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Direito Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais

Direito Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais

5. Dignidade da Pessoa Humana

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Parte II – Princípios e objetivos fundamentais

Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk

1. Introdução

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado no inc. III do art. 1.º da CF, é norma que não apenas se insere formalmente no rol dos fundamentos da República, mas consiste em expressão normativa de valor supremo na ordem constitucional.

Se a pretensão formal de clivagem entre a dimensão axiológica e a dimensão normativa (de base positivista, mas que informa parte do pensamento do que se convencionou denominar de pós-positivismo) conduz à afirmação da ausência de hierarquia apriorística entre princípios, o reconhecimento da artificialidade dessa clivagem propicia, a partir da afirmação da anterioridade do valor dignidade diante da própria expressão normativa constitucional, reconhecer a dignidade da pessoa humana como valor-norma dotado de supremacia em face de todas as demais normas integrantes do ordenamento jurídico.

A relevância da dignidade da pessoa humana na ordem constitucional é diretamente proporcional às dificuldades de definição de seu conteúdo normativo e de suas formas de aplicação.

Suscita desde pretensões de extensão desmedida de seu âmbito de aplicação – convertendo-se, de modo inadequado, em fundamento de decisões que a invocam como expressão linguística vazia de conteúdo aplicada a situações que remotamente se reportariam a uma efetiva pertinência da dignidade da pessoa humana – até discursos de restrição de sua incidência que, a pretexto de preservação de sua força normativa, reduzem-na a uma última ratio a ser invocada apenas em situações limite, mormente sob a dimensão negativa, da vedação ao manifesto tratamento degradante.

Entre os extremos, manifesta-se a dificuldade de se identificar um possível conteúdo normativo essencial para a dignidade da pessoa, bem como de realizar a árdua passagem de um campo de abstração para a concreta definição do seu conteúdo na realidade da vida do sujeito destinatário de sua proteção.

O escopo deste texto consiste na problematização de alguns dos aspectos que têm suscitado os mais relevantes debates doutrinários a respeito da dignidade da pessoa humana, bem como de questões que emergem do desafio da operatividade desse princípio.

A autoevidente extensão que uma reflexão sobre o tema pode adquirir impõe a realização de opções que delimitem os objetivos da análise aqui proposta. Por isso, neste texto, parte-se de recolher a relação entre a dignidade da pessoa como qualidade humana e a sua expressão como norma jurídica. Passa, a seguir, a examinar os problemas atinentes à definição do seu conteúdo normativo essencial, prosseguindo, então, com a investigação atinente a algumas formas de operacionalização do princípio. Nessa senda, destacam-se a relação entre a dignidade da pessoa e os direitos humanos e fundamentais e as dimensões negativa e prestacional do princípio em tela.

Ao final, serão explicitadas algumas das dificuldades que defluem da identificação (e do potencial conflito) de uma dimensão objetiva-social e de uma dimensão subjetiva-individual da dignidade da pessoa.

2. A dignidade da pessoa como qualidade humana

A reflexão sobre a dignidade da pessoa humana na ordem constitucional pode se desenvolver sob duas perspectivas convergentes: a primeira versa sobre a dignidade como qualidade humana; a segunda, conexa à primeira, como norma.

Sob a perspectiva da dignidade como qualidade humana, costuma-se compreendê-la sob um viés centrado no atributo abstratamente reconhecido aos seres humanos, à luz de uma base kantiana, ou como qualidade dotada de concretude, a ser compreendida como a dignidade de cada pessoa inserida em seus vínculos sociais, que a forjam como sujeito e da qual ela é, simultaneamente, agente.

O sentido kantiano de dignidade é, quiçá, sua expressão filosófica mais corrente, afirmada como qualidade inerente aos seres humanos, como dotados de uma razão universal.

Trata-se da assunção de que a pessoa não pode ser tratada apenas como um meio, mas sempre como um fim em si mesma, afirmando-se que, se as coisas têm um preço, as pessoas têm dignidade. A dignidade em Kant é, assim, um valor moral, inerente à pessoa humana.

Tomar o ser racional como fim em si mesmo é uma condição de possibilidade para que se possa sustentar a universalidade da autonomia do sujeito pela razão prática. 1

A dignidade da pessoa – como valor moral inerente à pessoa que enseja a afirmação de que esta deve ser sempre tomada como um fim em si mesma – é pressuposto para o imperativo categórico que impõe ao sujeito racional um agir que possa ser elevado, racionalmente, à condição de regra universal. 2

O agir moral próprio da razão prática do sujeito autônomo implica o respeito à dignidade inerente ao outro.

O núcleo essencial da dignidade, sobretudo, na perspectiva de vedação a condutas que ofendam a dignidade da pessoa humana, tem, pois, como base a reflexão kantiana.

Cabe, todavia, refletir sobre a suficiência dessa concepção para a compreensão da dignidade da pessoa humana. É que a base racionalista em que se assenta a dignidade kantiana pressupõe o respeito a partir da constatação de que cada ser humano é dotado da razão universal, comum a todos, localizando a dignidade da pessoa em um lugar de abstração.

Ocorre que, a despeito da validade da fórmula geral que veda a reificação da pessoa humana, afirmando-a como um fim em si mesma, é necessário refletir sobre a dignidade também sob a égide da concretude da vida.

Vale dizer, trata-se de tomar a dignidade como atributo inerente a cada ser humano, que o faz merecer igual consideração, na perspectiva da concretude da vida de cada indivíduo, imerso nas relações sociais que o forjam como sujeito e sobre as quais este pode exercer sua intencionalidade. 3

Em outras palavras: não se trata da dignidade de um sujeito abstrato, autoconsciente e dotado de uma razão universal formal, mas sim da dignidade da pessoa de carne e osso, que deve ser respeitada como inerente à condição humana de cada sujeito concreto, em suas peculiaridades. 4

Essa concretude vincula o sujeito não ao fundamento de uma expressão abstrata pautada no racionalismo, mas na realidade da formação de sua intersubjetividade, 5 como ente que não prescinde da alteridade, encontrando nesta o lugar privilegiado em que a dignidade da pessoa humana pode adquirir seu conteúdo.

Cabe destacar, ainda, entre as concepções críticas ao …

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22 de Maio de 2024
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