretensão adjudicatória por meio da propositura desta ação, a propriedade do imóvel já não pertencia aos promitentes vendedores (recorridos), mas sim à CEF, e o direito expectativo de aquisição da propriedade era titularizado pelos segundos adquirentes. Tais circunstâncias obstam a adjudicação compulsória por impossibilidade superveniente, mas fica assegurado ao promitente comprador (recorrente) a indenização por perdas e danos, a ser quantificada em liquidação de sentença.9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MA XXXX/XXXXX-0
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 18/08/2022PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONFIGURAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. DESCABIDO. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO CONTROVERTIDA. DIREITO MATERIAL DO CREDOR FIDUCIÁRIO NÃO ATINGIDO. 1. Recurso especial interposto em: 08/06/2020. Concluso ao gabinete em: 23/03/2022. 2. Ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel. 3. O propósito recursal consiste em perquirir se o credor fiduciário deve figurar como litisconsorte necessário em hipótese na qual a ação judicial visa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel que foi adquirido por alienação fiduciária. 4. Encontrando-se o entendimento do Tribunal de origem em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, por terem sido fixados os honorários dentro do percentual estabelecido por lei, inexiste violação ao art. 85 , § 2º , do CPC . 5. Prevê o art. 114 , do CPC/15 , que o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. 6. O direito material é o que determina a existência ou não de litisconsórcio, facultando ou exigindo a sua formação. 7. A alienação fiduciária é garantia que outorga ao credor fiduciário a propriedade resolúvel da coisa dada em garantia, ao passo que o devedor fiduciante detém apenas a sua posse direta. 8. Quando a decisão judicial não afeta o direito material do credor fiduciário, de forma a saber, a propriedade do bem, não há razão que fundamente a formação de litisconsórcio necessário, importando que o credor fiduciário não seja em nenhuma hipótese prejudicado. 9. Recurso especial não provido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX DF XXXX/XXXXX-2
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 20/05/2021RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. COMPRA E VENDA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REGISTRO. ESCRITURA PÚBLICA. COMPETÊNCIA. RELATIVA. DIREITO PESSOAL. DOMICÍLIO. CONSUMIDOR. FACILITAÇÃO. INADIMPLÊNCIA. VENDEDOR. CREDOR FIDUCIÁRIO. DIREITO À RESOLUÇÃO. ESTADO ANTERIOR. RETORNO. PARCELAS PAGAS. DEVOLUÇÃO TOTAL. ARTS. 26 E 27 DA LEI Nº 9.514/19 97. INAPLICABILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. PREJUDICADO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está firmada no sentido de que a facilitação da defesa dos direitos do consumidor em juízo permite a propositura de demanda judicial em seu próprio domicílio. 3. Em se tratando de discussão que concerne a direitos pessoais, a competência para processar e julgar o feito será relativa, ainda que as obrigações em comento derivem de negócio jurídico sobre bem imóvel. 4. O registro em cartório de escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária não obsta o direito à resolução por inadimplemento fundado no artigo 475 do Código Civil . 5. A existência de cláusula de alienação fiduciária em contrato de compra e venda não permite a aplicação dos procedimentos dos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514 /1997 para a hipótese de inadimplemento do vendedor/credor fiduciário. 6. As razões que levam ao não provimento do recurso especial pela alínea a também afetam a análise pela alínea c do permissivo constitucional. Precedentes. 7. Recurso especial conhecido e não provido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX DF XXXX/XXXXX-4
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 20/05/2021RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. COMPRA E VENDA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REGISTRO. ESCRITURA PÚBLICA. INADIMPLÊNCIA. VENDEDOR. CREDOR FIDUCIÁRIO. DIREITO À RESOLUÇÃO. ESTADO ANTERIOR. RETORNO. PARCELAS PAGAS. DEVOLUÇÃO TOTAL. ARTS. 26 E 27 DA LEI Nº 9.514 /1997. INAPLICABILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. PREJUDICADO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O registro em cartório de escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária não obsta o direito à resolução por inadimplemento fundado no artigo 475 do Código Civil . 3. A existência de cláusula de alienação fiduciária em contrato de compra e venda não permite a aplicação dos procedimentos dos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514 /1997 para a hipótese de inadimplemento do vendedor/credor fiduciário. 4. As razões que levam ao não provimento do recurso especial pela alínea a também afetam a análise pela alínea c do permissivo constitucional. Precedentes. 5. Recurso especial conhecido e não provido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX SP XXXX/XXXXX-3
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 30/09/2020RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL (LOTE) GARANTIDA MEDIANTE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AUSÊNCIA DE CULPA DO VENDEDOR. DESINTERESSE DO ADQUIRENTE. 1. Controvérsia acerca do direito do comprador de imóvel (lote), adquirido mediante compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, pedir a resolução do contrato com devolução dos valores pagos, não por fato imputável à vendedora, mas, em face da insuportabilidade das prestações a que se obrigou. 2. A efetividade da alienação fiduciária de bens imóveis decorre da contundência dimanada da propriedade resolúvel em benefício do credor com a possibilidade de realização extrajudicial do seu crédito. 3. O inadimplemento, referido pelas disposições dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514 /97, não pode ser interpretado restritivamente à mera não realização do pagamento no tempo, modo e lugar convencionados (mora), devendo ser entendido, também, como o comportamento contrário à manutenção do contrato ou ao direito do credor fiduciário. 4. O pedido de resolução do contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em garantia por desinteresse do adquirente, mesmo que ainda não tenha havido mora no pagamento das prestações, configura quebra antecipada do contrato ("antecipatory breach"), decorrendo daí a possibilidade de aplicação do disposto nos 26 e 27 da Lei 9.514 /97 para a satisfação da dívida garantida fiduciariamente e devolução do que sobejar ao adquirente. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.