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Tratado de Direito Empresarial - Vol. IV - Ed. 2023

Tratado de Direito Empresarial - Vol. IV - Ed. 2023

Capítulo I. Agência ou Representação Comercial

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Sumário:

Fernando Kuyven

1.Considerações gerais sobre representação

A representação se caracteriza pela manifestação de vontade que produz efeitos próprios, embora não tenha sido emitida pelo responsável, mas por outra pessoa. Em princípio, a representação pode surgir combinada com qualquer negócio jurídico que permita substituição, isto é, que não seja de caráter personalíssimo.

O representado se obriga pelo ato do representante somente se este tem poder de representação, vontade de representar e vontade de contratar. 1

De fato, a ação por conta de outrem pressupõe o poder outorgado para tanto. Além disso, o representante deve agir com intenção de representar e o terceiro contratante deve ter conhecimento que ele atua por conta de outro, o representado. O representante deve, ainda, ter liberdade de contratação, caso não tenha qualquer liberdade, não será representante, mas mero mensageiro.

Cumpre destacar que, apesar da nomenclatura atribuída a determinadas atividades de distribuição de produtos, nelas não há representação em sentido estrito, como no caso da agência. Com efeito, a atuação do agente não obriga o agenciado, o primeiro atua apenas por conta do segundo, podendo o agenciado recusar os pedidos encaminhados pelo agente; se houvesse representação em sentido estrito, os atos do agente vinculariam e obrigariam o agenciado, como ocorre em outros tipos de intermediação, a exemplo do mandato.

2.Gênese do contrato de agência ou representação comercial

As dificuldades advindas da conclusão de negócios jurídicos pelas próprias partes contratantes levaram ao surgimento das atividades de intermediação, com vistas a fomentar a realização de negócios e a aumentar o alcance dos produtos.

A atividade de promover e intermediar negócios por conta de outrem sempre existiu. A doutrina analisa a regulação desta atividade desde a Roma antiga, 2 mas foi na Revolução Industrial do século XIX que ela ganhou maior destaque e suscitou o interesse do legislador. 3

Nessa linha, surgem os caixeiros-viajantes ou pracistas, que realizavam os negócios em nome próprio, mas no interesse do empregador ou comitente. Essa atividade evolui e os pracistas deixaram de ser empregados, passando a atuar como agenciadores de negócios autônomos, sem vínculos empregatícios ou de exclusividade.

De maneira efetiva, a profissão de representante comercial autônomo surgiu para substituir o empregado subordinado que onerava os custos do negócio, não só por conta de suas viagens, mas, também, pelo pagamento de remuneração fixa, independentemente da sua produtividade, além das altas verbas trabalhistas.

Por meio do processo de representação ou agenciamento, o produtor transfere alguns custos e riscos para o agente intermediário, na medida em que exclui contingências trabalhistas e livra-se da remuneração fixa, posto que o agente é remunerado apenas pelos resultados efetivamente obtidos em favor do agenciado, assumindo riscos que o incentivam a aumentar sua eficiência na promoção e intermediação de negócios.

Assim, embora a categoria jurídica própria da representação comercial ou da agência seja recente, essa atividade já era amplamente exercida pelos corretores, mandatários e comissários, na condição de auxiliares independentes do comércio.

O Direito alemão foi o primeiro sistema a regular especificamente este tipo de contrato, com a Lei de 1857, seguido pela Lei francesa de 1866 que veio proclamar a liberdade de intermediação e reconhecer o representante comercial como um empresário autônomo e independente em relação ao representado.

Entretanto, parece ser no Código Civil Italiano, de 1942, que o Direito brasileiro foi buscar o fundamento da disciplina para o instituto em nosso país.

Desde o início do século XX houve no Brasil um grande movimento dos representantes comerciais que reivindicavam a institucionalização dessa profissão, de modo a assegurar seus direitos e diminuir os abusos exercidos pelos representados. Com isso, em 1965 surgiu a Lei 4.886 (LRC), que regulamentou a profissão de representante comercial, embora não tenha tratado de questões fundamentais para o desempenho dessa atividade. Assim, para sanar tais lacunas, surge a Lei 8.420, em 1992, aprimorando a disciplina desta categoria profissional, apesar de ter falhado ao não prever a presunção de exclusividade em favor do representante, o que só veio a ocorrer no Código Civil de 2002 ( CC). Este Código, adotando uma denominação internacional de “agência” para definir esta atividade de intermediação de negócios, veio reforçar as conquistas da legislação de 1965 e de 1992, bem como reafirmar o caráter oneroso, profissional e autônomo da representação comercial no Brasil.

Atualmente, o contrato de agência é o instrumento escolhido por grande parte das empresas internacionais que buscam expandir seus negócios para outros países, sem que elas sejam obrigadas a criar subsidiárias ou filiais, reduzindo, assim, seus riscos ligados ao desconhecimento do mercado ou da legislação aplicável. Nesse ponto, o contrato modelo de agência internacional da Câmara de Comércio Internacional (CCI) reúne aspectos da prática internacional neste setor, destacando aspectos relacionados com as formas de resolução de controvérsias e as normas de ordem pública interna de cada Estado.

3.Identidade entre agência e representação comercial

Ainda que a LRC de 1965 se refira a representação comercial e o Código Civil de 2002 fale em agência, eles regulam um mesmo instituto contratual, divergindo apenas sobre a denominação. Esta divergência de nomenclatura é encontrada também no Direito Comparado, pois alguns países utilizam a sinonímia de representação comercial e outros de agência, mas de todo modo, regulam da mesma forma o instituto.

Com efeito, os referidos contratos de agência e de representação comercial se tratam da mesma atividade de intermediação de negócios, tendo estes institutos o mesmo conteúdo. Eventuais distinções surgirão em cada contrato celebrado pelas partes, no exercício de sua liberdade contratual e da autonomia da vontade das partes, de acordo com as peculiaridades dos contratantes e as características da situação concreta, mas não de uma divergência dogmática entre tais institutos, que deverão sempre receber o mesmo tratamento pelo Direito. Paralelamente, veremos adiante que a liberdade contratual e autonomia das partes não são um valor absoluto em si, sendo submetidas ao juízo de licitude à luz da vulnerabilidade do representante comercial.

A propósito, o projeto de lei do atual Código Civil tratava do instituto como “representação comercial”, tendo a expressão sido substituída por “agência” apenas pela Comissão Revisora. O próprio conceito de agência trazido pelo art. 710 do CC corresponde exatamente àquele de representação comercial previsto no art. 1.º da Lei 4.886/1965 , logo, não há razões teóricas ou práticas que justifiquem qualquer distinção entre os referidos institutos.

Foi assim, com pequenas mudanças feitas para modernizar a representação e adaptá-la à teoria da empresa, que o Código Civil recepcionou a disciplina prevista na Lei de 1965, com as alterações trazidas pela reforma de 1992, não revogando, portanto, a disciplina anterior desse contrato no Direito nacional.

Não procede, portanto, o argumento de que os referidos institutos se diferem porque a Lei de 1965 permite que o representante pratique atos relacionados com a execução dos negócios, ao passo que o Código Civil prevê tal faculdade apenas se o agenciado outorgar ao agente, expressamente, o poder de concluir o contrato em seu nome, de forma que este nã o poderia, em princípio, concluir o contrato, limitando sua atividade à promoção e intermediação do negócio. Diante disso, alguns autores consideram que o contrato de agência se situa, qualitativamente, em plano inferior ao de representação, razão pela qual não podem ser tomados como expressões sinônimas. 4

Essa diferença de linguagem entre a Lei Especial e o Código Civil reforça, dentro da noção de contrato de agência ou representação comercial, o caráter acessório do poder do agente de concluir o contrato. Tal poder não representa um elemento caracterizador desse tipo contratual no Direito brasileiro. Assim, o poder de fechar negócios em nome do agenciado não tem o efeito de distinguir a agência de outros contratos, uma vez que não configura um dos seus elementos essenciais ou característicos, como são a autonomia e a habitualidade do exercício profissional do agente e o fato dele agir em nome e por conta do agenciado.

Por outro lado, o poder de realizar negócios é, sim, elemento caracterizador da agência ou representação em outros sistemas jurídicos, servindo de base comum para a definição deste mesmo e único contrato. A este respeito, o Código italiano dispõe que pelo contrato de agência o representante assume, estavelmente, o encargo de promover, por conta de outra, contra retribuição, a conclusão de contratos em uma zona determinada. Da mesma forma, o Direito alemão define o representante como toda a pessoa que, a título de exercício de uma profissão independente, seja permanentemente responsável por atuar como intermediário em transações negociadas em nome do empresário ou finalizar a transação em nome deste último.

Salvo este aspecto de celebração de contratos em nome do agenciado encontrado no Direito Comparado, os elementos caracterizadores do representante e do agente são os mesmos no Direito brasileiro, quais sejam, a presença de uma pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade não eventual e sem vínculo de dependência, tendo por objetivo a realização de negócios à conta de outra em área determinada.

4.Recepção pelo Código Civil de 2002

O art. 2.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que uma lei vigora até que outra a modifique ou revogue, ocorrendo modificação ou revogação quando a lei posterior expressamente declarar a lei anterior revogada ou quando aquela regular inteiramente a matéria ou for incompatível com a lei anterior. Ainda, é sabido que a lei geral que trate de temas correlatos não revoga nem modifica a lei anterior especial.

Nesse ponto, verifica-se que o Código Civil não regulou inteiramente a matéria tratada na Lei 4.886/1965 . Esta Lei, …

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1 de Junho de 2024
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