A ligação entre a PEC dos precatórios e o famigerado "orçamento paralelo"
Uma breve síntese dos acontecimentos em torno da PEC 23/21.
A PEC 23/21 (PEC dos Precatórios), provavelmente é a proposta de emenda a constituição de maior relevância fiscal dos últimos anos. Contudo, a PEC trouxe um assunto suscitado perante o STF, em sede das ADPF’s 850, 851 e 854, o tal “orçamento paralelo”, criado pelo governo de Jair Messias Bolsonaro.
É acompanhado midiaticamente o esforço empenhado pelo Presidente da República para se reeleger.
Com uma retórica sofista, o presidente da república tenta aprovar um programa de auxílio para os mais necessitados, valor ínfimo e insuficiente de 400 reais. Em suma, repaginar o “bolsa farelo” (desculpe, usei a fala do presidente, leia-se: “bolsa família”), para o nome de “auxilio Brasil”.
Ocorre que a União não tem verbas suficientes para aumentar o auxílio do bolsa família, que hoje é de R$ 283 reais e beneficia 14,7 milhões de famílias. Os gastos totais do bolsa família aos cofres públicos representam um valor de R$ 34,7 bilhões/ano.
O projeto do governo visa aumentar o valor do benefício em R$ 400 reais e aumentar o teto de beneficiários, dos atuais 14,7 milhões de pessoas para 17 milhões.
Por isso posto, o valor total do bolsa família (já incluindo o valor de R$ 34,7 bilhões) seria mais de R$ 106,8 bilhões de reais. Valores estes fora do teto de gasto, cuja regra é limitar o crescimento das despesas públicas à inflação.
O governo Federal não tem dinheiro para “turbinar” o bolsa família desta maneira e encontrou um meio que, literalmente, dará calote para quem ele deve.
Através de proposta feita pelo ministério da economia, o governo Federal visa calotear a dívida da fila dos precatórios da união. E o que seria precatório? O regime jurídico dos Precatórios está disposto no art. 100 da CF/88, sendo, nada mais nada menos, que um sistema utilizado pelo governo para quitar suas dívidas. De forma didática: precatório é um título executivo que lhe é fornecido pelo poder judiciário, com presunção de certeza, liquidez e exigibilidade em face do Ente federado maior, ou os entes subnacionais.
A União, no ano que vem, tem uma dívida planejada de R$ 80 bilhões. O que o governo quer fazer é tirar R$ 76 bilhões e deixar somente R$ 6 bilhões para quitar suas dívidas. Outrossim, o governo visa modificar o fechamento da inflação que, segundo a regra do “teto de gastos”, hoje é entre os meses de julho a julho de cada ano, tendo como indicador o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA; o modificando para o mês de janeiro a dezembro deste ano, visto que, a inflação real este ano (2021) já chega a dois dígitos, dando, assim, maior possibilidade de aumento fiscal para o governo em ano de eleição (2022).
Ocorre que, isso vai custar mais de R$ 100 bilhões da dívida interna do governo federal, que hoje é de R$ 6 trilhões, 691 bilhões, 938 milhões, 784 mil e 495 reais. Divida esta que, quem vai pagar será o povo e os seus descendentes.
Além do governar turbinar o Bolsa Família para se reeleger, o governo prometeu ao Congresso Nacional um aumento substancial ao fundo eleitoral, que hoje é de R$ 4 bilhões, passando a ser de R$ 5 bilhões e mais emendas.
Chegamos agora nas ADPF’s 850, 851 e 854. Antes de adentrar um dos argumentos de tais arguições, é importante explicar o que seria as RP. 9, ou emendas do relator.
O governo federal carece de apoio popular e de prestígio na casa legislativa, motivo pelo qual, para aprovar suas propostas legislativas, ele tem se utilizado das emendas de relator (ou RP. 9) - Emendas, estas, obtusas e sem previsão constitucional no orçamento.
RP é uma abreviação das palavras “Resultado Primário”, um indicador de resultado fiscal. Nove, refere-se a nona categoria de despesa no projeto de lei orçamentária, a exemplo: RP. 1 - Despesa primária obrigatória; RP. 2 - Despesa primária discricionária, etc.
As emendas de relator apareceram na LDO de 2020, na forma da lei 13.898/20, que as denominou RP 9. Estas emendas são feitas pelo deputado ou senador que, naquele ano, foi escolhido para redigir o parecer definitivo sobre o orçamento. A emenda de relator tem caráter puramente técnico, que permite ao relator-geral fazer ajustes finais e adequar o orçamento à legislação vigente (no caso a Lei Orçamentária anual - LOA). No entanto, não parece ser isso o que vem ocorrendo.
Enquanto as emendas individuais e de bancada são regidas e limitadas por normas constitucionais, tais quais a EC 86/15 e EC 100/19, direcionando a alocação dos recursos. As emendas do relator-geral (ou RP. 9) são regidas unicamente por resolução 1/06, do Congresso Nacional. Logo, sem uma previsão constitucional específica para as RP. 9, o relator pode, de forma discricionária, manejar a previsão de gastos do governo Federal para outras áreas, distribuindo ao seu bel-prazer.
A seção Siga Brasil, do Senado Federal, mostra que nos anos de 2015 a 2019 não existiam receitas autorizados para a RP. 9. Por outro lado, no ano de 2020, foram autorizados mais de R$ 20 bilhões e, em 2021, R$ 17 bilhões.
Logo, surge a questão: por que a imprensa chama "orçamento secreto" se as receitas estão sendo publicadas em site público? Ocorre que, diferente das emendas individuais e de bancada, as RP 9 - inexplicavelmente, e sem a prévia previsão constitucional - não têm tido suas informações individualizadas e publicizadas.
E é aí que chegamos nas APDF’s de números 850, 851 e 854. Em um dos argumentos de defesa do Governo, através da AGU, recorrendo da liminar deferida pela Ministra Rosa Weber, afirma que os gastos da RP. 9 são publicados e, consequentemente, estariam respeitando os princípios da Administração Pública elencados no art. 37 da Carta Magna.
Ocorre que, há uma confusão - proposital, não de desconhecimento técnico - entre o que é publicidade e o que é transparência. Conceitos correlatos, porém, distintos.
Usando uma metáfora do saudoso Jurista Facury Scarff, iremos entender tal diferença:
"Dizer-se que publicidade se equipara a um alto-falante, pelo meio do qual se divulga um fato. Imagine-se passando por uma rua de comércio, na qual um vendedor com um megafone convida as pessoas a entrarem em sua loja e comparem os produtos que estão à venda — aqui há publicidade. Isso é diverso da transparência, que equivale à vitrine da loja, por meio da qual se pode ver o que nela existe." Fonte: https://www.conjur.com.br/2021-nov-09/contas-vista-rosa-meio-caminho-transparencia-publicidade-orcamento
Feita analise didática dos conceitos esposados, pode-se afirmar que a publicação no Diário Oficial e a existência de receita no orçamento são insuficientes, porque apenas se coadunam com o Princípio da publicidade e com o postulado que advém deste princípio: que é a transparência. Tendo em vista que, deixam de observar: 1.º no que será aplicado as receitas; 2.º por ordem e 3.º em benefício de quem.
Mas, como nessa república morremos de COVID (e já são 600 mil irmãos mortos) e nunca de tédio (como eu queria morrer de tédio nesse país), a festa com o dinheiro público foi parada por uma Rosa.
Parafraseando o poema no meio do Caminho, de Carlos Drummond de Andrade:"no meio do caminho havia uma Rosa"— E essa Rosa, era a Ministra Rosa Weber.
Fontes:
https://auditoriacidada.org.br/
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show!!! continuar lendo