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16 de Junho de 2024
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    A defesa, a Defensoria e a Constituição

    Publicado por DPSE
    há 15 anos

    Roma locuta, causa finita? Não neste caso. Não para Sergipe. A questão que nasceu em decorrência do que decidido pelo Supremo foi a seguinte: ainda que a Constituição Federal não seja ofendida pela falta de defesa técnica em procedimentos administrativos disciplinares, seria violada a Estadual?

    Dando seqüência à série de artigos destinados à exposição da Constituição de Sergipe de 1989, há que se notar o quanto, em matéria de direitos de defesa, avançou-se por meio dela. E o quanto, infelizmente, pouco se faz, na prática, no sentido de que o seu texto passe, por inteiro, à realidade.

    A Constituição de 1989 afirma em seu artigo 3.º, inciso XXII, que todas as pessoas têm direito a advogado para defender-se em processo judicial ou administrativo, cabendo ao Estado propiciar assistência gratuita aos necessitados, na forma da lei.

    Como se nota, não se trata, apenas, de garantir o acesso a advogado na via judicial. Estende-se tal direito à via administrativa. Se alguém tem de se defender de uma imputação do Poder Público, pode contar com um advogado. Isso vale de multas de trânsito a infrações disciplinares. Para as pessoas físicas e para as jurídicas, indistintamente. A Constituição não foi tocada pela avareza no particular.

    Perceba-se que, para defesas judiciais dos carentes, a Constituição Estadual, no seu artigo 123, assinala que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. , LXXIV, da Constituição Federal. É o mesmo que diz a Carta Federal de 1988.

    Isso quer dizer que, no tema da defesa em juízo, ambas as Constituições, a do Brasil e a de Sergipe, estão em sintonia. O problema, como se verá abaixo, está em saber se esta harmonia coexiste na temática da defesa administrativa.

    Contradição não há. Há, tão-somente, uma certa necessidade de compatibilização de textos. Isso porque a Constituição Sergipana garante mais do que a Federal assegura, o que pode criar alguns embaraços interpretativos.

    Interessante, nesse passo, perceber que o Superior Tribunal de Justiça adotava, quanto a certos feitos administrativos, até bem pouco tempo, compreensão no sentido do que dito pela Constituição de Sergipe. Era até mais radical. Impunha, em processos administrativos disciplinares, a presença de um causídico. Afirmava, em sua Súmula 343, que é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar. Isto é: servidores acusados de infrações só poderiam ser punidos, se, e somente se, tivessem sido defendidos por advogados. Sem advogado não haveria processo punitivo válido.

    Contudo, por pleito da Advocacia-Geral da União, preocupada com a anulação de procedimentos administrativos em que tal presença não foi respeitada, o Supremo Tribunal Federal afastou-se dessa diretriz. Asseverou, em franca oposição ao STJ, em sua Súmula Vinculante n.º 5, que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. Tornou, assim, a defesa por advogado facultativa.

    Roma locuta, causa finita? Não neste caso. Não para Sergipe. A questão que nasceu em decorrência do que decidido pelo Supremo foi a seguinte: ainda que a Constituição Federal não seja ofendida pela falta de defesa técnica em procedimentos administrativos disciplinares, seria violada a Estadual?

    A resposta é positiva, em termos. A ofensa faz-se presente, em Sergipe, se o acusado em sede administrativa manifestou interesse em ser defendido por advogado. Isso porque a Carta Federal não contém dispositivo equivalente ao sergipano, donde ser bastante peculiar a nossa situação. A Súmula Vinculante n.º 5, portanto, não se aplica literalmente aos processos da Administração de Sergipe. Ela demanda temperamentos.

    Aqui, ao contrário do que ocorre noutros Estados e na esfera federal, existe norma que impõe a presença de advogados nesses procedimentos - se, claro, essa for a vontade do administrado ou do servidor processado. Norma que nada tem de inconstitucional porque não contradiz a Lei Maior do Brasil, mas apenas adere a esta.

    Muito bem. Se as pessoas que respondem a processos administrativos têm direito a um advogado, como diz a Constituição Estadual, elas têm de ter acesso a este. Não se lhes pode impor que tenham advogado. Mas, se querem ter um, é dever do Estado garanti-lo, se não podem pagar pelos serviços de um profissional liberal. A Defensoria Pública, portanto, tem de estar equipada e preparada para tal fim.

    E aí moram os obstáculos operacionais. A Defensoria, em Sergipe, sequer consegue dar conta de sua demanda judicial. Falta-lhe tudo: estrutura, pessoal e defensores em número suficiente. É um órgão visto como um apêndice da Administração. Pouca importância se lhe atribui. Deveria ser enxergado, todavia, como um ponto brilhante do organograma do Poder Público estadual. Uma catedral cívica.

    Grandes nações notabilizam-se quando fazem direitos pular dos textos para a realidade. Defensores, na quadra histórica atual e no Brasil, podem garantir que isso ocorra. Omissões e ações administrativas equivocadas podem ser objetos de demandas que reclamem direitos sonegados. Injustiças em geral - inclusive as praticadas por particulares (o marido, o vizinho, o supermercado, a companhia telefônica etc.) - podem ser alvos de defesas técnicas competentes. Os defensores qualificados são tão importantes para a justiça social - e não apenas para aquela que presta o Poder Judiciário - quanto os médicos o são para a saúde pública. Se todos são iguais perante a lei, todos têm o direito de ser defendidos com igualdade de forças técnicas.

    Todavia, apesar da obviedade dessa constatação, poucas coisas chocam mais os profissionais do foro que a disparidade entre as condições de trabalho e as remunerações das carreiras jurídicas. Particularmente entre promotores de justiça e defensores públicos. Duas carreiras dignas da mais absoluta isonomia. Ambas imprescindíveis e exercentes de papéis cruciais no funcionamento da República e da democracia brasileiras. Tratadas, entrementes, em Sergipe, de modo profundamente diverso.

    Observe-se que não se tem notícia de número significativo de comarcas sem promotores. Em Sergipe, há, porém, mais de quarenta municípios não têm defensores. Isso já sinaliza a diferença.

    Outra distinção: na maioria dos fóruns existem instalações para acomodar juízes e promotores. Perfeito. Para os defensores, de regra, não. Absurdo.

    Para promotores, apesar de a instalação forense pertencer ao Poder Judiciário, há, quase sempre, salas (e dormitórios, nos fóruns do interior). Para defensores, quase sempre, nada. Às vezes, com sorte, uma salinha nos fundos ou um canto da secretaria judiciária.

    No Fórum Gumersindo Bessa, por exemplo, promotores e juízes têm estacionamento privativo (o que é natural). Os defensores, não (o que é discriminatório). Promotores têm, em cada vara, uma sala, o que garante o seu trabalho com a tranqüilidade e a dignidade necessárias (o que é razoável). Defensores, não (o que é estarrecedor). Não é raro vê-los a atender pelos corredores. O contraste é chocante.

    Além disso, é uma coisa incrível saber que o Estado, quando acusa (o promotor de justiça) recebe bem mais que o Estado que defende o pobre (o defensor público). E é algo que não se justifica, senão em um óbvio preconceito contra o direito de defesa, senão em um certo desdém no trato do acesso dos mais pobres às suas garantias legais.

    Com efeito, entre promotores e juízes vigora uma espécie de acordo constitucional. As garantias e direitos que aos segundos se proclamam, aos primeiros se estendem. Assim, o teto remuneratório de uns e outros são bem assemelhados. Eles compõem o limite remuneratório da República, que corresponde aos subsídios de ministro do Supremo Tribunal Federal: R$ 24,5 mil. Nos Estados, onde também são remunerados no limite, esse teto é de aproximadamente 90,25% do que ganham os ministros do STF. Isto é, algo em torno de R$ 22,1 mil.

    No entanto, os defensores públicos estaduais sergipanos recebem, desde 1.º de maio passado, vencimentos entre R$ 5.829,87 e 6.477,54 (Lei 6.614/09). Muito menos que promotores e julgadores.

    Mesmo quando comparados a outras carreiras jurídicas estaduais, os defensores estão em franca desvantagem. Os Procuradores do Estado de Sergipe - advogados do Estado, portanto - têm subsídios iniciais em torno de R$ 14 mil. É justo, mas é bem mais do que recebem os defensores. Mesmo os do final da carreira.

    Não fosse o bom senso a repugnar essa discriminação aberrante, a própria Constituição Estadual aduz que a fixação do padrão remuneratório estatal sergipano deverá observar a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos, seus requisitos de investidura e peculiaridades (artigo 28, inciso III). Nada disso, porém, justifica a gritante distância ora flagrada. Eis outro tópico constitucional jogado no lixo.

    Não é à toa, portanto, que muitos quadros de valor deixem a Defensoria em busca de remunerações melhores. Há uma evidente fuga de vocações. Esse fluxo migratório prejudica a continuidade dos trabalhos defensivos e traduz desvalorização oprobriosa de um cargo da maior nobreza.

    Como ilustração do que se está a dizer, pode-se referir que do concurso público realizado pela Defensoria em 2001, remanescem apenas nove defensores. Do realizado em 2005, para quase trinta vagas, já foram chamados mais de cento e vinte profissionais. E há claros de lotação. Constata-se que os defensores assumem, ficam um tempo e vão-se embora. A Defensoria, por sua desvantagem remuneratória, não segura boa parte de seus melhores nomes. Sobram poucos: os abnegados e os que estão aguardando aprovação em outros concursos. Pobres defensores dos pobres.

    E tudo isso porque a Constituição Estadual assegura um amplo direito de defesa. Imagine se não assegurasse...

    Fonte: ANADEP ( www.anadep.org.br/wtk/página/materia?id=6849 )

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-defesa-a-defensoria-e-a-constituicao/1745889

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