A Lei Maria da Penha e a prática de Bullyng contra a mulher
Como forma de polemizar e trazer à tona um novo viés de discussão sobre a tão polemica Lei Maria da Penha, o presente ensaio, sem maiores pretensões acadêmicas, trará como base argumentativa a convalidação da constitucionalidade da lei 11.340/2006 pelo STF, como resposta política a uma situação de bullying contra a mulher e a necessidade de reequilibrar o poder entre os gêneros.
Linhas gerais
A Lei Maria da Penha pretende entregar à mulher, no âmbito de sua convivência familiar, afetiva e doméstica, a devida proteção que, por mais de 500 anos, os brasileiros se acostumaram a não conferir.
Em verdade a criação da lei foi uma resposta para equacionar as reais diferenças entre os gêneros no combate à permissividade social, à violência praticada contra a mulher, que de há muito se perpetuara como tolerável em razão de uma estrutura social amparada na superioridade do homem (patriarcado).
Atrelado a essa idéia justificadora de equilíbrio e isonomia entre desiguais, aparece a figura do bully, que em português não existe tradução exata, porém pode ser também definido como assédio moral.
Sobre essa figura de criação americana é que o presente artigo se debruça, pois, em nome de justificar a constitucionalidade da Lei, os Tribunais Superiores, ao meu sentir, amparou-se em raciocínio, se não idêntico, majoritariamente similar.
Por esse viés questiona-se: Será que o homem (sexo masculino) é essencialmente praticante de Bullying?
Das relações domésticas:
Segundo pode ser definida, a relação domestica é aquela referente a casa, à vida da família [1], para o Direito Penal, a relação doméstica é aquela entre, ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro. E é também entendida como relação doméstica aquela desenvolvida com a convivência atual ou passada de coabitação ou hospitalidade.
Dito isso, é fácil perceber que esta relação é travada entre membros de uma mesma família, freqüentadores habituais de uma casa, amigos e empregados. Assim, a lei define que somente a violência praticada nesse âmbito merece o agasalho da justiça de forma mais severa, isto porque no Direito Penal do fato, deve-se valorar uma serie de fatores que somente ocorrem no contexto do comportamento habitual da violência domestica.[2]
Contudo, essa citada violência pode aqui ser denominada de violência domestica genérica, porque após a publicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006), a violência domestica praticada contra a mulher ganha especial e autônomo regramento.
Neste momento, pode-se destacar, por suposto, um evidente divisor de águas entre a violência doméstica, praticada internamente e no âmbito das relações domesticas, e a violência de gênero que é aquela outra cometida pelo homem, em nome da posição autoritária que garante (na maioria das vezes) sobre a mulher. (?)
Por isso, foram definidos na lei, os tipos de violências que podem ser cometidos contra a mulher no âmbito familiar doméstico ou mesmo em qualquer relação intima afetiva. Nesse diapasão enumera-se: violência física, psíquica, sexual, patrimonial e moral.
A bem da verdade, não se presta o presente artigo a dissecar os termos da lei, mas fazer uma breve apresentação do tema nela defendido.
Sobre o bullying
De forma geral, a idéia que se tem sobre esse termobullyingnão é de fácil conceito, porém à medida que se explica e exemplifica a conduta percebe-se de logo do que realmente se trata.
Recentemente, na busca de se definir exatamente o conceito de bullyingmuitos escritores o definiram como um comportamento caracterizado pela intenção voluntária e a capacidade de fazer sofrer.
Um professor, David Farrington(1993), relatou que a opressão é o ponto nevrálgico para se descobrir o que de fato é Bullying, e em seguida, ele define que Bullyingé a repetida opressão, psicológica ou física, exercida por uma pessoa mais forte sobre outra menos poderosa[3].
Enfim, tentando descrever de que forma obullyingse constitui, poder-se-ia dizer que ele envolve: desejo de machucar, conduta violenta, desequilíbrio entre poderes, condutas reiteradas, uso indevido de poder, vil prazer do opressor e o sentimento de impotência do oprimido.
Paralelo entre bullyinge a decisão do STF.
Através de sensato relatório, em processos de Habeas Corpus que se discutia a possibilidade de utilização do benefício do sursis processual nos casos de violência domestica, o Min. Marcos Aurélio rechaçou a possibilidade, reforçando a constitucionalidade do art. 41 da lei Maria da Penha e ainda asseverou que esse artigo da concretude ao quanto reza a constituição brasileira quando aduz: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Lei 11.340/2006
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95.
Apontou ainda, que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita a aspectos físicos, mas também a seu estado psíquico e emocional.
Desse breve comentário do julgado já se pode extrair a essência dos requisitos para concretização do bullying, pois fica claro o comportamento do homem, que, quando quer, é capaz de intencionalmente causar na (sua) mulher dor e sofrimento.
O julgado também foi feliz quando demonstrou aspecto histórico em desfavor da mulher, quando foi lembrado pelo ministro Dias Toffoli que a mulher poderia ser morta pelo seu marido, nos casos em que este a encontrasse em flagrante adultério (tese da defesa da honra).
Além dos citados ministros, as ministras Carmem Lúcia e Ellen Grace explicaram que o direito não pode tutelar proteção contra o preconceito, mas somente quanto a sua manifestação, assim fica mais difícil modificar imediatamente uma pratica cultural de anos. Elas ainda citaram o exemplo de certos homens que, ao dirigir pelas ruas e constatar como oficial, num carro público, uma mulher se surpreende. O que prova que a mudança é paulatina.
O STF, da mesma forma, entende que a persistência desta situação lastreia-se no medo e/ou na vergonha de boa parcela das mulheres em se manifestar, ou por ser submissa ao homem, com a idéia viva do patriarcado, ou mesmo pela deplorável situação de domínio, provocada, geralmente, pela dependência econômica da mulher.
Logo, tem-se ai a expressa convalidação de todos os requisitos para a ocorrência do bullying, pois, nos caso em que se verifica a prática de violência domestica contra a mulher, há: 1º violência; 2º desejo de machucar, ademais, tem (3º) desequilíbrio de poder, que pode ser lido como opressão econômica ou pela força física; 4º a própria cultura e história, ao menos nesse país, que sempre desnivelou a situação entre os gêneros (cite-se a própria legislação) e por fim, e no meu sentir o mais importante requisito, o sentimento de impotência do oprimido.
Neste sentido, a constitucionalidade da lei 11.340/06, sob a ótica do STF, tem o condão de traduzir a idéia de política-criminal, já defendida pelo professor Roxin, cujo entendimento principal é de que direito penal dissociado de política criminal se esvazia, uma vez que o método dedutivo puro e simples é seco e asséptico, já noutro volta, quando lastreado por valores sociais e típicos da política criminal, ela ganha conteúdo e adequação.
Citando o grande jurisconsulto Carlos Cóssio, em seu memorável trabalho doutrinário, este foi feliz ao interpretar a conduta humana e perceber que não seria razoável pensar o direito como matemática pura subsunção do fato à letra fria da lei, e, in verbs,se manifesta: La egologia no cree en una filosofia del derecho a secas desvinculada de la ciencia juridica4.
Neste contexto, percebe-se que, trazendo o fato violência contra a mulher - para o panorama atual e com um termo neo vanguardista, pode-se dizer que a violência do homem contra a mulher, quando enquadrada nos moldes da lei Maria da Penha (Lei 11.340/06)é a precisa definição de Bullyng.
Claro que para sua ocorrência (bullying)é necessário verificar alguns requisitos na conduta, como: a vontade de machucar, violência, desequilíbrio entre poderes, reiterações de condutas, uso indevido de poder, vil prazer do opressor e o sentimento de impotência do oprimido.
Portanto, a validade da lei Maria da Penha, para os tribunais de escol deste país, esta intimamente ligada ao novel sentido de política-criminal, que reconhece, com bravura, as diferenças históricas entre o homem e a mulher, no âmbito familiar, e que por muito tempo acabou criando um estigma do qual a modificação se dará aos poucos e de forma gradativa. (seria escola?)
Em suma, o estado brasileiro precisou valer-se de conduta respaldada em critérios de política-criminal, na chancela dos mais tenros direitos e garantias fundamentais, para reconhecer validade à novel lexna proteção do Bullyng praticado contra a mulher no ambiente doméstico.
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4- Carlos Cossio. Panorama de la teoria egologica del derecho. Revista de la facultad de Derecho y Ciencias sociales. Buenos Aires, 1949, ano IV, num. 13. Apud Enrique R. Aftalión et alii. Introdución al Derecho. 9a ed. Buenos Aires. 1972. Pág. 963.
[1]Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, O Minidicionário da Língua Portuguesa, 7ª ed, Curitiba, Ed.Positivo: 2009 p. 328.
[2]Prado, /Luiz Regis, Curso de Direito Penal, Volume 2 : parte especial, art. 121 a 249. 8ª.ed. ver. Atual. E ampl. São Paulo : Ed.Revista dos Tribunais. 2010.
[3]Farrington, D.P. (1993). Understanding and preventing bullying. In M.Tonny and N. Morris (Eds). Crime and Justice, Vol 17, Chicago: University of Chicago Press.
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