Busca sem resultado
Julgamento Ampliado - Ed. 2022

Julgamento Ampliado - Ed. 2022

2.1. As Técnicas Decisórias Como Solução dos Déficits Agregacionais e Deliberativos

Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Sumário:

O viés da economia comportamental coloca em xeque o paradigma do homem racional, ao demonstrar, entre outras coisas, que o comportamento dos Juízes sofre interferências de vieses comportamentais. As limitações, inerentes a todo ser humano e que também os assolam, podem ser compensadas através da introdução de regras decisórias que modificam custos e benefícios de curto e longo prazo relacionados à tomada de decisão. 1

Através da introdução de regras, pode-se aumentar ou diminuir a importância do futuro, bem como incluir ou excluir estratégias disponíveis aos atores e incentivos capazes de promover a cooperação entre os Juízes. Também é possível, por exemplo, fomentar o comportamento cooperativo das partes na utilização das vias recursais. 2

Há nisso, em grande medida, a generalização de comportamentos. A simplificação da realidade e dos modelos utilizados não tem o objetivo de criticar ou ofender à ilustre classe da Magistratura, mas de reconhecer que, como todo tomador de decisão, os Magistrados respondem à lei, mas também a desejos, ideologias e incentivos, ainda que inconscientemente. 3

A fim de aprimorar os incentivos aos quais os Juízes respondem e, consequentemente, a qualidade das decisões judiciais, no item 2.1., analisa-se o impacto da introdução de regras decisórias na tomada de decisões em geral (subitem 2.2.1.) e, em seguida, em especial, nos Tribunais de segundo grau (subitem 2.2.2.), a partir da perspectiva neoinstitucionalista do realismo. 4

2.1. As técnicas decisórias como solução dos déficits agregacionais e deliberativos

2.1.1. Definição e funções das regras decisórias

Para a redução do extremismo, do autossilenciamento e do oportunismo dos agentes que compõem um colegiado e detêm racionalidade limitada, interesses particulares e uma grande carga de trabalho, podem ser criadas regras com objetivos e papéis predeterminados, legitimamente esperados e socialmente benéficos. 5

As regras são relativamente estáveis em face das mudanças nas circunstâncias externas e resilientes às preferências e expectativas dos indivíduos. Através de incentivos, constrangimentos, informações ou ameaças, elas definem direitos e deveres, restringem possibilidades e distribuem vantagens, ônus e oportunidades a fim de reduzir ou remodelar as assimetrias de poder e a incerteza, estabilizar as expectativas dos atores e, assim, agregar benefícios às interações sociais, sobretudo em termos de ganhos distributivos. 6

Quando as regras melhoram (com respeito ao status quo) a condição de todos (ou quase todos) os indivíduos de um grupo, elas são qualificadas como “eficientes”. Quando melhoram as condições de um grupo na sociedade em detrimento de outro, são denominadas “redistributivas”, 7 podendo servir a dois propósitos distintos: a preservação dos interesses da coligação dominante ou a promoção dos interesses da minoria para que, assim, por exemplo, ela se torne, futuramente, a nova maioria. 8

As regras, portanto, não são neutras, pois promovem a alocação de vantagens e desvantagens entre desafiantes e detentores do poder. 9 Isso não significa que elas determinem o comportamento dos agentes ou moldem suas percepções a ponto de tolher sua liberdade de escolha. 10 Elas são guias para futuros cursos de ação. 11 Por si sós, não determinam resultados políticos. Apenas mobilizam e organizam interesses e estruturam oportunidades que modificam as estratégias disponíveis aos atores, podendo haver ainda uma flexibilidade considerável de escolha entre elas.

Apesar de nem todas as restrições efetivas ao comportamento social serem expressas e, inversamente, nem todas as regras escritas constituírem restrições efetivas ao comportamento político, a redação por extenso das restrições é importante para o estabelecimento de expectativas mútuas sobre os comportamentos dos agentes, 12 contribuindo para a concretização dos objetivos preestabelecidos. 13 Porém, ao mesmo tempo que essa formalização não deve ser flexível a ponto de ceder à manipulação, não pode ser rígida a ponto de engessar a dinâmica intramural.

Além da coordenação de comportamentos, as regras podem influenciar os resultados decisórios através da forma pela qual a agregação de preferências é promovida. 14 Em ambos os casos, o elo crucial entre as instituições (como restrições contextuais) e os resultados (como consequências da escolha coletiva) não são as preferências individuais, mas o comportamento, 15 que é modificado, através das regras, a partir da mudança das estratégias disponibilizadas aos indivíduos. 16

A forma pela qual as regras são organizadas e modificam o comportamento dos atores sociais, aprimorando a tomada de decisão coletiva, é o objeto de estudo da teoria neoinstitucionalista, aqui adotada. 17 Ela tem justamente nas regras a sua unidade básica e refuta as ideias de que o comportamento humano é predeterminado e o resultado da tomada de decisão coletiva é limitado à agregação de votos individuais.

Por isso, trata os Tribunais como instituições, e não como plataformas para a exibição das atitudes individuais dos Juízes. 18 Nessa perspectiva, as decisões coletivas não são macroagregações das preferências individuais, mas resultado de procedimentos cognitivos e organizacionais. 19 Os resultados decisórios não são apenas a expressão coletiva de atitudes individuais ou de preferências políticas, mas da complexa interação entre preferências, regras institucionais e objetivos estratégicos. 20

Como modelos de coordenação na fase deliberativa, as regras permitem que os atores criem expectativas uns sobre os outros e, assim, sejam capazes de induzir resultados específicos. 21 Esses modelos ilustram com clareza o papel potencial das instituições formais como mecanismos para mudar padrões de comportamento e alcançar resultados pré-selecionados. 22

A repercussão no comportamento dos atores pode ser produzida pela mudança dos participantes das rodadas deliberativas, das opções de escolha disponíveis a eles ou da sequência do processo de deliberação. Para impactar os resultados do processo deliberativo, as regras podem operar através do estabelecimento de ameaças com potenciais sanções contra escolhas estratégicas, da agregação de custos, 23 da alteração das maiorias requeridas (qualificada ao invés de simples) ou da mudança do processo de votação de público para secreto. 24

Particularmente, para diminuir a inconsistência temporal, as regras podem eliminar opções de escolha, impor custos de amortização, definir recompensas, criar atrasos (impor mais de um turno de votação) e bloquear canais de comunicação. 25

Por um lado, na qualidade de objeto da atividade humana, as regras são coerções herdadas que refletem escolhas deliberadas. As instituições são vistas como “regras do jogo”, externas aos participantes das rodadas de deliberação, destinadas a restringir as oportunidades e a constranger os resultados decisórios. 26 Por outro, também são produto da ação dos próprios participantes, refletindo os interesses e as disposições aos quais, outrora, dispuseram-se a promover. 27

Ao mesmo tempo que estruturam as oportunidades que moldam as estratégias disponíveis aos atores, 28 as instituições nas quais as regras estão inseridas adquirem, à medida que se desenvolvem ao longo do tempo, objetivos próprios aos quais seus membros também passam a aderir. Então, além de restringirem preferências através de regras criadas exogenamente, as instituições criam novos constrangimentos quando, paulatinamente, fazem surgir e serem absorvidas orientações de papéis, 29 isto é, o sentimento, nos participantes das rodadas deliberativas, de que eles têm uma missão institucional a desempenhar, seja ela qual for.

Mesmo que as regras sejam externas a qualquer ator em particular, são compartilhadas por todos e orientam a dinâmica do trabalho em equipe, bem como a forma através da qual seus membros devem expor suas razões e se comunicar. Isso permite a interiorização de um sentimento de missão institucional que produz efeitos independentes na estrutura organizacional. 30 Os indivíduos passam a assumir papéis dentro da instituição e a corresponder às expectativas institucionais através do seu comportamento. 31

Uma das vertentes do neoinstitucionalismo adota pressupostos da escolha racional sobre o comportamento humano para compreender como o comportamento intencional e o resultado decisório são modificados mesmo quando as preferências permanecem intactas. 32

Uma abordagem institucional guiada pela teoria da escolha racional oferece uma importante contribuição para o desenvolvimento de uma compreensão mais refinada do comportamento judicial. 33 Ela preenche a lacuna entre a análise institucional tradicional e a teoria atitudinal, pois considera uma decisão não apenas como resultado de características estruturais das instituições ou como expressão coletiva das preferências individuais, mas como uma complexa interação entre estruturas e valores. 34

A teoria da escolha racional pressupõe que o comportamento exteriorizado pelos atores seja a resposta ótima aos constrangimentos ambientais, sociais e institucionais aos quais eles estão submetidos. 35 Para ela, as instituições sociais afetam o cálculo usado pelos atores racionais para avaliar suas estratégias potenciais e selecionar sua escolha racional de ação, através da disponibilização de informações e da fixação de sanções. 36

Em última análise, as instituições são sistemas de gerenciamento informacional, porque, através das regras, revelam informações a respeito do comportamento esperado dos atores entre si. 37 Isso facilita a compreensão dos atores a respeito das consequências das suas ações e permite a antecipação das ações dos outros membros do grupo, 38 através da criação de expectativas favoráveis. 39 O conhecimento mútuo dessas informações favorece a produção dos resultados almejados, porque limita as estratégias disponíveis, 40 sobretudo quando são previstas sanções àqueles que desviam do papel esperado.

Tendo isso em vista, o impacto da introdução de regras decisórias na tomada de decisão coletiva em Cortes de Justiça será analisado a seguir (subitem 2.1.2.).

2.1.2. Regras decisórias nos Tribunais de Justiça

Para o Tribunal, a possibilidade de ter um ato judicial reformado, quando contra ele é interposto recurso, pode ser vista tanto como uma sanção – ainda que moral – quanto como um incentivo para que o colegiado não incorra em vícios de obscuridade, contradição ou omissão, erros material ou substancial ou violação a precedentes das Cortes Supremas. Isso revela uma das formas pelas quais as regras – neste caso, a da …

Uma nova experiência de pesquisa jurídica em Doutrina. Toda informação que você precisa em um só lugar, a um clique.

Com o Pesquisa Jurídica Avançada, você acessa o acervo de Doutrina da Revista dos Tribunais e busca rapidamente o conteúdo que precisa dentro de cada obra.

  • Acesse até 03 capítulos gratuitamente.
  • Busca otimizada dentro de cada título.
Ilustração de computador e livro
jusbrasil.com.br
25 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/221-a-natureza-juridica-do-quorum-ampliado-22-o-quorum-ampliado-como-tecnica-decisoria-e-suas-funcoes-julgamento-ampliado-ed-2022/1647231957