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Aspectos Éticos e Jurídico-Penais da Relação Médico Paciente - Ed. 2022

Aspectos Éticos e Jurídico-Penais da Relação Médico Paciente - Ed. 2022

7. Omissão Imprópria, Omissão de Socorro, Ortotanásia, Eutanásia Passiva

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Sumário:

A responsabilidade penal do médico depende não só de laços normativos, mas também da interpretação que deles é feita pelo aplicador do direito no caso concreto.

O artigo 13, § 2º, do Código Penal brasileiro baseia-se na teoria formal do dever jurídico de agir, apontando que a fonte de tal dever compete a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado 1 . A norma não preenche, com precisão absoluta, as hipóteses enumeradas, deixando parte dessa tarefa ao encargo do juiz, o que provoca críticas porque se afirma 2 que o preenchimento fica inteiramente à vontade do magistrado. Dá-se que esse conteúdo se apoia, legitimamente, na expectativa social, na confiança em torno do papel que indivíduos exercem socialmente.

No dizer de Juarez Tavares 3 , a omissão produz consequências sociais negativas e, assim, antes de ser desvalorada pelo direito, é apta a produzir outras consequências sensíveis no âmbito das relações humanas. Daí decorre que o vínculo legal ou de proximidade com uma pessoa gera uma expectativa de especial solidariedade por parte de outras. Os chamados garantidores assumem, diante da sociedade e como esta espera, a responsabilidade que lhes é confiada para asseverar a segurança de certas pessoas.

Ontologicamente, os crimes comissivos por omissão constituem-se em delitos omissivos dos quais apresentam todas as características. Transformam-se em comissivos exatamente pelas condições pessoais do sujeito que violou o comando para agir com vistas a impedir o evento. Não tendo evitado o resultado, responde por este. Aqui, há a imposição da solidariedade de um grupo de pessoas em razão da obrigação de agir para evitar o resultado ilícito, decorrente de laços reconhecidos pela norma jurídica.

Nesse conjunto de pessoas, está situado o médico que tenha consentido em tratar o paciente, seja por intermédio de contrato, seja por aceitação fática, ou ainda por estar em plantão hospitalar, o que pressupõe sua disponibilidade para atender às demandas de saúde. A responsabilidade de impedir o resultado decorre do estabelecimento dessa especial confiança na execução da ação esperada. O médico, ao contrário do que já foi dito (responsabilidade como consequência de lei), tem sua posição como garante definida em razão de haver assumido, de outra forma, o encargo de evitar o resultado.

O imperativo, portanto, para que o sujeito aja na proteção de bem de terceiro baseia-se em um elenco de expectativas criadas no âmbito das relações sociais que o direito procura assegurar, fortalecendo os laços sociais.

Tal dever cria uma possível contradição: como respeitar a recusa do paciente à intervenção, se o profissional tem o dever de agir para salvar o bem jurídico vida? Entende-se que, se o terceiro abdicar da proteção, cessariam os deveres do garantidor, sem se considerar a expectativa comunitária sobre o amparo que sua presença representa. Ocorreria, aqui, o que se chama de decaimento do dever de socorro, ou melhor, a conduta de autoimolação da vítima romperia a relação de garantia, como quer Neuman 4 . A resposta não é simples no que diz respeito aos médicos, na medida em que a recusa do paciente implica falta de consentimento para agir e porque o vínculo estabelecido não consiste em contrato bilateral, mas resulta de uma valoração social, a qual, em tese, não se esgota no âmbito da vontade daquele que renuncia. Há um substrato social material que alicerça a relação jurídica.

Devem-se distinguir, nessa relação, diversas situações em que ocorre a omissão do médico, das quais, a primeira é aquela em que o profissional não está no exercício da profissão, mas age como um cidadão comum em um passeio, por exemplo, diferente daquela, na qual desempenha sua atividade profissional. Neste caso, está em posição de garantidor em razão do quanto descrito na letra b, parágrafo 2º, artigo 13 do CPB, ou seja, trata-se de pessoa que “de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado”.

O médico torna-se responsável pelos cuidados devidos ao paciente em razão de contrato ou de aceitação fática de dever correspondente ao pacto celebrado, para alguns. Não interessa, ao Direito Penal, que o contrato seja formalmente perfeito, bastando a assunção dos deveres dele decorrentes, o que gera a confiança no cumprimento das obrigações 5 . Há os que afirmam 6 que, se o médico concordou em tratar o paciente, ele é garantidor a partir do momento em que anuiu com o encargo. Não é preciso que dê início ao atendimento, mas que tenha assumido o compromisso de fazê-lo, ou seja, tenha avocado a tarefa de manter íntegro o bem jurídico vida ou saúde. A fé assumida com o compromisso tem tal importância que se afirma 7 que não é o contrato por ventura celebrado a fonte do dever de agir, em si mesmo, mas a expectativa na assunção da especial obrigação de cuidado e vigilância pelo sujeito. Estellita 8 considera que não se deve fundar a sanção penal em deveres extrapenais, daí que a assunção de fato do papel de garantidor deve ser o marco a ser tomado como fundamento de tal posição. O fundamento material para alicerçar o dever de proteção consiste “no domínio sobre o desemparo ou vulnerabilidade da vítima”, conforme Schunemann 9 . São posições que se encontram na medida em que apenas haja possibilidade de interferir sobre o paciente para assisti-lo com a assunção fática da função. O telefonema ou outro contato que prometa a presença do médico, afinal não cumprida, impede, tão só, que sejam buscados recursos alternativos, o que pode dar causa a um crime de omissão de socorro.

A regra é que o médico deve agir para evitar o resultado, podendo-se excetuar situações nas quais haja expresso dissenso do paciente terminal, que não deseja ter sua vida protelada a qualquer preço ou em situações nas quais a “cura” possa reduzir sua existência a condições insuportáveis, conforme seus valores e cultura.

Da mesma forma, ocorre com o médico plantonista de uma clínica ou hospital, que também tem o dever de agir, não sendo necessário para se tornar garante a existência de um contrato específico com o enfermo, ainda que esse vínculo se opere através de seguradora de saúde. O fundamento é a já referida relação de confiança nele depositada em razão do exercício da atividade 10 , que, no entanto, deve ser assumida pessoalmente com a assunção da custódia sobre o paciente, como lembra Heloisa Estellita 11 , mesmo que haja mudança entre os plantonistas. Outros entendem que basta a assunção do cargo de plantonista, e não da função de cuidador, o que nega a ideia de domínio sobre o desamparo e transforma o médico, a priori, em garantidor de todas as pessoas abrigadas em emergência do hospital onde trabalha 12 .

Diferentemente do crime omissivo próprio (omissão de socorro, por exemplo), para o qual não se exige resultado naturalístico, no omissivo impróprio é necessário que ocorra uma lesão efetiva ao bem jurídico. No primeiro, procura-se estimular o dever geral de solidariedade que, uma vez não cumprido, pode pôr a vida ou a saúde de alguém em risco, bastando a omissão da conduta ordenada para sua consumação.

Quando o legislador pune o médico, independentemente do resultado material – que, no caso, é puramente jurídico –, há abstenção de uma conduta de socorro porque o comando normativo ordena uma ação. Dá-se um não fazer, quando a conduta deveria ser positiva. Ocorreria o crime se, por exemplo, visitando um museu, o profissional assistisse uma pessoa obesa desmaiar e se recusasse a socorrê-la pelo incômodo que lhe causa atrasar sua excursão, ou porque, como oftalmologista, quer desobrigar-se de socorro imediato. “Comete crime de omissão de socorro, o médico que alega estar de folga quando não há outro médico na cidade” (TACrSP, RT 516/37) ou “que recusa atendimento em razão do número de consultas já feitas” (TACrSP, Ap. 915.441, j. 25.5.95, in Bol. AASP nº 1.934) 13 .

A pena cominada ao delito – detenção de um a seis meses, ou multa – favorece a prescrição do fato por sua curta duração, conforme se pode aferir em diversos julgados. Outra particularidade que impede o julgamento, diz respeito à dificuldade, quando sobrevém morte, em comprovar a relação de causalidade entre a inação e o resultado.

A omissão do profissional médico pode também vir a constituir um crime de homicídio pela falta de prestação de assistência médica …

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26 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/71-legalizacao-da-participacao-em-suicidio-e-da-pratica-de-eutanasia-nas-sociedades-contemporaneas-7-omissao-impropria-omissao-de-socorro-ortotanasia-eutanasia-passiva/1734144910