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30 de Abril de 2024
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    A teoria do domínio do fato e a autoria colateral

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 11 anos

    O julgamento da Ação Penal 470, popularmente conhecido como mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal não apenas colocou em polvorosa toda a sociedade brasileira, como também repercute no exterior, pelo menos, no âmbito da doutrina penal internacional. Mais precisamente, o mais importante penalista mundial no último quarto do século passado Claus Roxin -, o grande responsável pelo desenvolvimento da teoria do domínio do fato, manifestou-se expressamente sobre referida teoria, e, mais especificamente, sobre a sua interpretação.

    Embora já tenhamos escrito sobre essa temática em nosso Tratado de Direito Penal [1], os atuais acontecimentos recomendam que façamos um pequeno acréscimo em nosso texto, apenas para deixá-lo mais claro.

    O conceito de autoria

    O conceito de autoria, como sustentamos em nosso Tratado, pode abranger todos os intervenientes no crime, quando partimos de um sistema unitário de autor, ou pode estar limitado à conduta dos agentes principais, se partimos de um sistema diferenciador de autor. Neste tópico trataremos, especificamente, da autoria como conceito restrito, nos termos do sistema diferenciador, adotado pela Reforma Penal de 1984.

    Um sistema verdadeiramente diferenciador de autor caracteriza-se, fundamentalmente, pela adoção do princípio de acessoriedade da participação, pois é através deste princípio que podemos entender a participação como uma intervenção secundária, cuja punibilidade se estabelece em função de determinados atributos da conduta do autor [2]. Além disso, a adoção desse princípio conduz à necessidade de estabelecer critérios de distinção entre as condutas de autoria e as condutas de participação, que poderá ser analisada neste espaço restrito. O estudo específico do princípio de acessoriedade será feito mais adiante, quando trataremos da participação em sentido estrito.

    A autoria dentro de um sistema diferenciador não pode circunscrever-se a quem pratica pessoal e diretamente a figura delituosa, mas deve compreender também quem se serve de outrem como instrumento (autoria mediata). É possível igualmente que mais de uma pessoa pratique a mesma infração penal, ignorando que colabora na ação de outrem (autoria colateral), ou então, consciente e voluntariamente, coopere no empreendimento criminoso, praticando atos de execução (coautoria). Várias teorias procuram definir o conceito do autor dentro de um sistema diferenciador.

    Conceito extensivo de autor

    O conceito extensivo de autor foi desenvolvido pela doutrina alemã nos anos 30 do século passado [3]. Seu mais provável idealizador foi Leopold Zimmerl, a quem é atribuída a primeira versão sistematizada do conceito extensivo de autor, distinguindo-o do conceito restritivo de autor em função da interpretação dos tipos penais, exposta em 1929 [4].

    O conceito extensivo tem como fundamento dogmático a ideia básica da teoria da equivalência das condições, de tal forma que sob o prisma naturalístico da causalidade não se distingue a autoria da participação. Todo aquele que contribui com alguma causa para o resultado é considerado autor. Com esse ponto de partida, inclusive instigador e cúmplice seriam considerados autores, já que não se distingue a importância da contribuição causal de uns e outros. Nessa época, porém, a doutrina alemã não ignorava a existência dos preceitos legais que disciplinavam a participação no delito, deixando claro que esta deveria ser tratada diferentemente da autoria. Assim, para essa teoria, o tratamento diferenciado à participação (partícipes) deveria ser visto como constitutivo de causas de restrição ou limitação da punibilidade [5].

    Objetivamente, como acabamos de afirmar, não era possível estabelecer a distinção entre autoria e participação, ante a equivalência das condições. Contudo, essa distinção deveria ser feita em face da lei, que a reconhece, estabelecendo penas diferentes para o autor, o indutor (instigador) e o cúmplice. Como solução, um setor da doutrina alemã propõe que a distinção seja fixada através de um critério subjetivo. Por isso, o conceito extensivo de autor vem unido à teoria subjetiva da participação, que seria um complemento necessário daquela. Segundo essa teoria, é autor quem realiza uma contribuição causal ao fato, seja qual for seu conteúdo, com vontade de autor, enquanto é partícipe quem, ao fazê-lo, possui unicamente vontade de partícipe [6]. O autor quer o fato como próprio, age com o animus auctoris; o partícipe quer o fato como alheio, age com animus socii [7]. Dessa forma, a extensão do tipo penal a todas as condutas consideradas como causa seria mitigada pelo critério subjetivo.

    Os inconvenientes da distinção puramente subjetiva de autoria e participação são manifestos. Fizeram-se presentes com grande intensidade nas condenações dos nazistas na jurisprudência alemã, em que os executores de milhares de mortes foram considerados cúmplices, porque queriam os fatos como alheios. Algo semelhante poderá ocorrer com os crimes de mão própria, em que o autor do crime, por querê-lo como alheio, poderia ser condenado como cúmplice, numa verdadeira aberração [8]. Isso implicaria, em outras palavras, condenar como meros partícipes sujeitos que realizam pessoalmente todos os elementos do tipo e, como autores, quem não tem intervenção material no fato [9].

    Assim, tanto o conceito extensivo de autor como a teoria subjetiva da participação devem ser rechaçados.

    Conceito restritivo de autor

    O conceito restritivo de autor, por sua vez, tem como ponto de partida o entendimento de que nem todos os intervenientes no crime são autores. Além disso, preceitua que somente é autor quem realiza a conduta típica descrita na lei, isto é, apenas o autor (ou coautores) pratica (m) o verbo núcleo do tipo: mata, subtrai, falsifica etc. Sob essa perspectiva, os tipos penais da Parte Especial devem ser interpretados de forma restritiva, pois, ao contrário do conceito extensivo de autor, nem todo aquele que interpõe uma causa realiza o tipo penal, pois causação não é igual a realização do delito [10]. As espécies de participação, instigação e cumplicidade, somente poderão ser punidas, nessa acepção, através de uma norma de extensão, como causas de extensão da punibilidade, visto que, por não integrarem diretamente a figura típica, constituiriam comportamentos impuníveis.

    De acordo com o conceito restritivo, portanto, realizar a conduta típica é objetivamente distinto de favorecer a sua realização. Ademais, somente a conduta do autor pode ser considerada diretamente como típica, sendo necessário que o legislador especifique, normalmente na Parte Geral, se as formas de participação são, por extensão, tipicamente rele...

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