Página 1039 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 14 de Julho de 2014

o dano moral indenizável. Pugna seja a empresa ré compelida a cobrir o tratamento quimioterápico intraocular e os exames de tomografia de coerência óptica, além da condenação ao pagamento de indenização por danos morais, estimada em 20 (vinte) salários mínimos. Juntou documentos de pgs.17/30. Deferido o pedido de tutela antecipada (pgs.31/33), SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE apresentou contestação nas pgs.68/83, nos seguintes termos: os planos de saúde ofertados pela requerida não preveem cobertura para a terapia antiangiogênica de lucentis e a realização de exame OCT, procedimentos que também não figuram no rol editado pela Agência Nacional de Saúde; a medicação Lucentis é importada; o contrato exclui expressamente a cobertura de medicamentos importados, devendo ser respeitado o princípio da força vinculante dos contratos; a Lei 9.656/98 também não obriga a contestante a cobrir a aquisição de medicamento importados; inexistência de danos morais; ausência dos pressupostos ensejadores da obrigação ressarcitória. Juntou documentos de pgs.90/103. Réplica nas pgs.109/112, seguida de manifestação da empresa ré nas pgs.123/126. É o RELATÓRIO. DECIDO. O feito comporta julgamento imediato, uma vez que a matéria controvertida não desafia a produção de outras provas, além dos documentos já apresentados pelas partes. O autor figura como beneficiário de plano de assistência à saúde ofertado pela empresa ré (pg.19). Viu-se acometido de grave moléstia ocular, que demanda tratamento imediato de quimioterapia e exames específicos de tomografia (pg.24). A requerida não autorizou o tratamento com base em cláusula que exclui a cobertura de medicamentos importados, aduzindo ainda que os procedimentos não estão previstos no rol da Agência Nacional de Saúde (pg.25, pg.28). A doutrina clássica sobre a autonomia da vontade nos contratos vem cedendo lugar ao dirigismo contratual, ante a necessidade de criar “um sistema de defesas e garantias para impedir que os fracos sejam espoliados pelos fortes, assim como para assegurar o predomínio dos

interesses sociais sobre os individuais. (.....) Josserand vê nessa atividade intervencionista do Estado, exercida pelo legislador e pelo juiz, a preocupação de segurança nas relações contratuais. Parece, porém, que a preocupação principal é de justiça, por estar verificado que a liberdade de contratar é, de ordinário, somente teórica, desde que não há acordo livre entre contratantes de forças desiguais, dos quais um terá de se submeter à vontade do outro. Urge torná-la efetiva, compensando-se as deficiências do contratante fraco” (Darcy Bessone, Do Contrato Teoria Geral, Ed. Saraiva, 1.997, pgs.35/36). A relação jurídica entre as partes instaurada é abrangida pelo feixe de direitos do sistema protetivo da Lei 8.884/1.994. É fato notório que o consumidor não participa da elaboração das condições gerais dos contratos que oferecem planos de saúde, de natureza técnica pouco acessível, situação que o deixa à mercê das operadoras para impor um caráter quase unilateral ao negócio. Tal desequilíbrio é compensado pelo Código de Defesa do Consumidor, que veda expressamente a existência de cláusulas abusivas. Não se pode conceber que as partes, ao estabelecerem contratualmente a responsabilidade da ré em suportar os custos da assistência médica, limitaram o tratamento da moléstia ocular a medicamentos nacionais, excluindo ainda exames de tomografia indispensáveis para monitorar a evolução da doença, deixando o beneficiário à sua própria sorte, sem os cuidados técnicos disponíveis a socorrê-lo. Não prevalece o entendimento da requerida no sentido de que não é obrigada a custear as sessões de quimioterapia e os exames de tomografia (Tomografia de Coerência Óptica), caso contrário não teria sentido a cobertura geral contratada, que abarca moléstias oculares. Os procedimentos descritos na solicitação médica de pg.24 são indispensáveis para o controle da evolução da doença, necessários à preservação da visão do autor. A oferta de cobertura para moléstias oculares, sem que o enfermo tenha direito ao tratamento correspondente, afigura-se contraditória e ambígua merecendo, portanto, interpretação contrária ao proponente do contrato tipo. “se a cobertura desejada está vinculada a um ato ou procedimento coberto, sendo patologia de conseqüência, não se pode considerar como incidente a cláusula proibitiva, sob pena de secionarmos o tratamento que está previsto no contrato” (STJ 3ª Turma, Recurso Especial 519.940, 17/06/2003). Vale lembrar ainda o princípio da boa-fé objetiva, expressamente incorporado na teoria geral dos contratos, conforme artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Do princípio da boa-fé objetiva decorrem expectativas de atitudes dos contratantes, no sentido de eles cooperarem reciprocamente pelo cumprimento dos deveres anexos de lealdade e confiança: “Todavia, outros deveres se impõem na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela. Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo” (Nelson Rosenvald, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Coordenador Ministro Cezar Peluso, pg.483). A fornecedora oferece cobertura para eventos danosos à saúde do consumidor, que por sua vez espera ver satisfeita a sua expectativa legítima de segurança, em caso de eventual dano à sua saúde. É seguro, pois, afirmar, que a conduta da requerida, negando-se a fornecer tratamento ao paciente, é absolutamente iníqua, incompatível com a tutela jurídica da boa-fé, porquanto contraria os parâmetros e expectativas criados no ato da celebração da avença, frustrando a execução do contrato e causando risco de grave lesão a um dos contratantes. “O intuito de imprimir efetividade jurídica às aspirações, tendências e necessidades da vida de relação constitui um caminho mais seguro para atingir a interpretação correta do que o tradicional apego às palavras, o sistema silogístico de exegese. Desapareceu nas trevas do passado o método lógico, rígido, imobilizador do Direito: tratava todas as questões como se foram problemas de Geometria. O julgador hodierno preocupa-se com o bem e o mal resultantes do seu veredictum. Se é certo que o juiz deve buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto; todavia este alcance e aquele sentido não podem estar em desacordo com o fim colimado pela legislação o bem social” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Editora Forense, 19ª edição, pgs.129/130). Conforme precedentes da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, “a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a sua situação de aflição psicológica e de angústia no espírito. Recurso especial conhecido e provido” (RESp n.º 657.717/RJ - 3a Turma, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. 23/11/2005, conheceram e deram provimento, v. u., DJU 12/12/2005, p. 374, RNDJ 76/96). Caracterizada a ofensa aos predicados da personalidade, resta a análise do valor da indenização. A aplicação irrestrita da “teoria do valor do desestímulo”, centrada na intenção punitiva ao causador do dano, encontra óbice no ordenamento jurídico pátrio, que antes do Código Civil de 2.002 tinha como princípio informador a vedação do enriquecimento sem causa, agora prescrita textualmente no artigo 884 do Novo Código Civil. O critério que vem sendo utilizado pela jurisprudência na fixação das indenizações por danos morais considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento o julgador à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, servindo ao mesmo tempo para desestimular o ofensor a repetir o ilícito. Levando-se em conta esses parâmetros, afigura-se razoável a importância de R$6.000,00 (seis mil reais). O valor da indenização será corrigido a partir da data do arbitramento, em consonância com o disposto na Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”. A estimativa do valor do dano moral, na petição inicial, não gera sucumbência recíproca, na hipótese de indenização em valor inferior (“Tanto a 3ª Turma RESP n.112.561 quanto a 4ª Turma RESP n.113.398, RESP n.141.354 têm entendido que, sendo estimativo o quantum pedido a título de indenização, o

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