Sumário:
Silvia da Graça Gonçalves Costa 1
1.Breve introdução histórica: legislativo e perspectivas gerais
Historicamente, o avanço na construção de políticas públicas, ainda que tímidas, e instrumentos normativos de proteção de gênero, somente foi possível em razão do processo de redemocratização do país, a partir de 1985 e da Constituição Federal de 1988.
Registre-se que, em 1985, foi instalada em Santos, Estado de São Paulo, por meio do Decreto 23.769/1985, a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, com o escopo de investigar e apurar delitos contra pessoas do sexo feminino. A visão era ainda bastante restrita, tratando a violência contra a mulher apenas como uma questão criminal. 2
Nesse sentido, é emblemática a Lei 11.340/2006 , Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8ºdo artt . 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
Alterações realizadas no âmbito penal e o Código Civil de 2002 trouxeram também evoluções legislativas ao abolir o conceito de “mulher honesta”, modificar “crimes contra os costumes” para “crimes contra a dignidade sexual”, retirar como causa extintiva de punibilidade o casamento entre agressor e vítima de crimes sexuais e alterar conceitos sobre família, capacidade e patrimônio no âmbito civil.
Porém, apesar das modificações legislativas, a estrutura social brasileira permanece machista e racista, e os (as) operadores (as) do Direito, como parte dessa estrutura, acabam por reproduzir argumentos, decisões e conceitos que a mantém e, para propiciar meios que visem a alteração de tais comportamentos, foi construído o Protocolo, objeto do presente artigo. Cabe argumentar que, embora seja classificado como uma referência para magistrados e magistradas, as (os) advogadas (os), servidoras (es), peritas (os) e procuradoras (es) devem fazer uso como importante ferramenta para se atingir a igualdade de gênero e raça.
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero é resultado das pesquisas e estudos realizados pelo grupo de trabalho instituído pela Portaria CNJ 27, de 02 de fevereiro de 2021, com o objetivo de implementar as Resoluções CNJ 254 e 255, ambas de 2018, que estabeleceram a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres pelo Poder Judiciário e a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.
Trazendo considerações teóricas sobre as questões de igualdade, o Protocolo serve como guia aos magistrados (as) para que os julgamentos nos diversos âmbitos da Justiça possam ser realizados sob a lente de gênero, com a …