A proibição de HC contra ato de ministro do STF e o “King can do no wrong”
A Súmula 606 do STF, aprovada em 29 de outubro de 1984, é muito clara: “não cabe ‘habeas corpus’ originário para o tribunal pleno de decisão de turma, ou do plenário, proferida em ‘habeas corpus’ ou no respectivo recurso”. Embora questionável — pois, quando editada a Súmula, o Recurso Extraordinário decidido por uma Turma comportava Embargos de Divergência em matéria de interpretação do Direito federal (RISTF, artigo 330) e, após 1988, a matéria passou a ser da esfera do Recurso Especial —, o fato é que, julgado o habeas pela Turma, a questão estava sepultada. Bem ou mal, mal ou bem, havia o pronunciamento do órgão colegiado, precedido de sustentações orais etc.
Agora, porém, reavivando a antiga e conhecida teoria do “king can do no wrong”[1], que embasava a prerrogativa da irresponsabilidade dos reis, ampliou-se o alcance da Súmula 606 para se impedir o manejo de habeas corpus contra atos de ministros da corte. Sim, eles não erram...
De verdade, ainda que excepcionalmente, é preciso reconhecer que o relator de uma ação penal, habeas corpus ou recurso extraordinário, pode ocasionar prejuízo ao imputado, paciente ou recorrente. Por exemplo, praticando ato constritivo, como a determinação de prisão, ou retardando a apreciação do habeas corpus. Pode também requisitar inquérito sem justa causa. Assim, diante de uma Constituição que assegura a efetividade da tutela dos Direitos Fundamentais, é estranho que não se permita questionar eventual constrangimento ilegal praticado pelo relator de uma ação penal ou de um habeas. Dir-se-á que cabe Agravo Regimental. Sim, mas esse recurso é processado pelo próprio ministro que provoca o constrangimento. Ele leva o recurso em mesa quando bem entender e expõe o caso como lhe apraz. Pior é que não cabe sustentação oral. Já o habeas é distribuído para outro ministro, que pode conceder medida cautelar, e possibilita a sustentação oral. Portanto, garante mais o direito de defesa do cidadão.
O tema do cabimento de habeas contra ato do relator no STF foi longamente discutido no HC 91.352 (DJ 18/4/2008), do qual foi relator o saudoso ministro Menezes Direito. A ordem não foi conhecida, pois se entendeu que o ato coator (demora na apreciação de um habeas) havia sido encampado pela Turma. Assim, a eventual coação seria atribuível a esta e, consequentemente, aplicável o verbete da Súmula 606. Sem embargo, o voto vencido do ministro Celso de Mello, dando uma verdadeira aula sobre o tema, mostra o cabimento do writ contra ato de relator. No ponto, vale destacar a ementa de antigo julgado da lavra do ministro Pertence, referido no voto:
“Habeas corpus: cabimento contra decisão individual do relator que nega provimento a agravo visando à subida do recurso extraordinário, ainda que restrita à questão da admissibilidade deste (HC 69.138, 26.2.92); descabimento, porém, se, à decisão individual do relator, sobreveio acórdão da Turma, que a confirmou (HC 76.628, (QO, 12.3.98). (...)” (RTJ 167/643, rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, grifei).
Cumpre não desconhecer, portanto, para efeito de correta (e pertinente) aplicação dos precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal – HC 85.099/CE, rel. Min. Marco Aurélio (admissibilidade de “habeas corpus” contra decisão monocrática do Relator da causa) e HC 76.653/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence (...)”
Ao final do voto, o ministro Celso de Mello disse:
“Presente esse contexto, e por haver decisão monocrática imputável ao Relator da causa, torna-se plenamente cognoscível a presente ação de habeas corpus, nos termos da própria jurisprudência desta Suprema Corte (RTJ 146/597 – RTJ 167/643 – HC 84.444 AgR/CE, Rel. Min. Celso de Mello)”.
Em outra oportunidade, tendo como relator o ministro Marco Aurélio, o Pleno do STF conheceu e concedeu parcialmente o HC 93.553 (DJe 4/9/2009) impetrado contra ato de ministro que, na Ação Penal 420, ...
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