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8 de Maio de 2024
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    A justa causa na exclusão de sócio

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 17 anos

    Ponto polêmico na antiga legislação é a possibilidade de exclusão de sócio. O Código Civil de 2002 estabeleceu, na seção referente à resolução da sociedade, que a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, poderá deliberar a exclusão de um ou mais sócios que estejam colocando em risco a continuidade da empresa, em decorrência de ato de inquestionável gravidade. Basta haver previsão de exclusão por justa causa no contrato social para que a providência citada anteriormente possa ser tomada, conforme previsão do art. 1.085.

    O Código prevê a necessidade de realização de assembléia ou reunião específica para deliberar a exclusão do sócio. A convocação e o motivo da assembléia devem ser noticiados ao sócio passível de exclusão para possibilitar a elaboração de sua defesa, bem como o seu comparecimento em tempo hábil.

    Outro item que deve ser elaborado com mais detalhamento é relativamente ao que o legislador quis compreender com a “justa causa”. Desde já, deixando de lado o conceito de justa causa da justiça do trabalho, convém trazer à baila uma construção do que seria “justa causa”, segundo os preceitos do Código Civil de 2002 .

    Primeiro, todavia, cabe colacionar as seguintes decisões, que demonstram, por si só, o caminho que hoje é adotado pelos nossos Tribunais. Assim:

    Caso em que não há possibilidade de continuidade da sociedade, visto que a dissolução está sendo requerida pela existência de crise social intransponível e exteriorização de atos incompatíveis com a vontade do sócio remanescente em prosseguir com a vida da sociedade. (Ap. Cív. n. 598.373.728, 5ª Câm. Cív. do TJRS, Rel. Des. Carlos Alberto Bencke, j. 19/11/1998)

    A jurisprudência se inclina pela legalidade da exclusão de sócio por motivo justificado, com ou sem cláusula de previsão. (ED MS 29.390 - 0/2-01, Ses. Plen. TJ-SP, Rel. Des. Viseu Júnior, j. 14/08/1996)

    É iterativo o posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade de exclusão de sócio por deliberação da maioria, ainda que ausente previsão contratual a esse respeito, uma vez presente justa causa. (MS 231.990 -2, 13ª Câm. Cív., TJ-SP, Rel. Des. Marrey Neto, in RJTJSP, n. 153/232)

    Contudo, tratando-se este estudo de um trabalho acadêmico, é oportuno, antes de consignarmos nosso posicionamento sobre o tema, trazer o que a doutrina afirma a respeito. Segundo José Xavier Carvalho de Mendonça:

    687. A exclusão do socio pode dar-se nos casos seguintes:

    1º Se o socio não entra para o capital social com a quota ou contingente a que se obrigou nos prazos e pela fórma estipulada ao contracto (Cód. Com., art. 289. Os socios podem, em vez de excluir o socio remisso, demandá-lo pela quota com perdas e damnos).Vide n. 553 supra. O primeiro acto da sociedade deve ser o de constituir judicialmente em mora o sócio remisso.

    2º Se o socio de industria, sem auctorização expressa no contracto social, se emprega em operação commercial extranha a sociedade (Cód. Com., art. 317, 2ª alinea). Vide n. 597 supra.

    3º Se fôr pactuado no contracto social que a maioria dos socios pode destituir ou excluir qualquer delles em uma das circumstancias . Se se pode estipular no contracto de sociedade que, retirado um socio, a sociedade continue a subsistir entre os demais (clausula commum especial para o caso de morte), é tambem licito pactuar a exclusão de um socio pelo voto da maioria em casos especiaes cogitados no mesmo contracto. A sociedade regula-se pela convenção das partes sempre que esta não fôr contraria às leis commerciaes (n. 510 supra).

    Que a clausula é licita não há duvida; ella admitte-se na cooperativa, se se inclue no acto constitutivo (Lei n. 1.637 , de 5 de Janeiro de 1907, arts. 14 n. 6 e 18 § 3º. No direito francez, LYON CAEN ET RENAULT, Traité de droit commercial, 4ª ed., vol. 2º, P. I n. 351, admittem a validade da clausula). O Cód. Com. refere-se, no art. 339, ao caso em que o sócio é despedido com causa justificada. O meio de direito que tem o sócio assim excluído é a acção ordinaria para annullar a delibe-ração da maioria dos socios, provando que esta não attendeu nem respeitou os termos do contracto social (Pareceres de RUY BARBOSA e de LAFAYETTE (no Jornal do Commercio de 9 de Fevereiro de 1900), e do VISCONDE DE OURO PRETO (no Jornal do Commercio de 22 de Fevereiro de 1900).

    Modesto Carvalhosa assevera que:

    Deve considerar-se como de inegável gravidade com relação à sociedade, em primeiro lugar, todo ato de sócio que viole a lei. Também será ato de natureza grave a violação ou o inadimplemento contratual que resultar na quebra da affectio societatis, porque põe em risco o desenvolvimento do escopo comum que é o desenvolvimento das atividades sociais. Além disso, representa ato de inegável gravidade a ação ou omissão de um sócio que, mesmo sem constituir violação da lei ou do contrato social, provoque grave dissídio no corpo social, implicando também a quebra da affectio societatis. Isso porque, rompido o elo subjetivo, que é essencial à vinculação dos sócios à sociedade, a presença de um deles, cujos interesses estão desagregados do escopo comum, põe em risco a harmonia do corpo social, podendo prejudicar o desempenho dos negócios e a continuidade da empresa. É, ainda, fundamental, verificar se ao sócio que se deseja excluir pode ser imputada a culpa pelo ato eventualmente ensejador da exclusão.

    Preceitua Barros Leães que:

    O conceito de causa justificada está ligado ao direito do sócio de permanecer na sociedade, contraposto ao dever de colaboração a que está jungido. [...] A colaboração entre os sócios é uma obrigação fundamental do contrato de sociedade, de sorte que, uma vez descumprida, habilita a sociedade a excluir o sócio inadimplente, por prevalência do interesse social sobre o individual do sócio.

    Diante, pois, dos ensinamentos mencionados, cumpre-nos trazer à baila, também, uma construção jurídica baseada no que outro douto jurídico tratou. Norberto Bobbio, em seu último livro, Elogio da serenidade e outros escritos morais, escreveu sobre harmonia social. Obviamente, Bobbio trouxe seus pensamentos em um sentido macro, bem como estabeleceu-os e desenvolveu-os no âmbito da sociedade enquanto estrutura sociológica. Todavia, parece-nos oportuno colacionarmos tais pensamentos:

    Como modo de ser em relação ao outro, serenidade resvala no território da tolerância e do respeito pelas idéias e pelos modos de viver dos outros. No entanto, se o indivíduo sereno é tolerante e respeitoso, não é apenas isto. A tolerância é recíproca: para que exista tolerância é preciso que se esteja ao menos em dois. Uma situação de tolerância existe quando um tolera o outro. Se eu o tolero e você não me tolera, não há um estado de tolerância, mas, ao contrário, prepotência. Passa-se o mesmo com o respeito. Cito Kant: “Todo homem tem o direito de exigir o respeito dos próprios semelhantes e reciprocamente estar obrigado ele próprio a respeitar os demais”. O sereno não pede, não pretende qualquer reciprocidade: a serenidade é uma disposição em relação aos outros que não precisa ser correspondida para se revelar em toda a sua dimensão. Como de resto a benignidade, a benevolência, a generosidade, a bienfaisance, que são todas virtudes sociais mas são ao mesmo tempo unilaterais.

    Que não pareça uma contradição: unilaterais no sentido de que à direção de um em relação ao outro não corresponde uma igual direção, igual e contrária, do segundo em relação ao primeiro. “Eu tolero se você me tolera”. Em vez disso: “Eu protejo e exalto minha serenidade – ou minha generosidade, ou minha benevolência – com relação a você independentemente do fato de que você também seja sereno – o generoso, ou benevolente – comigo”. A tolerância nasce de um acordo e dura enquanto dura o acordo. A serenidade é um dom sem limites preestabelecidos e obrigatórios.

    Destarte, coadunando o que os juristas pátrios consignaram e pautando-nos pela estrutura social harmônica de Bobbio, principalmente quando afirma que “A tolerância nasce de um acordo e dura enquanto dura o acordo. A serenidade é um dom sem limites preestabelecidos e obrigatórios, fica tranqüilo concluir que uma sociedade possui estado de harmonia quando todos os seus pares (sócios) possuem uma convivência regida pelo estado de tolerância.” 112

    Assim, embasados no pensamento de Bobbio e trazendo-o para o sistema societário pátrio, temos que a “justa causa” do Direito Societário caracteriza-se pela falta de tolerância entre os sócios e o surgimento do estado de prepotência, conseqüentemente – quando o estado de tolerância deixa de estar presente, surge entre os sócios o estado de prepotência, acarretando, por si só, o desajuste que gera o conflito. Está configurada, portanto, a JUSTA CAUSA.

    Ainda segundo Bobbio: “A tolerância é um método que implica, como disse, o uso da persuasão perante aqueles que pensam diferentemente de nós, e não o método da imposição.”

    É bem verdade que a intolerância vista sob o prisma pessoal nem sempre inviabiliza o negócio empresarial, pois, muitas vezes, os assuntos que causam as desavenças são secundários e o próprio tempo trata de resolver os problemas. Todavia, o que se pretende aqui abordar é o caráter híbrido – capital/pessoa – que a sociedade empresária do tipo limitada hoje possui.

    Há até quem considere que a sociedade limitada, por conta deste aludido “hibridismo”, esteja muito semelhante, na sua operacionalização, à sociedade anônima.

    Ademais, pelo que já foi consignado por Véronique Magnier, tal fenômeno também ocorre na França:

    La société à responsabilitée est d´une nature juridique mixte. Par soncaractère fermé, elle se presente pluôt comme une société de personnes et les règles qu’ils président à as constituition et à as dissolution en témoignet. En revanche, la loi de 1966 et les rapprochment avec la société anonyme, notamment pour ce qui est des régles d´organisation et fonctionnement de la société.

    Portanto, a sociedade limitada não é mais formada, apenas, por pessoas físicas que, por afeição mútua, resolvem associar-se para atingir seus objetivos comerciais. Hoje, de acordo com os princípios que norteiam o Direito de Empresa, o capital prepondera e as associações, mesmo entre pessoas naturais, são freqüentes, por conta das trocas que ocorrerão em decorrência da expertise e do know-how de cada um – trata-se da preponderância das relações econômicas, pautadas pelo fator capital, em detrimento das ligações afetivas entre pessoas que pactuam de interesses em comum.

    Para se entender a intolerância em âmbito societário, há de se perquerir a natureza dos conflitos, muitas vezes ligada às estratégias empresariais e aos sistemas administrativos pretendidos, diferentemente, pelos sócios.

    A compreensão de que a ausência da affectio societatis não é mais suficiente para operacionalizar-se uma exclusão administrativa de sócios já é cediça entre os operadores do Direito. Agora, a questão está muito mais relacionada aos interesses díspares e muitas vezes conflitantes (sempre do ponto de vista empresarial) e à forma de lidar com eles, considerando sempre as relações pessoais e o escopo fundamental da empresa – a sua continuidade, a fim de proporcionar os agregados sociais que surgem conseqüentemente.

    Estão configuradas, portanto, as razões que podem levar à definição da JUSTA CAUSA societária, de modo a equacionar princípios atinentes à tecnologia da administração, da economia e, principalmente, da filosofia jurídica moderna aplicada ao Direito Societário, substancialmente modificado pelo Código Civil de 2002 .

    *Armando Luiz Rovai éAdvogado; Doutor em Direito das Relações Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica/PUC; Mestre e Direito Político e Econômico pelo Mackenzie; Ex Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo por 03 mandatos; Ex-Presidente do Ipem/SP; Ex –Chefe de Gabinete da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania; Professor de Direito Comercial da Universidade Mackenzie; Professor e Coordenador da Pós Graduação em Direito Comercial – especialização do Mackenzie; Professor de Direito Comercial e de Economia Política do Complexo Damásio de Jesus; Professor de Direito Empresarial da Universidade Ibirapuera; Professor convidado da PUC/SP – COGEAE, da FGV-SP – especialização em Direito Societário e da ESA/SP e palestrante em diversos outros cursos e entidades.

    armandorovai@terra.com.br / armandorovai@yahoo.com.br

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