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Temas Atuais de Direito Processual: Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Arruda Alvim

Temas Atuais de Direito Processual: Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Arruda Alvim

2. Fundamentos e Pressupostos da Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro

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Araken de Assis

Professor Emérito da PUC/RS. Doutor em Direito pela PUC/SP. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Advogado.

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Professora da Graduação da IMED/RS. Pós-Doutora em Direito pela PUC/RS. Advogada.

Introdução

Sob a equívoca designação de tutela “provisória” de urgência, o Título II do Livro V da Parte Geral do CPC de 2015 pretendeu regular tanto a tutela cautelar quanto a tutela antecipada (rectius: satisfativa). Não fica claro, porém, quais os fundamentos que tornam a tutela de urgência tão importante na prática. Esse é o primeiro ponto a merecer exame. E, ademais, as medidas de urgência cautelares e satisfativas comportam distinções, pois há cautelares autônomas, que não pressupõem provimento definitivo, porque o receio de dano é eventual e pode não se concretizar, e medidas satisfativas autônomas, que se esgotam em si mesmas. A nosso ver, a disciplina legal não oferece respostas satisfatórias a essas hipóteses. E, por fim, os pressupostos para a concessão da tutela de urgência são homogêneos, mas exigem especificação.

O objetivo desse trabalho é o de contribuir para a melhor operação possível da tutela de urgência.

1. Regulação do tempo do processo

É inerente à vida em sociedade o surgimento de conflitos de natureza interindividual ou transindividual. E, segundo a evolução histórica, o melhor meio para resolvê-los é a heterocomposição: o Estado avoca a prestação de um serviço público, chamado de jurisdição, por meio de órgão especificamente instituído para essa finalidade – o órgão judiciário –, no âmbito de relação jurídica especial, formada pela iniciativa de alguém habilitado, como todos (nacionais ou estrangeiros, haja ou não personificação) os titulares da pretensão à tutela jurídica, designada de processo. A solução do conflito tomada nessa via é, por definição, autoritária. Ficarão as partes e os demais órgãos judiciários vinculados ao decidido. Às vezes, em determinados litígios, a exemplo dos que envolvem relações familiares, a solução consensual é mais vantajosa, reconciliando os desavindos e permitindo a futura convivência; mas a autocomposição revela-se apenas eventual, dependendo da boa vontade dos litigantes. Uma das modalidades que assumiu a solução consensual, nos últimos tempos, é a arbitragem, posto que a decisão seja igualmente autoritária. É contraproducente, ao invés, confiar à autonomia privada particular a solução direta do litígio, ou autotutela, porque não raro a decisão discrepará da pauta de conduta aceita na sociedade, 1 o que realimentará o conflito.

O direito constitucional ao processo, que é o instrumento da jurisdição, não pode ser confundido com o direito posto em causa, ou seja, a alegação pela qual o autor pretende obter do réu certo proveito, vantagem, utilidade, benefício, bem da vida ou, mais precisamente, determinado efeito jurídico, em razão da aplicação de certa norma aos fatos que originaram o litígio. Chama-se ao direito posto em causa, simples hipótese de trabalho para o órgão judiciário, de mérito ou objeto litigioso.

Formado o processo, mediante o exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado, a mais das vezes baseado no (a) princípio da oportunidade, decorrência da autonomia privada, escolhendo o autor a oportunidade mais proveitosa para acudir à jurisdição, e, em alguns casos, baseado no (b) princípio da obrigatoriedade (v.g., a iniciativa do Ministério Público), o órgão judiciário encarregar-se-á, em tese, de três tarefas distintas: (a) formular a regra jurídica concreta (trabalho de gabinete); (b) efetivar no mundo real os comandos judiciais (trabalho de campo); (c) tomar providências que assegurem os direitos litigiosos, submetidos a situações de perigo iminente e de difícil reparação ulterior, senão causa de dano irreparável aos resultados práticos do processo. Essa última função remedeia, na medida do possível, a natural demora da atividade judicante. 2 O processo se desenvolve no curso do tempo, 3 e, em razão da segurança jurídica, há a exigência de uma especialidade temporal. 4

É óbvio que a pendência do processo não paralisa o fluxo da vida 5 e, por outro lado, há direitos litigiosos que não podem aguardar o desenvolvimento obsequioso das atividades processuais aos direitos fundamentais.

O direito fundamental à tutela jurídica do Estado, possibilitando o acesso à Justiça, é objeto da previsão do art. 5.º, XXXV, da CF/1988. Em sua formulação literal, cuida-se de comando dirigido contra as investidas despóticas do legislador, impedindo a lei de excluir da apreciação do órgão judiciário qualquer “lesão ou ameaça a direito”. Contudo, o dispositivo também revela dois propósitos abrangentes da atividade jurisdicional do Estado: (a) o de reparar (tutela repressiva) e (b) o de prevenir (tutela preventiva).

É imperioso extrair todas as potencialidades desses fins intrínsecos da jurisdição. Em primeiro lugar, a jurisdição precisa ser efetiva; do contrário, jamais alcançaria a contento o objetivo de prevenir ameaças. E, para se mostrar efetiva, a resposta do órgão judiciário à postulação da parte há de se revestir dos atributos da tempestividade – justiça tardia é modalidade requintada de injustiça – e da adequação à natureza do conflito. Em outras palavras, da redação imperfeita da regra constitucional há de se retirar a natural exigência de a jurisdição “atuar de tal maneira que, em toda a extensão da possibilidade prática, venham as coisas a passar-se exatamente como se deveriam passar, de acordo com os preceitos do ordenamento”. 6 E, ademais, a jurisdição há de assegurar aos litigantes os direitos fundamentais processuais. Formalmente, o contraditório é o mais fácil a incorporar na prática forense. Entretanto, já não se poderá dizer o mesmo tanto de outros de igual importância, a exemplo da fundamentação eficiente das decisões judiciais e do juiz natural – regimes de exceção, em que certo juiz é escolhido para liquidar alguns processos em determinada vara ou comarca, são rotineiros e, ao permitirem que o processo seja confiado a alguém que não o recebeu por impessoal distribuição, sem dúvida, violam o direito fundamental processual do juiz natural.

Nada obstante, no plano constitucional inexiste incompatibilidade entre os dois marcos aparentemente contraditórios: de um lado, o da eficiência da atividade jurisdicional, em que avulta a celeridade; de outro, o de garantia da atividade jurisdicional. Claro está que a eficiência jamais legitimaria o sacrifício total dos direitos fundamentais processuais, pois isso implicaria “negar todo o sistema de tutela jurisdicional dos direitos”. 7

Pois bem. Logo se percebe a existência de ponto de contato entre o propósito geral de prevenir os efeitos de eventual ato ilícito e a tarefa judicial de evitar danos e o próprio perecimento do direito posto em causa no processo. É que o interesse de prevenir o ilícito surge em razão do perigo. 8 É, pois, uma forma de jurisdição de urgência. Entretanto, há uma diferença expressiva: a tutela preventiva exibirá caráter definitivo, porque o órgão judicial declara a existência do direito material de prevenir a ocorrência do ilícito ou de impedir a sua repetição e continuação (art. 497 do CPC de 2015). 9 Não é esse o sentido das providências tomadas pelo órgão judiciário de preservação do objeto do processo. Elas são precárias, porque subordinadas à pendência do processo.

Com…

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jusbrasil.com.br
28 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/2-fundamentos-e-pressupostos-da-tutela-antecipada-no-processo-civil-brasileiro-parte-vi-tutelas-provisorias/1481216068